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Governo colombiano transforma propriedades apreendidas do tráfico para ajudar vítimas

04/07/2024 11h59

Em uma mansão com torneiras de ouro e banheira em formato de ostra, líderes paramilitares e traficantes de drogas planejaram seus crimes em Medellín. A luxuosa propriedade foi apreendida em 2010 e em breve se tornará um laboratório forense para identificar milhares de desaparecidos na Colômbia.

Na luxuosa casa Montecasino houve assassinatos de candidatos presidenciais e massacres de camponeses, segundo depoimentos de ex-assassinos a serviço de seus proprietários, os irmãos Carlos, Vicente e Fidel Castaño, líderes das Autodefesas Unidas de extrema direita das seleções da Colômbia (AUC).

Grandes personalidades do tráfico de drogas, como o falecido Pablo Escobar, frequentavam suas reuniões e festas.

A construção de paredes de mármore e extensos jardins passou, em 2015, para as mãos da Unidade de Vítimas, entidade responsável pela assistência aos afetados pelo conflito armado, que a alugou a particulares.

Mas agora, por ordem do presidente Gustavo Petro, o primeiro esquerdista no poder na Colômbia, o Montecasino será administrado pela Medicina Legal. A autoridade forense terá ali um laboratório para identificar restos ósseos de pessoas desaparecidas num país com mais de 111 mil vítimas deste crime ao longo de seis décadas de conflito interno. Um número superior ao conjunto após as ditaduras da Argentina, Brasil e Chile no século XX.

Para Luz Galeano, líder comunitária de 60 anos, é uma esperança em meio à longa busca pelo marido, Luis Laverde, desaparecido em 2008.

"Procuro-o em todos os lugares e em toda parte, mas até agora não soube de nada", disse à AFP a vendedora de roupas e artigos de beleza, segurando um retrato de Laverde.

O laboratório "é algo com que sonhamos e continuamos a sonhar (...), para que inclua todas as vítimas de desaparecimento", acrescenta. 

- "Limpeza Espiritual" -

Galeano perdeu o contato com o marido desde que ele foi sequestrado em um ônibus. Naquela época, Medellín era palco de uma feroz perseguição por parte de paramilitares contra habitantes de setores controlados por guerrilheiros.

A mulher deseja que o laboratório se chame Casa Rayo de Luz, "para apagar todo aquele horror que ali aconteceu e começar a sentir que há uma limpeza espiritual".

Claudia Patricia Vallejo, diretora da Unidade de Vítimas do departamento de Antioquia, disse à AFP que "ninguém poderia imaginar todos os crimes e humilhações que ocorreram naquela casa, (...) sabe-se que ali muitas pessoas foram torturadas".

- Corrupção -

No dia da sua posse, 7 de agosto de 2022, Petro comprometeu-se a utilizar os bens apreendidos da máfia como "base de uma economia produtiva" em benefício dos mais necessitados.

A atribuição foi dirigida especialmente à Sociedade de Ativos Especiais (SAE), entidade público-privada vinculada ao Ministério da Fazenda que administra milhares de imóveis que foram confiscados.

A SAE os vende, leiloa ou aluga. Seu presidente, Daniel Rojas, disse que quando chegou à entidade, há dois anos, apenas 21% das propriedades geravam lucros, embora muito baixos.

Ele também denunciou uma suposta rede de corrupção. Recentemente, a Controladoria alertou sobre o desaparecimento de relógios Rolex e cavalos que representam perdas milionárias. A oposição também denuncia supostos maus procedimentos do atual governo.

- Castelo neogótico -

Em 1898, um acadêmico e diplomata iniciou a construção de um castelo de duas torres em estilo neogótico em Chía, município que faz fronteira com Bogotá.

Durante mais de um século, o Castelo Marroquín funcionou, entre outros, como cabaré e hospital psiquiátrico até ser adquirido por Juan Camilo Zapata, membro do Cartel de Bogotá.

O integrante daquela discreta organização de tráfico de cocaína foi assassinado em 1993 e o local passou para as mãos da SAE, que nos últimos anos tinha contrato de locação com uma empresa que ali organizava casamentos e shows.

Seguindo orientação de Petro, o contrato de locação será dissolvido para que o castelo seja entregue à Universidade Pedagógica estadual, com cerca de 9 mil alunos.

"Deveria ser política de Estado que todos os bens tomados pelo tráfico de drogas, que geraram tantos efeitos nos direitos humanos deste país, sejam repassados num ato de reparação aos entes públicos e às comunidades que foram afetadas", diz seu reitor, Helberth Choachí, em conversa com a AFP.

Além do castelo, onde está prevista a construção de um museu, a universidade receberá 33 dos 70 hectares de floresta envolvente para a realização de atividades acadêmicas, culturais e esportivas.

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© Agence France-Presse

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