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Por que os programas de governo da extrema direita e da esquerda preocupam cúpula econômica francesa

03/07/2024 12h06

O primeiro turno das eleições legislativas na França colocou frente a frente dois modelos diametralmente opostos de sociedade, mas que têm alguns pontos em comum nos seus programas econômicos de governo do país. O Reunião Nacional (RN), de extrema direita, e a Nova Frente Popular (NFP), aliança de partidos de esquerda, baseiam suas propostas em um expansionismo orçamentário que preocupa os agentes econômicos, num momento em que a degradação das contas públicas francesas já causa danos ao desempenho do país.

Por Lúcia Müzell, da RFI em Paris

O Medef, principal organização patronal francesa, considerou os dois programas "inapropriados" e "perigosos" para a economia do país, ao "gerarem altas de impostos, fuga de investidores estrangeiros e falência em massa de empresas".

O termômetro dos mercados financeiros cristaliza esses temores, com instabilidade nas bolsas desde que o Reunião Nacional saiu vitorioso nas eleições europeias e a coligação de esquerda despontou como a segunda principal força política, à frente do partido do presidente Emmanuel Macron. No mercado da dívida, a diferença entre as taxas a 10 anos do Tesouro francês para o alemão, referência no bloco europeu, não para de subir e atingiu a maior variação desde 2012.

O economista Jean Tirole, prêmio Nobel de Economia de 2014, publicou um artigo no qual afirma que "o que pode resultar destes programas só pode preocupar os cidadãos que querem manter o nosso sistema social e a nossa democracia liberal". Ele criticou as promessas dos dois opositores para melhorar o poder aquisitivo dos franceses, mas sem prever fontes de riquezas coerentes para financiar as medidas.

Outra vencedora do prêmio Nobel, a francesa Esther Duflo, salientou à emissora France Culture que a sigla de extrema direita aposta que o seu mantra da redução de impostos para as empresas e dos gastos sociais será suficiente para convencer o empresariado, apesar do programa vago do partido sobre a gestão da economia. O projeto prevê um déficit de pelo menos € 14,5 bilhões ao ano.

"O problema é que tem muitas medidas que beneficiam a todos, inclusive os ricos. Por exemplo, a exoneração de imposto de renda para menores de 30 anos também beneficia jogador de futebol ou empresário da tech que é jovem", aponta Gabriel Gimenez-Roche, professor-associado da Neoma Business School.

Programa do RN favorece os mais ricos

O partido busca conquistar o eleitorado de baixa renda, mas, na prática, suas medidas aumentariam as desigualdades: tornariam os 10% mais ricos da população ainda mais ricos e piorariam a condição dos 30% mais pobres, segundo uma análise detalhada do economista Raul Sampognaro, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE), com a colega Elvire Guillaud, da Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne).

Eles concluíram que o conjunto de reduções de impostos e benefícios sociais teria um impacto negativo de 1% na renda da população mais pobre, e 1,5% positivo para o topo da pirâmide. "Nós visualizamos os 30% mais pobres, mas eles enxergam a população estrangeira como alvo. Em resumo, o programa do RN quer retirar € 15 bilhões de ajudas sociais dos estrangeiros, além de outros € 5 bilhões que eles dizem que não mandarão mais para a Comissão Europeia", afirma.

"Quanto ao resto da população francesa, se excluímos os imigrantes, vemos que a maior parte das medidas fiscais beneficiam o topo da pirâmide de renda", aponta.

Decisões como subsidiar os preços da energia, proposta pelo RN, ou a anulação da última reforma das aposentadorias, prometida pela Nova Frente Popular, aumentariam ainda mais o endividamento francês, num contexto em que as taxas dos títulos da França já estão em alta.

Um mês antes do primeiro turno, a agência de classificação de riscos Standard & Poor's havia rebaixado a nota soberana da França, alegando dúvidas quanto à capacidade de o país reverter o déficit de mais de 5,5% registrado em 2023.

Esquerda promete aumentar carga tributária

A Nova Frente Popular quer bloquear os preços da energia e dos produtos alimentícios de primeira necessidade, aumentar em 15% o salário mínimo e tornar as escolas públicas totalmente gratuitas, entre outras medidas. O custo do pacote é deficitário em ao menos € 160 bilhões por ano, de acordo com um levantamento do think tank Fundação para a Pesquisa sobre as Administrações e Políticas Públicas (Ifrap).

Para financiá-lo, a coligação de esquerda conta com o aumento das receitas fiscais: uma reforma para tornar o imposto de renda mais progressivo, a volta do Imposto Sobre a Fortuna e a criação de duas novas taxas, sobre os "superlucros" e os produtos importados.

"A Nova Frente Popular fala que não será mais possível a França financiar as suas ambições ambientais, de justiça social e até de defesa apenas com cortes da proteção social", observa Sampognaro. "O atual governo insistia que não aumentaria jamais os impostos, mas também não baixaria o orçamento dos serviços públicos essenciais. A esquerda vem questionar o tabu que se instaurou sobre o imposto".

Na visão de Gabriel Gimenez-Roche, professor da Neoma Business School, entretanto, o pacote da esquerda espantaria os ricos do país, como já aconteceu no passado em governos socialistas que fizeram a carga tributária disparar.  

"Eles têm o programa mais detalhado, em termos de quantificação, mas ele sofre de um otimismo desmedido quanto às receitas. A ideia é, realmente, pegar o dinheiro de quem tem, dos ricos", constata o pesquisador. "O otimismo é pensar que eles não vão se mover - só que quem tem mobilidade de capitais são eles. Eles já foram embora antes e vão de novo. E os estudos mostram que quando você aumenta a carga fiscal desse jeito, as pequenas empresas são as que mais sofrem, porque elas não têm mobilidade de capital como as multinacionais", complementa.  

Um levantamento da Confederação das Pequenas e Médias Empresas indicou que as medidas que estão sobre a mesa teriam impacto negativo para o clima de negócios na França. A pesquisa apurou que 60% dos presidentes de empresas atrasariam investimentos ou contratações no caso de uma vitória da Nova Frente Popular, e 36% se o Reunião Nacional sair vencedor.

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