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Lei de zoneamento pró-construtoras aprovada em SP teve discussão relâmpago

Um dos projetos aprovados amplia área na região da avenida Faria Lima (foto) com incentivo a construções altas - 11.mar.2021- Eduardo Knapp/Folhapress
Um dos projetos aprovados amplia área na região da avenida Faria Lima (foto) com incentivo a construções altas Imagem: 11.mar.2021- Eduardo Knapp/Folhapress
do UOL

Do UOL, em São Paulo

03/07/2024 18h36

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta terça (2) um pacote de medidas com mudanças no planejamento urbano da cidade, na última sessão antes do recesso parlamentar. Para especialistas, as principais beneficiadas das propostas são as incorporadoras.

O que aconteceu

Vereadores aprovaram seis projetos de lei que favorecem expansão imobiliária em várias regiões da capital, incluindo áreas nobres, como a da avenida Faria Lima. Todas as propostas tiveram ao menos três audiências públicas, como manda o regimento da Câmara, mas algumas delas duraram menos de 20 minutos. Todas as reuniões aconteceram durante o mês de junho —menos de um mês antes da sessão em que foram aprovadas.

Um dos projetos reforma a Lei de Zoneamento, de 2016, que já havia sido alterada em dezembro passado. A última revisão deixou quadras inteiras sem uso definido. É essa a norma que rege, em cada quarteirão da capital, qual é a altura permitida das construções, proteção ambiental, se haverá incentivos para o setor imobiliário, entre outras especificações.

Para urbanistas e vereadores de oposição à gestão Ricardo Nunes (MDB), houve pressa para passar os projetos antes do recesso. No segundo semestre começa o período eleitoral, e os parlamentares estarão ocupados com a campanha.

"É a marca do prefeito Ricardo Nunes, esses PLs encaminhados com atropelo, sem a discussão adequada com a sociedade", disse o vereador Celso Giannazi (PSOL). "A grande maioria desses projetos não tinha a mínima necessidade desse atropelo, passaram a boiada aqui na Câmara Municipal".

"Não é coincidência [a votação antes do recesso]", disse o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Nabil Bonduki. "É muito claro que eles querem aprovar isso antes do recesso atendendo a interesses que, no período eleitoral, podem significar uma série de contrapartidas para os vereadores".

Relator das propostas, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) negou que as propostas tenham sido aceleradas. "Houve o trâmite da forma que tinha que acontecer. Se é no meio do ano, o pessoal vai reclamar. Se é no começo, também fala que não é o momento adequada", disse. "Não tem nenhuma ligação com o período eleitoral, e se tiver que ter a votação durante o período eleitoral, não vejo dificuldade em acontecer também".

Ele também rebateu a acusação de que as audiências não duraram tempo suficiente. "Talvez tenha durado dez minutos porque nem os vereadores, nem esses urbanistas, especialistas, 'sei-lá-o-que-istas' que você ouviu estavam na audiência. Se fossem, teriam oportunidades para discutir cada um dos projetos três vezes".

A prefeitura disse que não comentaria o processo. "Os debates ocorrem no âmbito do Legislativo e não do Executivo", disse, em nota.

'Nem os técnicos sabem o que foi aprovado'

Urbanistas ouvidos pela reportagem afirmaram que, com as emendas e a rapidez na votação, nem os especialistas sabem ao certo como a lei será alterada. "É papel dos técnicos tornar inteligíveis as coisas que impactam a vida das pessoas e que não são de fácil entendimento", disse o professor Nabil Bonduki. "Mas essa é uma lei que já reviu outra, que reviu outra. Não tem consolidação, é uma lei que é um remendo e torna a compreensão ainda mais difícil".

"Uma lei com essa importância tem que ter estabilidade", continuou. "Se a cada seis meses precisa fazer uma revisão para atender a um ou outro interesse particular, prejudica todo o mercado, que não sabe qual lei está valendo".

A também professora da FAU-USP Raquel Rolnik disse que não é possível dizer como ficou a lei depois das emendas, e que duvida que os vereadores tenham lido todas em tempo tão exíguo. "Ninguém nem sabe o que foi votado. Na hora de votar, apareceram trinta emendas, votadas em bloco único. Foram publicadas no mesmo dia, imagina se as assessorias parlamentares olharam essas trinta emendas. É imoral".

Os projetos favorecem principalmente algumas construtoras e incorporadoras, disseram os professores. "Todas as mudanças são para construir mais onde não podia, aumentar o potencial de áreas que não tinha", disse Rolnik.

"De maneira geral, [o pacote] facilita a construção de prédios de maior tamanho. Não acho que isso beneficie o mercado imobiliário, beneficia alguns atores, que tinham terrenos em áreas que não são adequadas, beneficia alguns empreendedores, mas não quer dizer que beneficie todos", opinou Bonduki. "É muito complicado colocar a questão do planejamento da cidade dessa forma. Mesmo que estivesse tudo muito bom, aprovar dessa maneira é equivocado".

Em junho, o Ministério Público Estadual de São Paulo pediu a suspensão da tramitação do projeto que revê a lei de zoneamento. Para a promotoria, era necessário mais publicidade e transparência na discussão. A Justiça negou o pedido, alegando que não poderia interferir no processo legislativo.

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