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Entre bombas e correspondências, uma carteira espalha esperança no leste da Ucrânia

01/07/2024 09h23

São quase 8 da manhã e Ganna Fesenko veste seu colete à prova de balas e entra em sua van blindada. Assim começa o dia desta carteira que percorre diariamente as estradas do leste da Ucrânia, na linha da frente da guerra com a Rússia. 

"Cada vez que saio, sei muito bem que posso não voltar", diz à AFP esta funcionária da empresa Ukrposhta. 

Desde o início da invasão russa em fevereiro de 2022, quatro funcionários da Ukrposhta morreram e outros quatro ficaram feridos enquanto trabalhavam. 

Uma carteira morreu no final de junho por um drone em um vilarejo da região de Kharkiv, onde as forças russas realizam uma ofensiva terrestre há várias semanas.

Ganna Fesenko considera o seu trabalho "vital" para a sua região natal de Donetsk, na região mineradora do Donbass, agora devastada pela invasão russa. 

Além de correspondências e pacotes, esta mulher de 39 anos desempenha mil funções, como entregar pagamentos de aposentadorias, medicamentos ou a venda de alimentos.

"Nas cidades do front eles estão abandonados", explica. "Alguém tem que fazer isso, as pessoas esperam por nós". 

Na primeira etapa de sua jornada, na praça central do vilarejo de Novoselydivka, um grupo de idosos corre em direção à sua van antes mesmo que ela consiga estacionar.

Ganna prepara jornais, café, macarrão e biscoitos com seu parceiro. 

A carteira conversa de forma simpática e brincalhona com os aposentados e compartilha algumas novidades. Ela conta que às vezes é recebida de mau humor e outras vezes como se fosse um messias. 

Os moradores não têm mais ninguém para desabafar suas frustrações, explica. Embora encare isso de forma filosófica, confessa que às vezes sente vontade de "deixar tudo".

- Seis meses em um porão -

Anastasia Kerelova conta, enquanto faz fila em frente à van da carteira, que a guerra "destruiu tudo" na vida cotidiana do vilarejo.

Os soldados russos "atiram todos os dias, é insuportável", declara a moradora, entre lágrimas. Aos seus 86 anos, Kerelova parte em sua bicicleta azul. Mas os outros habitantes não conseguem se mover e Ganna os leva até suas casas. 

É o caso de Olga, de 74 anos, que espera sentada em uma pequena cadeira à beira da estrada. Esta mulher precisa apenas de alguns produtos alimentares, mas "ninguém" pode levá-la de carro até a cidade mais próxima para fazer as suas compras, uma vez que a localidade ficou vazia, explica. 

"As pessoas estão em uma situação desesperadora", lamenta Ganna.

A carteira lembra de uma idosa com deficiência que viveu durante seis meses em porão em Ocheretine, localidade hoje tomada pelo Exército russo. 

"Descemos ao porão dela, demos a ela a sua aposentadoria. Para onde ela iria? A qual banco, a qual caixa eletrônico ela poderia ter acesso?", relembra. 

Quando Ganna conhece moradores que, como esta mulher, se recusam a deixar as suas cidades apesar do perigo, ela não os julga. 

"Eu os entendo muito bem, porque eu mesma perdi tudo", afirma. 

- Muito perigoso -

A carteira é originária de Bakhmut, localidade tomada pelas tropas de Moscou em maio de 2023, após uma das piores batalhas da guerra. Ela havia partido seis meses antes, deixando tudo para trás.

Mais de uma vez, Ganna pensou em deixar esse trabalho muito perigoso que escolheu há 17 anos. 

De acordo com Maksim Sutkovi, diretor regional da Ukrposhta, os carteiros do front às vezes não suportam mais trabalhar nessas condições. Nesse caso, a empresa, que tem cerca de 38 mil funcionários, oferece-lhes cargos na zona oeste do país, mais segura.

Por enquanto, Ganna espera. "Gosto do meu trabalho, gosto das pessoas, mesmo que às vezes seja difícil", admite. Sem isso, "seria impossível trabalhar aqui".

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© Agence France-Presse

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