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OPINIÃO

Conter o dólar exige cessar-fogo de Lula e Campos Neto

do UOL

Colunista do UOL

01/07/2024 19h17

Mais um dia de alta forte nas cotações do dólar. No fim da sessão desta segunda-feira (1º), a moeda americana fechou valendo quase R$ 5,65, cotação mais elevada desde janeiro de 2022, com alta de mais de 1,7%, em relação ao fechamento de sexta-feira. No ano, o real já desvalorizou 15% ante o dólar.

O dólar tem se valorizado, recentemente, contra boa parte das moedas ao redor do mundo, em especial a de economias emergentes. A principal razão da alta tem origem nas vacilações do Fed (Federal Reserve, banco central ao americano) em definir quando iniciaria os cortes na taxa de referência e o ritmo desses cortes.

Nesta segunda-feira, no mercado americano, as taxas de juros futuros registraram forte alta, colaborando para a elevação do dólar em todo o mundo. Mas o real brasileiro perde diante do dólar mais do que quase todas as moedas de economias emergentes.

Brasil é caso especial

É evidente que questões internas estão influindo na aceleração das desvalorizações da moeda brasileira. Os discursos de Lula contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e de Campos Neto contra a política fiscal de Lula são parte preponderante do problema.

Na sexta-feira, parte da puxada das cotações veio da definição da Ptax de fechamento de junho. A Ptax é a taxa média diária do dólar, calculada pelo Banco Central. A taxa do fechamento do mês serve de base para a fixação dos reajuste de uma série de contratos indexados à taxa de câmbio — caso dos contratos de dólar futuro e de derivativos de câmbio, no mercado financeiro, e de contratos de importação e exportação, na economia real.

Na segunda-feira, sem a atuação de aplicadores "comprados" (que apostavam na alta do dólar) e "vendidos" (apostavam na queda da cotação), tentando influenciar a Ptax de fim de mês, o que movimentou a sessão de sexta-feira, a cotação do dólar manteve-se em torno da estabilidade, com alguns momentos em baixa, até perto do fim do expediente.

No fim da sessão desta segunda-feira, contudo, a cotação do dólar voltou a disparar, rápido e com força. O presidente Lula pode ter empurrado as cotações ladeira acima com novas acusações ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e de queixas sobre a independência operacional formal do BC.

Escalada de acusações

Como destacado na coluna publicada no sábado (29), a escalada de discursos acusatórios entre Lula e Campos Neto está na base da escalada das cotações do dólar.

Lula já tinha atacado Campos Neto no início de seu governo, nos primeiros meses de 2023, acusando o presidente do BC de operar para manter altas as taxas básicas de juros (taxa Selic), prejudicando a economia. A partir de maio deste ano, Lula voltou a se queixar de Campos Neto, subindo o tom dos ataques, quando o presidente do BC indicou a interrupção do ciclo de cortes da Selic. Nesta segunda-feira, Lula retomou os ataques ao presidente do BC e a reclamar da independência operacional formal do BC.

Campos Neto reagiu, nas semanas anteriores, também com discursos crescentemente agressivos, culpando Lula pela pressão sobre o câmbio. Na sexta-feira, o presidente avançou um sinal que não deveria ter avançado, sugerindo intenção de interferir no BC em 2025, quando o presidente e a maioria da diretoria da instituição terão sido indicados por ele.

Também na sexta-feira, Campos Neto não só reafirmou sua avaliação da culpa de Lula pelo estresse no mercado de câmbio, como avançou, também onde não deveria ter avançado, com críticas à política fiscal do governo. Reforçou com isso os temores do mercado financeiro sobre o cumprimento das metas fiscais estabelecidas, com o consequente desarranjo da política econômica. Também não se moveu para comunicar à praça que a escalada do dólar não se ancorava na realidade da economia, mas apenas em expectativas de agentes do mercado financeiro.

Bagunça institucional

A prova de que os discursos de Lula e de Campos Neto, ambos fora dos limites institucionais, estão provocando instabilidades na economia pode ser localizada na discrepância entre os indicadores bem razoáveis da chamada economia real e a intensificação de manobras especulativas no mercado cambial.

O resultado das batalhas verbais entre Lula e Campos Neto, reforçando o "efeito manada" que parece ter se instalado no mercado cambial, será obviamente negativo para a economia brasileira. Pressões inflacionárias poderão se tornar inevitáveis, e, com isso, também tornar inevitáveis altas nas taxas básicas de juros (taxa Selic), prejudicando esforços na direção da expansão econômica.

A instalação dessa verdadeira bagunça institucional, protagonizada pelo presidente da República e o da Autoridade Monetária, mostra que já passou da hora de ambos baixarem a bola na guerra de discursos que estão travando. Como recomenda o BC em todos os comunicados do Copom (Comitê de Política Monetária), o momento pede serenidade e moderação.

Baixar a bola não significa apenas encerrar a guerra de palavras, mas, do lado BC, atuar para romper o "efeito manada". Isso pode ser feito com as armas da comunicação institucional da Autoridade Monetária, ou, mais concretamente, com uma intervenção pontual, no mercado, para quebrar esse "efeito manada" e aumentar o risco de perdas para os "comprados" em dólar.

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