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Encenadora espanhola Angélica Liddell convoca demônios e pesadelos na abertura do Festival de Avignon

29/06/2024 10h34

Performer, dramaturga e diretora, a espanhola Angélica Liddell inaugura neste sábado (29) a programação oficial da 78ª edição do Festival de Avignon, no sul da França, o maior evento de artes cênicas do mundo. A artista decidiu celebrar Ingmar Bergman com o espetáculo DÄMON, onde, como o cineasta sueco, ela convoca os fantasmas, demônios e sonhos que nos assombram. Tudo isso, na véspera de eleições legislativas antecipadas na França que podem mudar dramaticamente os rumos da governança do país.

Performer, dramaturga e diretora, a espanhola Angélica Liddell inaugura neste sábado (29) a programação oficial da 78ª edição do Festival de Avignon, no sul da França, o maior evento de artes cênicas do mundo. A artista decidiu celebrar Ingmar Bergman com o espetáculo DÄMON, onde, como o cineasta sueco, ela convoca os fantasmas, demônios e sonhos que nos assombram. Tudo isso, na véspera de eleições legislativas antecipadas na França que podem mudar dramaticamente os rumos da governança do país.

Marcia Bechara, enviada especial da RFI em Avignon

Avignon, também conhecida como Cidade dos Papas, devido ao episódio histórico entre 1309 e 1418, quando se tornou a capital do Ocidente cristão, nunca esteve tão silenciosa às vésperas da abertura de mais uma edição de seu reconhecido festival de teatro, criado pelo gênio de Jean Vilar em 1947, numa tentativa magistral e bem-sucedida de sublimar os horrores da guerra através do teatro.

Ao invés do sol forte, um vento insistente com ares de Mistral e uma nuvem densa pairam sobre a cidadela medieval, na abertura desta 78ª edição do Festival de Avignon, com uma abertura ligeiramente antecipada devido à iminência das Olimpíadas de Paris 2024. É nesse clima que as ruelas de Avignon recebem os mais de quatro mil espetáculos, na programação do IN (oficial) e do OFF (programação paralela).

Quem abre o baile na véspera do primeiro turno das eleições legislativas antecipadas na França, que acontece neste domingo (30), no clima tenso que sacode o país, é a encenadora, atriz, dramaturga e música francesa Séverine Chavrier, atual diretora da prestigiosa Comédie de Genebra, com a peça Absalon, Absalon!, baseada no romance cult de William Faulkner.

O livro, publicado em 1936, conta a história de um homem, Thomas Sutpen, que, partindo do nada, constrói uma propriedade, uma plantação, se casa e tenta formar uma família, mas que continua sendo um intruso, uma espécie de eterno outsider na comunidade onde surgiu um belo dia. Mais do que isso, a obra relata a história de uma maldição bíblica, revisitada pela força do teatro da diretora francesa.

"Minha fidelidade à obra dele não é literal", declarou Chavrier. "Tento ser fiel à sensualidade, aos cheiros, à correria das imagens e do tempo que o romance transmite. Não tenho a pretensão de dirigir Faulkner", diz a diretora francesa. "A questão é: como esse material me permite sonhar?", contextualizou. 

Muito aguardada, a peça resgata o universo de Falkner, que transpõe esse episódio bíblico para os Estados Unidos da Guerra Civil e da Secessão no Mississippi, assombrado pela escravidão e pelo genocídio dos povos originários, uma terra onde os sonhos de glória são fadados ao fracasso.

Demônios

Na sequência, é a vez da artista espanhola Angelica Liddell, grande veterana do Festival de Avignon desde que ganhou a plateia francesa e internacional com os impressionantes espetáculos La casa de la fuerza e El año de Ricardo, ambos em 2010, peças onde impõe, numa rapsódia de imagens que transbordam as fronteiras do teatro, uma narrativa e um estilo pessoal únicos, para resgatar o que chama pertinentemente de "pornografia da alma".

Desde então, Liddell não deixou de surpreender seus espectadores com a virulência de seu verbo poético ou sua construção impecável de imagens cênicas que flutuam entre o delírio, o sacrifício [tema-chave da artista] e a ironia.

Cercada pelos atores e atrizes do Dramaten - o Teatro Dramático Real da Suécia - e pelos colaboradores habituais de sua companhia, a performer espanhola convida a plateia a contemplar suas "fantasias enterradas e seus terrores não ditos", até ficarmos "cara a cara com o demônio final", que "não é a Morte, mas a Vaidade".

As performances de Liddell expõem "o que não ousamos falar em jantares chiques na cidade", segundo as palavras da organização do festival. Com DÄMON, a artista espanhola diz sonhar "com um teatro com a força de uma religião, onde rezamos pela salvação coletiva".

Nada mais propício para uma plateia francesa que ainda ousa sonhar, entre demônios e pesadelos, com uma França que não plebiscite uma extrema direita dura, reacionária e sectária nas eleições legislativas antecipadas deste domingo, num pleito histórico que pode mudar os rumos do país. Teatro é política, e nasce da política, como se sabe desde a Polis grega e seus autores trágicos.

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