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'Chute na cabeça': enteado de líder da Bola de Neve relata rotina de abusos

Nathan contou ao UOL que o padrasto o agredia fisicamente  - Reprodução/Instagram
Nathan contou ao UOL que o padrasto o agredia fisicamente Imagem: Reprodução/Instagram
Mariana Fernandes e Ranieri Costa
do UOL

Do UOL, em São Paulo

28/06/2024 04h00

"Ele é o cara do morde e assopra", diz Nathan Gouvêa, 30, sobre o padrasto, o fundador da Igreja Bola de Neve, Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, o apóstolo Rina. "Me chamava para jogar videogame. Uma vez, coloquei um CD úmido e o jogo não rodava. Para cada vez que eu tentava fazer o jogo funcionar e não dava certo, ele me dava um chute na cabeça".

Ao UOL, a assessoria de Rinaldo negou as acusações. "O apóstolo Rinaldo Seixas nega categoricamente as falsas afirmações apontadas pelo enteado. Tem confiança de que todas as denúncias se mostrarão infundadas após as investigações e apreciação pelo Ministério Público e Poder Judiciário".

Nathan tinha 6 anos quando sua mãe, a pastora Denise Seixas, casou-se com Rina. Ele passou a ter uma relação de "pai e filho" com o padrasto —a quem hoje Nathan acusa de agredir e abusar psicologicamente tanto dele quanto da mãe. Denise conseguiu na Justiça uma medida protetiva de urgência contra o marido e está afastada dele pela Lei Maria da Penha.

Segundo ele, que publicou nas redes sociais um vídeo de sua mãe sendo maltratada pelo marido, o medo permeou toda sua infância e juventude. Ainda assim, ele considerava o religioso seu pai.

"Meu pai era ausente e, quando Rinaldo começou a se relacionar com a minha mãe, passei a chamá-lo de 'pai 2'. Coisa de criança, não tinha muita consciência. Ele não gostou e disse: 'Não é pai 2. Você tem que me chamar de pai'. Então, nosso relacionamento passou a ser de pai e filho", conta.

Eu não enxergava algumas coisas que ele já fazia comigo como ruins, mas, na verdade, como uma coisa que um pai deve fazer. Tinha 7 anos, estávamos eu e um amigo na casa de praia dançando aquela música 'Olha a Onda'. Ele viu e ficou extremamente irritado, me bateu e deixou, eu e meu amigo, pelados numa sacada. Dava para todo mundo ver. Ficamos assim por horas.

O castigo, que Nathan acreditava ser "normal", voltou a se repetir. "Era bem novinho, coisa de uns 8 anos. Morávamos em um apartamento todo de vidro, no terceiro andar e, mais uma vez, ele me deixou de castigo, pelado."

Quando não era agredido, era ameaçado, diz. "Estava fazendo muita falta [no game Fifa, um jogo de futebol] e ele se irritou. Disse que eu ia levar um soco por cada falta que fizesse. No final, não me bateu."

A mãe, lembra ele, via as agressões, mas estava debaixo do "mesmo abuso". "Ele sempre a tratou como escrava, e ela não se posicionava", afirma.

"Minha mãe usava textos bíblicos para se referir ao Rina. Tem um texto que fala que Deus vai inclinar o coração do rei. É complicado isso, entende?", diz sobre o padrasto ser tratado como um rei dentro de casa.

A passagem citada (Provérbios 21.1) é interpretada por parte dos evangélicos como uma orientação de que Deus tem soberania, controle e influência sobre as decisões de governantes ou pessoas em condição de liderança. E, para essa vertente, o homem, a figura do pai ou do padrasto, é o governante da casa e da família.

Meu padrasto é um papa, não existe isso de alguém questioná-lo. É ele quem decide onde você vai trabalhar, com quem você vai se relacionar, em quem você vai votar. Sempre houve uma cultura de muito medo na minha casa. Quando ele chegava, eu me escondia. Era muito pesado, ele fazia terror psicológico o tempo inteiro. Nathan Gouvêa

O UOL ouviu, sob condição de anonimato, outras cinco pessoas muito próximas do pastor, que circulavam pela casa da família e pelos bastidores da Igreja Bola de Neve. Eles descreveram Rinaldo como um homem "autoritário", "poderoso", "que não admite ser questionado", um "homem dos nãos".

"Ele era muito duro comigo. Eu nunca podia ter acesso a nada, então, por exemplo, no armário tinham as coisas que eram só dele e tinha o resto que eu poderia comer. Era normal ele comer filé-mignon e eu comer carne moída. Nunca pude questioná-lo, ele sempre dizia: 'A casa é minha, eu pago por isso'".

"Roxos estranhos no braço"

Até os 12 anos, Nathan diz que não lembra de agressões contra Denise. Depois, notou a escalada da violência e o surgimento de "roxos estranhos" no braço da mãe. Em 2022, ela deixou escapar pela primeira vez que apanhava do marido.

Eu só via os abusos psicológicos. Eu não via o que estava debaixo do meu nariz. Éramos dois serviçais em casa, eu e minha mãe. Ele jamais se levantava do sofá para fazer qualquer coisa, começava a gritar quando queria algo e ficavam os dois apavorados. Agressão verbal e tratamento desmedido eram frequentes. Nunca vi ele agredindo [fisicamente] a minha mãe, mas via uns roxos meio estranhos no braço dela.

No começo de 2023, quase um ano depois do desabafo da mãe sobre as agressões, Denise disse ao filho que queria pedir a separação. Segundo Nathan, ela também falou sobre os planos para outras pessoas da igreja e isso chegou aos ouvidos de Rinaldo. Foi quando o apóstolo passou a dizer para as pessoas do seu círculo mais íntimo que Denise não estava bem psicologicamente e que talvez tivesse que interná-la, afirma Nathan.

Pra gente, era muito claro que ele ia interná-la. Foi por isso que publiquei um vídeo de uma discussão entre eles, para provar que a situação estava muito ruim. Lá, no vídeo, ele fala que ela está louca, que ele não queria mais ficar com ela.

O vídeo viralizou e, com a repercussão, Denise fez uma live para dizer que estava bem. Foi só no começo de junho deste ano que ela teve coragem de pedir a medida protetiva e sair de casa. O caso agora corre sob segredo de Justiça.

Ao UOL, Rinaldo rebateu as falas do enteado sobre seu relacionamento com Denise e afirmou: "Nathan saiu de casa há dez anos. Não tem a mínima ideia do que vivemos. Tudo o que eu sempre quis foi vê-la com saúde física, mental e emocional. Isso incluiu todo o cuidado com acompanhamento profissional, porém, em nenhuma hipótese, uma internação em clínica psiquiátrica. Essa foi só uma difamação para colocá-la contra mim."

"Se ela não tem coragem de falar o que ele fez com ela, eu tenho coragem de falar o que ele fez comigo. Ele me agredia fisicamente e psicologicamente e já me deu um tapa que arrebentou o meu ouvido e fiquei um ano sem poder mergulhar", diz Nathan.

Longe da Bola de Neve desde 2019, Nathan diz que ainda carrega os traumas do tempo que viveu com a mãe e o padrasto, e também de quando foi líder e pastor de jovens da Bola de Neve, entre 2007 e 2019.

"Hoje, estou bem, mas tenho gatilhos do que fizeram comigo. Dizem que sou mimado, que tenho que apanhar, porque estou mentindo... É duro, me remete à infância e tudo o que passei. Não me permito chorar, de tanto que ouvi isso do meu padrasto e do entorno que o idolatrava. Estou batalhando para seguir a minha vida."

Denúncia não é caso isolado

Essa não é a primeira vez que o UOL traz denúncias contra o líder da Bola de Neve. No dia 21 de junho, a reportagem contou o relato de Paolla, que denunciou Rinaldo por importunação sexual.

Paolla contou que considerava Rinaldo como seu "pai espiritual" e que estranhou quando ele pedia para ela fazer massagens. "Eu senti a mão dele fazendo massagem, a mão dele aqui perto dos meus seios, tocando na minha bunda. Eu sentia ele me manipulando e dizia para ele parar".

A advogada Jane Louise, que representa Paolla, defende que sua cliente passou por abuso religioso, moral e sexual. "Os processos correm em segredo de Justiça, mas, no caso dela, além de abuso moral e sexual, tem diversos direitos trabalhista não cumpridos."

Ao UOL, a assessoria de Rinaldo negou as acusações. "O apóstolo Rinaldo Seixas nega qualquer prática violenta e confia na apuração isenta e técnica de todos os fatos pela Polícia Civil e Ministério Público. O apóstolo se afastou voluntariamente da direção da Igreja Bola de Neve. Com muita serenidade, aguarda que sejam realizadas investigações imparciais e justas e tem convicção de que, ao final, será comprovada sua inocência".

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