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Ex-CEO das Americanas disse à CVM e à PF que obedecia a Sicupira

do UOL

Do UOL, em São Paulo

28/06/2024 14h08Atualizada em 28/06/2024 16h23

O ex-CEO das Americanas Miguel Gutierrez, preso em Madri nesta sexta (28) e apontado pela atual gestão da companhia como um dos responsáveis pela fraude contábil da varejista, afirmou que nenhuma decisão estratégica era tomada sem o conhecimento e anuência de seus acionistas de referência, em especial o bilionário Carlos Alberto Sicupira.

O que ele disse

A afirmação está registrada em depoimento em vídeo à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), gravado em 16 de março. O UOL teve acesso exclusivo ao vídeo e divulgou as falas do executivo em setembro do ano passado. Em carta enviada por Gutierrez à CPI das Americanas, o antigo CEO afirma que a gestão atual tenta blindar Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Sicupira dos malfeitos da administração contábil da companhia.

Nas três horas de depoimento à CVM, ao qual o UOL teve acesso, Gutierrez afirma que havia uma linha de comando segundo a qual nenhuma decisão importante era tomada sem o conhecimento e aprovação de Beto Sicupira. O ex-CEO das Americanas, que ficou no cargo oficialmente até dezembro de 2022, afirma que, durante toda a sua gestão, sua ligação com Beto Sicupira foi "contínua" e "muito intensa" e se estendeu mesmo depois que o sócio deixou a presidência do conselho de administração da companhia, em 2020.

"O Beto, ou você não se dá com Beto ou se dá com Beto. É uma pessoa de personalidade muito, muito forte. Se eu estava há 20 anos me relacionando com Beto no cotidiano, não dá para agora eu vou falar com [Eduardo] Saggioro [que substituiu Sicupira na presidência do conselho de administração]", contou Gutierrez à CVM, em março de 2023.

Gutierrez disse ainda que as acusações contra ele são falsas e têm como objetivo proteger os acionistas controladores das Americanas. Em reação às palavras do ex-CEO, o trio formado por Sicupira, Lemann e Telles chamou o ex-homem de confiança de "malfeitor", um dos responsáveis por uma "fraude ardilosa" em setembro.

No depoimento à CVM, Gutierrez detalhou como eram as relações de subordinação dentro da empresa. "O Beto, como presidente do conselho, era o meu chefe. E toda a interligação [minha com o conselho] era através do Beto. E o Beto saiu da chefia do conselho em 2020 —que foi um plano programado em 2019, ele ia sair para depois eu ir pro conselho novamente. Então, nesse período, meu contato com Beto sempre foi muito intenso", contou o ex-CEO. "Eu tinha uma relação com o Beto de 20 anos de trabalho. Você cria, obviamente, uma proximidade."

Bilionário era envolvido na empresa. O ex-presidente das Americanas contou que Sicupira, que presidiu a empresa entre 1983 e 1991, "gosta muito do negócio" e sempre foi muito envolvido no dia a dia da companhia. "Aí meu contato sempre foi prioritariamente com o Beto." Procurada pelo UOL em setembro, a atual direção das Americanas negou veementemente que qualquer decisão da companhia passasse pelo crivo de qualquer acionista.

Como foi a fraude

Segundo o comitê independente convocado pelo grupo para apurar o caso, a antiga diretoria das Americanas, Gutierrez incluído, "fraudou os resultados da companhia" para enganar o conselho e o mercado. Segundo o comitê, há pelo menos 25 indícios de materialidade que ligariam a antiga diretoria à fraude.

A empresa está em recuperação judicial com mais de R$ 40 bilhões em dívidas declaradas, além de outros quase R$ 7 bilhões em debêntures. Em 11 de janeiro de 2023, foi revelado pelo substituto de Gutierrez, Sergio Rial, que ficou somente nove dias no cargo, que havia "inconsistências contábeis" de R$ 20 bilhões —isto é, o valor não estava registrado no balanço como dívida. Em março, quando o depoimento de Gutierrez foi tomado, o caso não era tratado abertamente como fraude —tanto que a palavra sequer foi pronunciada pelos funcionários da autarquia.

À CVM o ex-CEO negou ter conhecimento das manobras para maquiar o balanço. Também alegou não ter envolvimento direto com as áreas financeira e contábil. A fraude nas Americanas é investigada também pelo Ministério Público Federal. Como revelou o UOL, alguns bancos, entre os principais credores do grupo, são céticos com o alcance da delação dos dois ex-executivos, caso ela poupe os acionistas.

Uma pessoa próxima ao trio disse, na ocasião da divulgação da carta de Gutierrez à CPI, que Gutierrez busca dar "um abraço de afogado" ao disseminar a versão de que Beto Sicupira conhecia todas as decisões das Americanas. Lemann, Telles e Sicupira têm negado, desde janeiro, quando o escândalo explodiu, que soubessem de qualquer má prática na área de contabilidade. As posições das Americanas e do trio às revelações trazidas pelo UOL estão registradas ao final deste texto.

Outro lado

Veja o que as Americanas disseram em setembro do ano passado ao UOL:

As Americanas lamentam as informações inverídicas apresentadas pelo senhor Miguel Gutierrez, que tem como único objetivo eximir sua responsabilidade e sua relação direta com a fraude de resultados identificada. Desde a apresentação de provas sólidas e consistentes à Comissão Parlamentar de Inquérito há mais de três meses, que mostram seu envolvimento, Gutierrez não apresentou nenhuma contraprova que invalide as mesmas.

A companhia nega a afirmação de que todas as ações da antiga direção das Americanas eram submetidas para aprovação a qualquer acionista ou membro do Conselho de Administração. Como em qualquer companhia aberta e nos termos da legislação aplicável, decisões operacionais e do dia a dia das Americanas cabiam exclusivamente à diretoria, liderada pelo senhor Miguel por 20 anos. Em relação aos contratos de fornecedores, por exemplo, todas as decisões eram tomadas unicamente pela diretoria.

As Americanas reafirmam que a recuperação judicial em curso está acontecendo com êxito para a preservação da importante atividade econômica que representa e os milhares de empregos diretos e indiretos gerados em todo o país. E reforçam que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos pelas autoridades competentes à frente das investigações.

Nota enviada pela atual gestão das Americanas ao UOL, no sábado, 9 de setembro de 2023.

O que dizem os acionistas de referência:

A assessoria de Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles reitera que os acionistas de referência estão totalmente engajados na construção de uma solução para pôr fim à recuperação judicial da companhia, de modo a preservar suas dezenas de milhares de empregos e relevante função social.

Ao longo dos últimos 10 anos, os acionistas de referência investiram R$ 2,3 bilhões nas Americanas e receberam em dividendos cerca de R$ 700 milhões, ou seja, perderam R$ 1,6 bilhão. No valor de mercado do ativo, a perda foi de mais de R$ 3 bilhões desde o início da crise. Eles ainda se comprometeram a aportar pelo menos mais R$ 10 bilhões para ajudar na recuperação da companhia.

Os acionistas de referência confiam nas autoridades competentes na investigação e punição dos responsáveis pela fraude que atingiu as Americanas, seus acionistas, empregados e colaboradores.

Nota enviada pela assessoria de Lemann, Telles e Sicupira ao UOL, no sábado, 9 de setembro.

O que diz a assessoria de Sergio Rial:

"Sergio Rial agiu como denunciante de boa-fé ao comunicar as inconsistências contábeis da Americanas em 11 de janeiro de 2023, e aguarda as providências cabíveis para a responsabilização dos autores da fraude bilionária a partir das delações já homologadas e da continuidade das investigações."

Nota enviada pela assessoria de Rial ao UOL, na segunda, 11 de setembro.

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