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Projeto educacional desmontado pelo governo Lula ganha prêmio internacional

do UOL

Do UOL, em Brasília

21/06/2024 04h00

Um projeto-piloto que levou internet, capacitação de professores e computadores a 177 escolas do país foi escolhido como um dos campeões de um prêmio internacional ligado à ONU (Organização das Nações Unidas). O prêmio WSIS 2024 (Cúpula Mundial pela Sociedade da Informação, na tradução do inglês) é organizado pela União Internacional de Telecomunicações com participação de outras agências da ONU.

A iniciativa foi, contudo, desmontada pelo governo Lula (PT), no segundo semestre de 2023, e substituída por um modelo fragmentado, sem garantia de que os equipamentos e a conexão chegarão simultaneamente às escolas. A nova diretriz é focar no custeio da conexão para um maior número de escolas, deixando de bancar computadores e treinamento de professores --o que ficará a cargo dos municípios, estados e Distrito Federal. Como a nova proposta vai custear a internet por dois anos, há o risco de os equipamentos não serem comprados a tempo.

Levar ou melhorar a internet em escolas públicas é uma das prioridades de Lula até 2026, quando termina seu terceiro mandato. Para isso, o governo criou a Enec (Estratégia Nacional de Escolas Conectadas) no ano passado.

Coordenador da Enec, o MEC (Ministério da Educação) afirmou que o programa articula "diversas iniciativas e atores" para universalizar uma internet de qualidade nas escolas. Na avaliação da pasta, a estratégia, da forma como foi montada, "valoriza o papel" de estados e municípios "na co-construção e no planejamento da política de atendimento às escolas sob sua responsabilidade".

O ministério listou três fontes de recursos para o custeio dos computadores por governos e prefeituras, além de afirmar que implementa ações de apoio para secretarias de Educação nas três frentes: conectividade, aquisição de dispositivos e formação de professores (leia mais abaixo).

Governo Lula muda rota de projeto educacional

Bancado com recursos privados do leilão do 5G, o projeto-piloto Aprender Conectado custou R$ 32 milhões.

O edital do 5G estabeleceu compromissos para as empresas vencedoras do leilão, entre eles, aportar R$ 3,1 bilhões para levar "plena conectividade" a escolas públicas (o valor envolve os custos do projeto-piloto e dos demais projetos a serem implementados). Para isso, foram criados dois comitês:

  • O Gape (Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas), formado por representantes da Anatel, das operadoras e dos ministérios da Educação e das Comunicações.
  • A Eace (Entidade Administradora da Conectividade de Escolas), órgão autônomo e não-governamental, que executa as obras e os serviços autorizados pelo Gape.

O projeto-piloto foi aprovado em julho de 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), e concluído em agosto de 2023 na gestão petista.

Após a conclusão da iniciativa, integrantes dos ministérios da Casa Civil, Educação e das Comunicações informaram a representantes do Gape e da Eace que o governo Lula teria outro rumo para os bilhões do 5G.

Naquele momento, o projeto-piloto havia contemplado professores e 30,7 mil alunos em dez municípios das cinco regiões brasileiras. Essas escolas terão garantidas a internet e a manutenção dos equipamentos durante três anos.

À época, a projeção do Gape era replicar o projeto-piloto para outras 10 mil escolas sem internet, sobretudo no Norte e Nordeste.

Com a mudança de rota, a gestão petista projetou ampliar o número de escolas atendidas para 40 mil em todo o país por um período de dois anos, segundo representantes dos ministérios estimaram em reunião em agosto.

Dessa forma, o dinheiro do 5G deixaria de bancar computadores e treinamento de professores, e o foco passaria a ser o custeio da conexão e o aumento de unidades de ensino atendidas.

Na ocasião, o governo estimou que seriam necessários R$ 5 bilhões para a compra de computadores. Os equipamentos poderiam ser adquiridos por estados e municípios por meio de licitação do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), segundo afirmaram na ocasião os representantes da gestão petista.

Em setembro, menos de um mês após a reunião, Lula assinou o decreto que criou a Enec, com valor estimado em R$ 8,8 bilhões. Sem recursos orçamentários próprios para implementar a Enec por inteiro, o governo reuniu diferentes fontes de verba. Uma delas foi se apropriar dos R$ 3,1 bilhões do 5G.

No ano passado, Lula disse que estava "jogando muitas fichas" no projeto de escolas conectadas. O presidente avaliou que, após o lançamento da Enec, "a gente pode afirmar ao povo brasileiro que, a partir de 2026, a gente vai ter um outro país".

"A gente vai ter um país mais bem informado, mais conectado, as pessoas recebendo conteúdo de mais quantidade, mais qualidade", afirmou Lula.

O Censo Escolar de 2023 apontou que 54,3 mil escolas estaduais e municipais (ou 8 milhões de alunos) não têm computadores ou tablets. Desse total, 55% das unidades de ensino ficam em zona rural.

A coordenadora da Enec e secretária-executiva do Ministério da Educação, Izolda Cela (à esq.), e o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, visitaram, em maio, uma das escolas beneficiadas pelo projeto-piloto em Baía da Tração (PB) - Kayo Sousa/Ministério das Comunicações - Kayo Sousa/Ministério das Comunicações
A coordenadora da Enec e secretária-executiva do Ministério da Educação, Izolda Cela (à esq.), e o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, visitaram, em maio, uma das escolas beneficiadas pelo projeto-piloto em Baía da Tração (PB)
Imagem: Kayo Sousa/Ministério das Comunicações

Apadrinhados por ministros viajam à Suíça para receber prêmio

Foram escolhidos inicialmente 72 "campeões" em 18 categorias em áreas de promoção de tecnologia e desenvolvimento sustentável. Entre eles, estava o projeto-piloto brasileiro. Em Genebra, a premiação selecionou um vencedor em cada uma das categorias. O trabalho da Tanzânia ficou em primeiro lugar, à frente da iniciativa brasileira.

Dois indicados dos ministros das Comunicações e da Secretaria de Relações Institucionais, da gestão petista, e uma delegação da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) participaram da premiação na Suíça, no fim de maio. A viagem foi custeada pela Anatel e pela Eace.

Na Europa, o presidente da Eace, Flávio Ferreira dos Santos, afirmou que o prêmio é o "reconhecimento de um trabalho bem feito". "Nosso projeto Aprender Conectado foi escolhido dentre os cinco projetos mais importantes do mundo para a inclusão digital de escolas públicas que necessitam desse apoio", afirmou Santos, em vídeo nas redes sociais.

"Estou muito feliz. Queria dividir isso com todos os brasileiros e brasileiras e dedicar esse prêmio a todos os estudantes do ensino básico do Brasil", afirmou Vicente Aquino, presidente do Gape e conselheiro da Anatel, em outro vídeo.

Flávio dos Santos viajou acompanhado do diretor de Relações Institucionais e Comunicação da Eace, Jhon Ribeiro. Os dois são apadrinhados pelos ministros Juscelino Filho (União Brasil), das Comunicações, e Alexandre Padilha (PT), de Relações Institucionais, respectivamente.

Santos e Ribeiro não atuaram no projeto-piloto, tendo assumido os cargos na Eace em janeiro. A entidade se tornou foco de influência da classe política e teve a presidência trocada três vezes em pouco mais de dois anos.

O que diz o MEC

O UOL perguntou ao Ministério da Educação se a estratégia assegura que as escolas terão conectividade e equipamentos ao mesmo tempo. A pasta não respondeu se há garantia de que isso ocorrerá.

A reportagem também perguntou se há risco de a internet e os computadores chegarem em períodos distantes. A pasta disse que vem atuando para "melhorar a comunicação com as secretarias de Educação municipais e estaduais, como forma de garantir uma melhor coordenação de ações".

"O Ministério da Educação informa as secretarias de Educação à medida em que novas listas de escolas a serem beneficiadas pelas políticas de conectividade são definidas e as operações são contratadas", explicou.

Segundo a pasta, caberá a estados, Distrito Federal e municípios adquirirem os equipamentos por meio das seguintes fontes de recursos:

  • Lei aprovada durante a pandemia da covid-19 que enviou R$ 3,5 bilhões a estados e Distrito Federal. Segundo o MEC, "aproximadamente R$ 3 bilhões ainda não foram executados";
  • Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) -verba repassada a estados, DF e municípios.
  • Programa Dinheiro Direto na Escola - Educação Conectada. No ano passado, o governo reservou R$ 293 milhões para esse programa.

O MEC afirmou que as secretarias estaduais poderão comprar os equipamentos por meio de licitações próprias ou em uma ata do FNDE que deve ser lançada no segundo semestre.

Segundo o ministério, não constava de recomendação do TCU (Tribunal de Contas da União) nem do edital do 5G a "previsão de que os projetos de conectividade de escolas contemplassem também o fornecimento de dispositivos e a formação de professores".

As normas do leilão determinaram, contudo, que projetos bancados com esse recurso poderiam contemplar "quaisquer infraestruturas, equipamentos e recursos associados à consecução da plena conectividade das escolas, e que para tanto necessitem ser instalados, construídos, adquiridos e distribuídos".

O MEC também afirmou que "está em vias de publicar" um material de referência para orientar docentes quanto ao uso de computadores no ensino. A pasta relatou ter lançado "uma oferta de apoio técnico com duração de 15 meses para as secretarias estaduais de Educação" e que planeja ação de apoio a secretarias municipais para 2025.

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