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Influenciadores digitais convocam milhões de seguidores a votar contra a extrema direita na França

20/06/2024 13h49

Depois da mobilização contra a extrema direita de intelectuais, celebridades e esportistas franceses na campanha das eleições legislativas antecipadas, os influenciadores digitais franceses se posicionam nas redes sociais e convocam milhões seguidores a participar do bloqueio ao partido Reunião Nacional. Esse é o primeiro movimento político conjunto de criadores de conteúdo na França. 

Daniella Franco, da RFI

Um dos líderes dessa iniciativa é o francês Squeezie, que tem quase 20 milhões de seguidores no Youtube. Nas redes sociais, ele publicou uma carta aberta pedindo explicitamente a seus fãs um bloqueio à extrema direita. Em um texto direcionado aos jovens, Squeeze diz: "Essa orientação política infelizmente foi banalizada, quando a história, mesmo recente, já nos mostrou os perigos e as duras consequências da chegada de um partido da extrema direita no poder", diz.

Outra influenciadora extremamente popular na França, Léna Situations, que tem quase cinco milhões de seguidores, publicou stories no Instagram convocando o público a votar contra a extrema direita, a xenofobia e a intolerância. Já Crazy Sally publicou um vídeo nas redes sociais após a vitória do partido Reunião Nacional nas eleições europeias, em 9 de junho, abordando o perigo da normalização da extrema direita.

"A extrema direita de hoje entendeu muito bem como se 'desdiabolizar', principalmente graças às redes sociais, onde o líder do Reunião Nacional, Jordan Bardella, é presente e poderoso. Ele tem um milhão de seguidores no TikTok, conseguiu fazer um 'rebranding', para ter essa fama de 'bonitão'", afirma a influencer. "Sua comunicação nas redes sociais é muito boa: ele passa a imagem de um cara legal, que faz confissões pessoais à seus seguidores, usa músicas e expressões da moda, enfim, Bardella é um TikToker profissional. Isso criou uma proximidade enorme com os jovens, que são os eleitores mais importantes hoje, porque eles não votam. Por isso que conquistar o voto dos jovens faz diferença", reitera Crazy Sally.

Manifesto de 200 personalidades da internet

Vários outros criadores de conteúdo reforçaram o apelo nos últimos dias. Na segunda-feira (17), o site de notícias Mediapart publicou uma tribuna assinada por 200 personalidades da internet contra a extrema direita. "O momento não é mais para a neutralidade", diz o texto, alertando para as origens da legenda, o antigo Frente Nacional [hoje Reunião Nacional, dominado pelo clã Le Pen], fundado por ex-paramilitares nazistas. "O partido não mudou, apesar da mudança de nome. Suas relações atuais, em nível local e nacional, com os piores grupos de extrema direita, são conhecidas de todos", completa o manifesto.

O professor e pesquisador em Ciências da Informação e da Comunicação, Alexandre Eyries, da Universidade Católica do Oeste da França, explica que esse tipo de mobilização não é nova no país. "Essa mobilização acontece numa continuidade do posicionamento de personalidades que já ocorria há 20, 30 anos - às vezes atores, às vezes atletas de alto nível. Eles davam sua opinião sobre acontecimentos políticos e orientações ao voto. Então, é uma evolução, mas não é uma revolução, eu diria. É apenas o seguimento de uma tendência, dentro da evolução das tecnologias da informação", avalia

Para a professora e pesquisadora em Comunicação e Política Camila Moreira César, da Universidade Sorbonne Nouvelle, há uma diferença principal entre os movimentos políticos liderados por celebridades e o atual movimento dos criadores de conteúdo digital contra a extrema direita. "Os influenciadores são uma conexão entre os diferentes mundos. A internet é um grande conjunto de arquipélagos, onde a gente vê comunidades que se formam em torno de questões, de centros de interesse, de gostos. Eu acho que a diferença esteja aí", diz. "Celebridades e intelectuais, de uma maneira geral, já tem um posicionamento político mais afirmado; são pessoas públicas por excelência. Já os influenciadores conquistam esses espaços online, progressivamente, e conseguem fazer essa conexão entre públicos que são muito diferentes, conseguindo alcançar grupos mais distintos e criar pontes entre eles", avalia.

Repercussão e efeito nas urnas 

O movimento dos influenciadores digitais teve tanta repercussão que obteve uma resposta do líder do partido Reunião Nacional, Jordan Bardella, à frente das pesquisas, com mais de 30% das intenções de voto. Em uma carta aberta publicada nas redes sociais, ele afirma que os criadores de conteúdo online reproduzem argumentos "grosseiros" do partido da esquerda radical França Insubmissa, que integra a coligação da esquerda Nova Frente Popular, em segundo lugar nas pesquisas, com entre 25% e 28% dos votos.

Mas, além do buzz, a mobilização política dos influenciadores digitais pode ter resultados nas urnas? A professora e pesquisadora da Sorbonne Nouvelle acredita que é difícil medir o peso dessas personalidades em uma eleição, mas o potencial desta iniciativa é expressivo. "Esses influenciadores têm um papel importante de levar esse debate urgente para outros espaços que não são necessariamente atravessados de maneira direta pela questão política", aponta.

Camila salienta que "os influenciadores têm uma relação de identificação e de proximidade muito importante com a comunidade para a qual eles falam", principalmente o público jovem. Nas últimas eleições legislativas francesas, em 2022, 70% dos eleitores com menos de 35 anos não foram às urnas, segundo uma pesquisa dos institutos Ipsos e Sopra Steria.

Os seguidores "não necessariamente têm uma afinidade política e ideológica, e muitos deles têm uma posição refratária à política tradicional". Por isso, segundo a professora e pesquisadora, o fato de os criadores de conteúdo serem muito visíveis e presentes, o movimento do setor pode contribuir com um freio à progressão da extrema direita. 

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