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Justiça suspende, mas vídeos que 'incitam crimes' da PM seguem no ar

Chamadas para os vídeos dos policiais no YouTube - Reprodução/YouTube
Chamadas para os vídeos dos policiais no YouTube Imagem: Reprodução/YouTube
do UOL

Do UOL, em São Paulo

19/06/2024 20h47Atualizada em 20/06/2024 19h55

Mesmo após a Justiça Federal determinar a suspensão de vídeos produzidos por policiais no YouTube, podcasts e cortes continuam no ar.

O que aconteceu

A Justiça determinou que os canais "CopCast", "Fala Glauber", "Café com Polícia" e "Danilo Snider" retirem vídeos em que policiais descrevem operações e narram violência explícita do ar. No entanto, no início da noite desta quarta-feira (19), alguns podcasts continuam no disponíveis no YouTube.

Dos 13 vídeos que deveriam estar fora do ar, apenas seis estão suspensos. O UOL apurou que todos os vídeos citados pela Justiça do canal "CopCast" seguem circulando. As produções somam aproximadamente 8 milhões de visualizações no YouTube. Os canais punidos têm entre 300 mil e 2,5 milhões de inscritos.

A defesa do canal "CopCast", disse que vai cooperar com a Justiça. Após a publicação da reportagem, o escritório Fusco, que advoga para o canal, privou os vídeos em questão e alegou que ainda não foi notificado oficialmente sobre a decisão. As alterações dos vídeos de públicos para ocultos foram constatadas pelo UOL às 19h50 de quinta-feira (20). (veja nota abaixo)

Vídeos foram replicados por outro canal. Também alvo da operação, "Danilo Snider" teve vídeos reproduzidos por outro canal no YouTube, chamado "PodCastro". O material continua no ar mesmo com a decisão da Justiça.

"PodCastro" é de posse do parceiro de videocast de Danilo, identificado como Nilson Castro. Cortes do episódio punido se multiplicam no YouTube, somando quase 30 mil visualizações — todos no ar. O UOL tenta contato com o canal de Danilo Martins e de Castro.

Vídeo cita mortes realizadas por agentes com facas. Em um dos vídeos publicados inicialmente no canal "Danilo Snider", um policial militar do Rio de Janeiro narra o que seria, supostamente, uma operação do Batalhão de Operações Especiais.

O Bope, quando entra, ele faz o diabo mesmo. Ele entra, mata os outros na faca mesmo. Óbvio que oficialmente isso não existe, isso nunca aconteceu (...) Quando eles [Bope] querem fazer uma covardia, eles tiram o uniforme deles e botam o nosso [de PM]. O convencional. É sério. Porque quando eles [Bope] entram com o uniforme deles, os caras correm. Então, quando eles querem fazer uma covardia eles trocam de uniforme e entram com o convencional.
PM licenciado Miquéias Arcenio, em entrevista a Danilo Snider

O UOL procurou Miquéias Arcenio por e-mail e mensagem no Instagram, mas não teve retorno.

A decisão

A medida busca "evitar a ocorrência de abusos no direito à liberdade de expressão e disseminação de discurso de ódio". A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União. A decisão liminar foi publicada na sexta-feira (14).

Vídeos disseminam discurso de ódio, destaca decisão: "(Os canais) veiculam conteúdo em programas de "podcast e videocast, de forma a incitar crimes, violar a presunção de inocência e o devido processo legal, além de disseminar discurso de ódio", na temática de ações policiais atinentes à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro".

Decisão pediu suspensão, e não derrubada definitiva. O ofício, assinado pela juíza federal Geraldine Vital, narra que não determinou a exclusão dos canais ou dos vídeos para "assegurar a tutela de direitos humanos sem comprometer a liberdade de expressão e a atividade econômica dos réus, mantendo a reversibilidade da decisão até o julgamento final".

A monetização das visualizações dos vídeos antes da suspensão não será alterada. Os canais seguem habilitados para publicar.

Os administradores dos canais foram condenados a pagar R$ 200 mil. Na ação, a juíza argumenta que o valor diz respeito a compensação por dano moral coletivo.

Google deverá pagar R$ 1 milhão. Também a título de compensação por dano moral, a Justiça determinou que o Google, responsável pelo YouTube, pague a quantia e adote medidas para "impedir a disseminação de conteúdo discriminatório".

O UOL procurou o Google Brasil. Em nota, a empresa informou que não se manifestará sobre o tema, tampouco disse se suspenderá os vídeos que ainda estão no ar.

A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro também foi notificada. A corporação deverá prestar informações sobre os procedimentos adotados para efetivar o controle de postagens em redes sociais.

Kauam Pagliarini, dono do podcast Café com a Polícia, disse ao UOL que retirou o vídeo condenado em questão antes mesmo da determinação judicial. Ademais, o produtor de conteúdo ainda comentou que "não leu e não interessa o processo". "Meu trabalho no canal é jornalístico, faço perguntas e tento arrancar boas histórias dos entrevistados. Você com certeza entende bem, como bom jornalista que é", afirmou.

Eu não gosto de me incomodar, só quero fazer meu trabalho, se alguém acha que está sendo prejudicial de alguma forma, eu retiro o conteúdo de boa, sem mágoa nem rancor no coração. Minha filosofia de vida é não ficar em guerra com ninguém.
Kauam Pagliarini, do Café com a Polícia

O MPF-RJ abriu uma apuração interna sobre os canais no dia 17 de abril de 2023. A investigação inicial do MPF, conforme revelou o UOL à época, cita quatro canais no YouTube. Nos vídeos investigados, PMs do Rio e de São Paulo narram abusos que eles próprios teriam cometido. Eles falam abertamente que a polícia encobre e estimula ações violentas, inclusive mortes.

"A Defesa do Canal CopCast, na pessoa de seus representantes Jaime e Angelo Fusco, informa que a decisão que determinou a suspensão dos vídeos do canal se deu em caráter liminar, ou seja, sem que tenham sido ouvidas todas as partes. Informa, também, que ainda não possuiu pleno acesso a sua íntegra, somente tomando nota de suas repercussões por intermédio da mídia. Outrossim, reitera o compromisso do Podcast em se gerar um ambiente de respeito e compromisso às leis e normas que regem a nossa sociedade civil, de modo a valorizar a imagem da autoridade policial, sem - de qualquer modo - agir visando a discriminação das classes menos favorecidas que, via de regra, o policial pertence e primordialmente visa proteger. Por esta razão, mesmo ainda não notificado da referida decisão - que crê ser equivocadamente cautelosa em sua determinação de suspensão dos vídeos - informa que o canal CopCast irá privar os vídeos objetos da decisão, demonstrando à justiça seu maior interesse em cooperar, deixando claro no momento oportuno as razões pelas quais crê estar equivocada a pretensão do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União."
Nota da defesa do canal "CopCast"

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