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Tese de 'conluio' entre Moro e Deltan pode acelerar anulações na Lava Jato

22.mar.2023 - Deltan Dallagnol e Sergio Moro durante sessão no Senado - Jefferson Rudy / Agência Senado
22.mar.2023 - Deltan Dallagnol e Sergio Moro durante sessão no Senado Imagem: Jefferson Rudy / Agência Senado
do UOL

Do UOL, em São Paulo

27/05/2024 04h00Atualizada em 27/05/2024 15h32

A decisão do ministro Dias Toffoli de anular todas as ações contra o empreiteiro Marcelo Odebrecht, na última terça-feira (21), pode levar o STF a reverter outras medidas tomadas na operação Lava Jato, segundo criminalistas consultados pelo UOL.

O que aconteceu

Toffoli anulou os atos praticados contra Odebrecht com base nas mensagens entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol obtidas pela Polícia Federal. Para os criminalistas ouvidos pela reportagem, a tese do ministro de que houve "conluio" na Lava Jato, com base nos diálogos apreendidos na operação Spoofing, pode ser usada por outros réus para pedir benefícios semelhantes.

A eventual anulação de outros casos não será automática. Os réus citados nas mensagens teriam que recorrer ao STF e provar que também foram prejudicados pela susposta combinação na Lava Jato. Além de vários empresários, nomes como os do deputado Aécio Neves (PSDB-MG), do ex-deputado Eduardo Cunha (PRD-SP) e do ex-ministro Antonio Palocci já conseguiram acesso ao material na Justiça.

A nulidade dos processos contra o presidente Lula (PT) não se baseou nas mensagens. O ministro Edson Fachin invalidou quatro condenações do petista, em março de 2021, pela conclusão de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era competente para julgar os casos. No mês segunite, o plenário do STF confirmou a anulação das ações contra Lula, por 8 votos a 3, com a conclusão de que a competência não era do Paraná e que Moro era suspeito, ou seja, não era imparcial para analisar os processos.

Até o momento, a medida de Toffoli a favor de Odebrecht não foi analisada pelo plenário do STF. Segundo a colunista do UOL Raquel Landim, também está aumentando dentro da Corte o mal-estar com a resistência do ministro de levar o assunto à Segunda Turma ou ao plenário, que homologou a delação da Odebrecht em 2017. Na decisão, Toffoli ressaltou que o acordo continua válido, apesar dos benefícios a Marcelo.

A PGR (Procuradoria-geral da República) estuda questionar a decisão de Toffoli. O atual PGR, Paulo Gonet, já recorreu das medidas do ministro que suspenderam as multas aplicadas contra a Odebrecht, no âmbito da Lava Jato, e contra o grupo J&F. O Supremo não julgou estes recursos até o momento.

Criminalistas veem chance de que o benefício dado a Marcelo se aplique a outros alvos da Lava Jato. Eles ponderam, no entanto, que o efeito pode ser lento, porque o STF terá que analisar caso a caso.

O que dizem os especialistas

É provável que o STF analise os casos sem pressa, até para evitar essa sensação de derrubada geral da Lava Jato, mas certamente chegarão outros pedidos das defesas ao tribunal
Beatriz Alaia Colin, especialista em direito penal e advogada do escritório Wilton Gomes Advogados

Do ponto de vista técnico, se o STF entender que houve conluio, o que é uma afirmação muito grave, pode ser aberto um precedente a partir da decisão favorável a Marcelo Odebrecht, já que os réus em situação semelhante deverão ser tratados de forma similar
Carla Rahal Benedetti, professora da EPD (Escola Paulista de Direito) e sócia do Viseu Advogados

A razão central das anulações dos processos parece ser a contaminação do juízo, no caso, a 13ª Vara Federal de Curitiba. A Lava Jato revelou uma delinquência processual que, no fim das contas, impediu o combate efetivo à corrupção
Thiago Turbay, especialista em direito probatório e sócio do Boaventura Turbay Advogados

É preciso lembrar que houve muita corrupção, porque muitos achados apontam isso, e o Estado brasileiro tem o desafio de combatê-la. Mas isso precisa ser feito com respeito ao devido processo legal
Rogério Taffarello, professor na FGV-SP e sócio da área penal empresarial de Mattos Filho Advogados

O que se observa nas anulações por parte do STF é uma discricionariedade excessiva e mudanças de jurisprudência. O tribunal aplicou mudanças de forma retroativa, e o recado que se dá aos membros do Ministério Público é que nunca mais ousem investigar o andar de cima, da forma como foi feito.
Rodrigo Chemim, promotor do MP-PR (Ministério Público do Paraná) e professor de direito penal

STF anulou mais de 20 processos da Lava Jato

A reportagem identificou que o Supremo já invalidou, total ou parcialmente, 21 dos mais de 100 processos da Lava Jato no Paraná. Além de 4 processos contra Lula e 11 contra Odebrecht, a Corte também já anulou sentenças ou extinguiu penas contra o ex-ministro José Dirceu, os ex-deputados Eduardo Cunha e André Vargas, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari e o deputado e ex-governador Beto Richa (PSDB-PR).

Richa foi o primeiro a ter a sentença anulada pela tese de "conluio" entre Moro e Deltan. Em dezembro de 2023, Toffoli usou os diálogos pela primeira vez para justificar a derrubada de um processo da Lava Jato. Nas demais anulações, o STF alegou motivos como a incompetência de Moro para julgar os casos e a tese de que os crimes deveriam ter sido julgados pela Justiça Eleitoral.

Procurado para comentar as anulações, o STF não justificou nenhum caso específico. Em nota enviada ao UOL, a Corte afirmou que "as razões das decisões foram expostas pelos ministros durante cada julgamento".

Moro e Deltan negam conluio

Moro afirma que a Lava Jato é alvo de um "revisionismo estimulado pelo governo Lula". Em nota enviada ao UOL, o senador nega que tenha havido conluio na Lava Jato e diz esperar que a decisão de Toffoli seja revertida.

Deltan disse ao UOL que as decisões de Toffoli são "políticas, não jurídicas". "Eles anulam o que quiserem, as mensagens [da Vaza Jato] são pretexto. Antes era a aplicação retroativa da mudança da regra da competência, alterada da justiça federal para a eleitoral, outra coisa esdrúxula", disse.

Não existiu nenhum conluio na Lava Jato. O que existe é um revisionismo estimulado pelo governo Lula que desmontou a prevenção e o combate à corrupção. Espero que haja recurso e que o colegiado do STF possa examinar novamente o caso.
Sergio Moro (União-PR), senador

Toffoli não mostrou nenhum ato ilgal da Lava Jato, que contrarie os fatos, as provas ou a lei. Se o STF se preocupasse com a mistura de funções de acusador e julgador que Toffoli alegou existir na Lava Jato, deveria anular as decisões de [Alexandre] Moraes no inquérito das fake news, dos atos antidemocráticos e das milícias digitais.
Deltan Dallagnol, ex-procurador que teve o mandato de deputado federal cassado

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