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Homem dorme no estacionamento de hospital para manter tratamento de câncer

do UOL

Do UOL, em Porto Alegre

17/05/2024 04h00

Tratando um câncer no pâncreas, Astelio Miguel dos Santos, 47 anos, estava desesperado porque a enchente alagou as ruas e fez ele perder quatro sessões de radioterapia. Inconformado, o paciente deu um jeito de dirigir até a Santa Casa de Porto Alegre e passou a dormir no estacionamento do hospital.

O que aconteceu

Uma ressonância em dezembro do ano passado mostrou redução do tumor pela metade. Miguel estava apavorado. Faltar ao tratamento era a ameaça de a doença avançar de maneira fatal.

Quando perdeu a quarta sessão, ele percebeu teria de fazer algo. Determinado, arrancou o banco do carona e o banco traseiro de seu Fiat Uno, que passaria a servir de moradia.

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Miguel entrava pela porta do carona e se aninhava no seu mini-motorhome
Imagem: Felipe Pereira/UOL

Um colchão foi colocado no espaço aberto dentro do carro. A cama improvisada foi colocada em cima de madeiras que serviam de estrado e dava sustentação a engenhoca.

O carro foi estacionado no subsolo da Santa Casa na quarta-fera da semana passada. Ele ficou uma semana perambulando pelos hospitais ou deitado no interior do Uno.

Não estava desconfortável para dormir, dava para se esticar bem. O problema era a movimentação no estacionamento que não deixava dormir direito,
Astelio Miguel dos Santos, paciente de oncologia

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Miguel mostra a estrutura improvisada que serviu de cama para não interromper o tratamento contra o câncer
Imagem: Felipe Pereira/UOL

12 horas no trânsito

Um cobertor foi colocado sobre o Uno para tapar as janelas. Miguel ganhou privacidade e uma barreira contra a claridade das lâmpadas.

Ele faz cinco sessões de radioterapia por semana - de segunda a sexta-feira. Mas a enchente tornou o caminho a casa e o hospital um suplício.

Miguel mora em Campo Bom, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre. Do portão de casa até a Santa Casa são exatos 49 quilômetros. Mas a cheia inundou ruas e estradas e os desvios triplicaram a distância para 150 quilômetros.

O paciente passava até 12 horas ao volante - 6 horas na ida, 6 horas na volta. O desconforto era maior porque nem sempre o corpo reagiu bem à radioterapia. Ele sentiu náuseas e sensação de cansaço.

Para piorar, era Miguel quem dirigia. Levar a mulher e a filha seria expor o restante da família a ficar ilhada ou morrer no trânsito caótico da região metropolitana.

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Miguel ao lado do Uno parado no estacionamento do hospital e que serviu de hotel durante uma semana
Imagem: Felipe Pereira/UOL

Abrigo especializado

Miguel se "mudou" na quarta da semana passada. Ficou quase uma semana no carro convertido para uma espécie de mini-motorhome. Nesta semana, veio um alívio.

Desde ontem, Miguel dorme em um abrigo especializado em pacientes em tratamento de câncer. Ele foi avisado sobre a estrutura pelas enfermeiras da Santa Casa e fez o cadastro.

Recebeu uma ligação duas horas depois de preencher um formulário na internet. A vida mudou de forma considerável - e para melhor desta vez. Ele dorme em um lugar com médico e residentes monitorando os pacientes.

As refeições são balanceadas e preparadas por orientação de nutricionistas. Cada pessoa que chega passa por entrevista para saber o cardápio mais adequado a seu organismo. Miguel não come vários alimentos porque tem diabetes.

Carros de voluntários levam os pacientes para o hospital. Na sequência do dia, Miguel pode relaxar. Ele diz que o conforto não se compara a ficar deitado dentro do Uno quase o dia inteiro.

Como amanhã é sexta, ele segue da radioterapia para Campo Bom. Vai matar a saudade da mulher e da filha.

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