Cinema: Personagens brasileiros são destaque na comédia românica americana "Música"
Em uma espécie de conto de fadas da vida real, o filme "Música", recém lançado pela plataforma Amazon Prime, é uma produção que mostra a vida de personagens brasileiros, um grupo de imigrantes latinos pouco presentes nas telas nos Estados Unidos.
Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York
O filme conta a história de um jovem que sofre de sinestesia, uma condição neurológica rara que faz com que todos os sentidos sejam percebidos ao mesmo tempo. Mas o pano de fundo da trama também é a realidade de parte da comunidade brasileira nos Estados Unidos, já que os personagens principais são imigrantes ou filhos de imigrantes oriundos do Brasil, algo raro no cinema americano.
"Música" é dirigido por Rudy Mancuso, que tem mãe brasileira e pai italiano. Além de dirigir o filme, ele interpreta o personagem principal e contracena com Camila Mendes, que também é filha de brasileiros. A atriz, que nasceu no estado americano da Virgínia, ficou conhecida do público por seu papel na série adolescente "Riverdale".
"Estávamos muito surpresos e confusos do porquê não há mais luz sobre a cultura brasileira nas produções mainstream", questiona o diretor.
Filme autobiográfico
O filme é autobiográfico e Camila conta que ao receber o roteiro ficou intrigada sobre como seria o processo para transformar em imagens toda a sensibilidade sonora presente na mente de Rudy. Mas logo após o primeiro encontro com o diretor, ela não teve dúvidas sobre a genialidade do projeto. "Não só preciso atuar nisso, como preciso produzir esse filme, porque eu me sinto tão inspirada por esse material, contando uma história brasileiro-americana", relembra Camila.
"Ela precisava ser a vizinha brasileiro-americana cheia de confiança em si mesma, uma antítese do Rudy, que é um personagem cheio de inseguranças. E a Camila satisfez todas essas coisas e muito mais", diz Rudy Mancuso sobre o perfil da atriz que faz seu par romântico no filme e é sua namorada na vida real.
"Eu me apaixonei pelo cinema através da música e depois comecei a produzir alguns vídeos. Sempre fantasiei, um dia, contar uma versão completa da minha história", conta Rudy, que compartilhava informações sobre sua condição neurológica nas redes sociais. E como uma paixão leva a outra, foi durante a produção do longa que ele se apaixonou por Camila, que também é co-produtora do projeto.
Apesar do título, o diretor diz que não se trata de um musical. O ritmo da edição, os planos-sequência, a teatralidade presente nas mudanças de cenário, com figurantes que se transformam bailarinos, lembram obras como "Birdman" (2014) e "La La Land" (2016). Porém, além de um ritmo de edição e montagem peculiar, provavelmente a grande novidade seja a apresentação da cultura brasileiro-americana em uma espécie de "West Side Story" regado por caipirinhas e acompanhado pela cadência dos tambores e a melodia doce do samba de Martinho da Vila.
A experiência de dirigir a própria mãe
Um dos personagens que rouba a cena é a mãe de Rudy, Maria Mancuso, que faz o papel dela mesma, e presenteia o público com as linhas mais divertidas da trama.
"As pequenas frases em português que ela usava eram muito engraçadas", diz Camila sobre as intervenções da personagem, a típica mãe brasileira, sempre preocupada se o filho comeu ou levou o casaquinho.
Sobre dirigir a própria mãe, o músico diz que foi agridoce recriar experiências vividas anteriormente. "Eu me senti como se minha mãe e eu tivéssemos experienciando um momento muito terapêutico com o filme", resume.
Por outro lado, Rudy confessa que percebeu rapidamente que não poderia realmente dirigir a mãe. "Eu tinha que ser filho dela. Então abandonamos o roteiro, abandonamos as páginas e passamos apenas a conversar enquanto as câmeras rodavam até que essa conversa atingisse o enredo", revela o artista.
Sinestesia
A hipersensibilidade aos sons cotidianos e a distração inconveniente sofrida pelo protagonista são também parte da vida de Rudy, que foi diagnosticado com sinestesia.
A condição neurológica, que faz com que o cérebro interprete de diferentes formas os sinais percebidos pelo sistema sensorial, foi percebida desde cedo pelo artista, mas somente identificada há poucos anos. "Quanto mais eu aprendia sobre isso, mais percebia que [era um] cenário incrível para uma história."
Essa espécie de confusão neurológica que desencadeia a percepção de vários sentidos de uma só vez não é considerada uma doença mental, e sim uma forma diferente que o cérebro tem de interpretar os sinais. Estima-se que entre 1% a 4% da população mundial tenha sinestesia.
"Houve obviamente uma mudança filosófica, um clique em algum momento de que em vez de fugir disso, eu precisava abraçar isso. Entendendo que é o que realmente me faz único", analisa.
E foi exatamente isso que Rudy fez, utilizando seus superpoderes sensoriais para escrever, produzir, dirigir e encenar uma comédia romântica Made in America, mas com um forte sotaque brasileiro.