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Do tamanho da Argentina, lago extinto leva USP ao Guinness pela 1ª vez

Área remanescente do Paratethys, na Bulgária - Divulgação/USP
Área remanescente do Paratethys, na Bulgária Imagem: Divulgação/USP
do UOL

Do UOL, em São Paulo

28/01/2024 04h00

A USP (Universidade de São Paulo) entrou na edição 2024 do Guinness, o livro dos recordes, com a descoberta de um lago do tamanho da Argentina, extinto há cerca de sete milhões de anos. O Paratethys se localizava no que hoje corresponde a partes da Europa e da Ásia. Os mares Cáspio, de Aral e Negro são lagos remanescentes do Paratethys. É a primeira vez que a USP é citada no Guinness.

O que aconteceu

Lago foi o maior que já existiu. Ele ocupava 2,8 milhões de quilômetros quadrados entre o que hoje corresponde às montanhas dos Alpes e o Cazaquistão.

Tinha dez vezes o volume de todos os lagos existentes hoje. Ao todo, continha 1,8 milhão de quilômetros cúbicos de água.

Perda de conexão da área com o oceano gerou lago há 11 milhões de anos. Para efeito de comparação, nossa espécie (homo sapiens) surgiu entre 400 mil e 100 mil anos atrás. Sem a ligação com o mar, espécies marinhas dali ficaram presas. As que desenvolveram características específicas para se adaptar ao novo ambiente sobreviveram. O nível de salinidade no lago era um terço do verificado em alto mar, e as águas eram salobras — ou seja, salgadas na área central e doces em zonas periféricas.

Local era habitat da menor baleia já identificada. Com três metros de comprimento, a Cetotherium riabinini se alimentava da lama rica em nutrientes do lago. Além dela, o Paratethys abrigava botos de água doce semelhantes aos da Amazônia de hoje. Nos arredores, vivia o deinotherium, um bisavô dos atuais elefantes, porém maior e com presas curvadas para baixo.

A análise de rochas e fósseis forneceu detalhes sobre o lago. Uma das técnicas usadas foi o paleomagnetismo, no qual a idade das rochas é calculada a partir dos sinais deixados pelas variações magnéticas dos polos da Terra ao longo dos anos, segundo o geólogo romeno Dan Palcu, da USP, que liderou o trabalho. Ele foi responsável pela conexão da USP com os pesquisadores europeus.

Causas do desaparecimento são mistério

Cetotherium riabinini e deinotherium habitavam o Paratethys - Divulgação/USP - Divulgação/USP
Cetotherium riabinini e deinotherium habitavam o Paratethys
Imagem: Divulgação/USP

Mudanças climáticas fizeram com que Paratethys perdesse até 70% da área que ocupava. Em alguns momentos, o lago chegou a ter apenas um terço do seu volume total de água. Depois dos períodos de seca extrema, as mudanças do clima trouxeram épocas de muita cheia, que levaram o lago a transbordar, de acordo com o estudo.

Transbordamento para Mar Mediterrâneo é hipótese mais provável para desaparecimento do Paratethys. O fenômeno teria ocorrido entre 6,7 e 6,9 milhões de anos atrás. Hoje, o Mar de Aral, o Mar Cáspio e o Mar Negro são lagos formados pelo que sobrou do Paratethys.

Nome está ligado à mitologia grega. Deusa das fontes de água, Tétis era esposa de Oceano, o deus dos rios. Na era mesozóica (entre 250 milhões e 65 milhões de anos atrás), Tétis era o mar que separava os continentes Laurásia (que deu origem a América do Norte, parte da Ásia e Europa) e Gondwana (que originou os demais continentes atuais). O Paratethys é o lago que surge da separação da parte do norte desse mar do restante das águas.

"O lago chegava a uma área hoje distante do oceano, mas a região é cheia de sinais de que um dia houve água ali", diz pesquisadora. Segundo Irina Patina, cientista do Instituto Geológico da Academia Russa de Ciências (que apoiou a USP no estudo), é comum encontrar conchas e restos de baleia na área, hoje montanhosa.

Estudo teve financiamento público

A pesquisa recebeu cerca de R$ 300 mil da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Em 2021, o trabalho teve resultados divulgados na Nature, uma das principais publicações científicas do planeta. Nos últimos três anos, a equipe do Guinness checou todos os dados do estudo para incluir a descoberta no Livro dos Recordes.

"Triunfo para a ciência brasileira", diz pesquisador sobre o trabalho. De acordo com Palcu, o estudo contribui para o entendimento de como o planeta funciona e pode ser útil em um cenário de mudanças climáticas. A expectativa dos cientistas é analisar as transformações sofridas pela Terra no passado para antecipar o que pode acontecer caso as atuais mudanças climáticas se acentuem ainda mais.

USP teve colaboração de quatro instituições internacionais. Participaram do trabalho a Academia Russa de Ciências, o Centro Senckenberg de Pesquisa em Biodiversidade e Clima (Alemanha), a Universidade de Bucareste (Romênia) e a Universidade de Utrecht (Holanda).

"Planeta azul" é o tema da edição 2024 do Livro dos Recordes. A publicação deste ano dá destaque aos oceanos da Terra, com suas criaturas e paisagens.

O que dizem os pesquisadores

Nosso trabalho é uma contribuição para a pesquisa sobre como funciona a Terra. As mudanças climáticas atuais são inéditas para a humanidade, mas já aconteceram no planeta outras vezes
Dan Palcu, geólogo da USP

Ter nosso estudo no Guinness é muito bom, porque ajuda na popularização das geociências. Uma descoberta como essa nos dias de hoje mostra que nosso planeta ainda tem muitos segredos e que há várias descobertas por fazer
Irina Patina, cientista do Instituto Geológico da Academia Russa de Ciências

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