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App 'surpresa', diretor na sala: secretário de SP repete polêmicas do PR

Renato Feder, secretário estadual da Educação de São Paulo - Divulgação
Renato Feder, secretário estadual da Educação de São Paulo Imagem: Divulgação
do UOL

Do UOL, em São Paulo

01/09/2023 04h00

À frente da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo há oito meses, Renato Feder tem repetido ações e programas polêmicos lançados na pasta do Paraná, que ele chefiou de janeiro de 2019 até novembro de 2022.

O que aconteceu

Material digital, determinação para diretores observarem a sala de aula e aplicativo instalado sem autorização dos professores. Essas foram algumas das medidas tomadas pela Secretaria da Educação paulista no último mês — e que também aconteceram nas escolas do Paraná.

O aumento da digitalização — e da pressão pelo uso das novas ferramentas — é outro ponto destacado por professores e especialistas sobre as gestões Feder. Ele é empresário do setor da tecnologia e já determinou o uso de ao menos sete aplicativos nas escolas estaduais de São Paulo desde o início do ano, conforme mostrou reportagem da Folha de S. Paulo.

No Paraná, hoje são oito plataformas "usadas como metodologia coadjuvante ao principal agente do processo de ensino: o docente", diz a pasta. Mais da metade delas foi implantada por Feder. Professores relatam cobrança e pressão para o uso das ferramentas — oficialmente, os dois estados afirmam que os aplicativos servem como apoio ao trabalho do professor.

Todos os novos recursos educacionais disponibilizados para a rede passam por uma avaliação criteriosa realizada pelas áreas técnicas e pedagógicas da Seduc, após todo processo de escuta com a rede.
Secretaria da Educação de São Paulo

Destaque-se que, somada ao ensino tradicional, a adoção de recursos tecnológicos de aprendizado resultou em significativa contribuição com o aumento dos níveis do desempenho acadêmico dos estudantes da rede estadual de ensino.
Secretaria da Educação do Paraná

Apresentação de slides no lugar de livro

A ideia de ofertar slides como material de aula dos professores já havia sido implementada no Paraná em 2020. Os docentes têm acesso a um banco de apresentações — a proposta seria uma alternativa ao livro didático.

Em São Paulo, Feder chegou a recusar os livros do MEC (Ministério da Educação) — o que desencandeou uma grande crise. Depois de ações na Justiça, críticas de especialistas e comentários do próprio governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o secretário voltou atrás e pediu adesão ao programa. Ainda assim, o estado manteve a oferta dos slides.

Os slides encaminhados às escolas apresentam falhas e são rasos, segundo avaliação de professores. No Paraná, um desses materiais diferenciava "mentalidade rica" e "pobre". Em São Paulo, houve erros como indicar que a capital tem praia e que Dom Pedro 2º, e não sua filha, a Princesa Isabel, assinou a Lei Áurea em 1888, colocando fim à escravidão.

A aula é uma grande TV, que passa os slides em PowerPoint, alunos com papel e caneta, anotando e fazendo exercícios. O livro tradicional, ele sai.
Renato Feder, secretário da Educação, antes de recuar sobre a recusa dos livros do MEC

Aula observada por diretor

Diretores devem assistir ao menos duas aulas por semana dos professores, determinou portaria do governo paulista publicada no fim do mês passado no Diário Oficial. O texto determina ainda que os gestores façam relatórios das práticas pedagógicas dos educadores.

No Paraná, a observação é responsabilidade dos chamados pedagogos desde outubro de 2019.

A crítica dos profissionais paulistas e paranaenses é a mesma: eles dizem que a medida é de vigilância e que há tensão quando o diretor está na sala.

Há uma vasta literatura sobre o processo de reflexão da prática do professor, de observar e debater como uma questão formativa. Mas isso deve acontecer após a construção de vínculo de confiança. Como não ocorreu dessa forma, cria-se um clima de desconfiança e vigia.
Anna Helena Altenfelder, presidente do conselho do Cenpec (entidade que atua na área da Educação pública)

Aplicativos no dia a dia

Redação Paulista, Tarefa SP e Aluno Presente são alguns dos aplicativos lançados até agora para a rede estadual paulista -- todos eles também foram implementados no Paraná com pequenas mudanças no nome.

Professores relataram que as ferramentas dão erro e que a direção é cobrada pelo uso. "Existe uma normatização de sindicância. Se menos de 85% dos professores e alunos de uma escola usarem o aplicativo, é aberto um procedimento para analisar", afirma Vanda.

70% dos professores da rede paranaense afirmam que adoeceram após a implementação dos apps, diz pesquisa do sindicato e do Instituto de Pesquisas de Opinião. Por isso, a categoria decidiu lançar uma campanha "Plataformas Zero" e ficar um dia sem usar qualquer ferramenta digital.

Como resposta, fontes ouvidas pela reportagem dizem que a secretaria lançou a "semana livre" — em que as escolas poderiam ficar por sete dias sem utilizar os aplicativos. A pasta não confirmou a relação entre a campanha dos professores e a nova medida.

No TikTok, um vídeo publicado pelo sindicato criticando o excesso de aplicativos recebeu comentários de alunos reclamando das plataformas. "Na escola do meu irmão, eles dão 30% de nota para os alunos só por usar a plataforma, não importa se ele aprendeu ou não".

O legado do Feder no Paraná é a desvalorização do professor e da escola pública. Ele veio com a visão empresarial e quis colocar isso dentro da rede.
Vanda do Pilar, secretária educacional do sindicato dos professores do Paraná

Aplicativo instalado sem aviso

Professores e alunos das redes públicas do Paraná e de São Paulo notaram a instalação de um aplicativo das secretarias da Educação em seus celulares — mas não houve autorização prévia. O caso gerou insegurança na comunidade escolar, que se sentiu intimidada.

No estado paulista, a justificativa foi que uma falha teria ocorrido durante teste feito pela área técnica da secretaria. No Paraná, a informação do governo era que o programa foi colocado em uma área errada no painel de administrador.

Especialistas consultados pelo UOL afirmam que o episódio pode ferir a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Falta de diálogo

Profissionais de ambos os estados ainda disseram ao UOL, em caráter reservado, que Feder não dialoga com a categoria. "As decisões são tomadas de forma impositiva. Não se analisa nada do ponto de vista educacional, mas apenas por números. Ele transformou escolas em empresas", diz um educador do Paraná, que está na rede há mais de 20 anos.

Ao UOL, a Secretaria da Educação de São Paulo afirmou que mantém dialogo permanente com a comunidade escolar. "Neste segundo semestre, diretores e supervisores das unidades escolares passaram a ser recebidos na sede da secretaria para debater diretamente com a direção da pasta sobre as demandas das respectivas escolas", diz.

Ferramentas digitais são usadas como "suporte ao processo educacional", diz a secretaria do Paraná. A pasta, entretanto, não respondeu objetivamente sobre o legado de Feder no estado.

São Paulo precisa de uma revisão urgente em sua política educacional. É preciso reestabelecer o clima de confiança, de trabalho cooperativo, coletivo, reconhecer os fazeres e saberes da rede. Toda e qualquer política precisa contar com as equipes e comunidades escolares.
Anna Helena Altenfelder

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