Bolívia registra violentos protestos após prisão de opositor
Camacho foi detido na quarta-feira na cidade de Santa Cruz e posteriormente transferido para La Paz, em uma questionada operação policial. Na manhã desta sexta, um juiz ordenou a prisão preventiva do opositor por quatro meses. Na audiência, Camacho afirmou que "nunca" vai desistir e que vai continuar "lutando" contra o que considerou um "abuso" do partido governante Movimento ao Socialismo (MAS).
O Ministério Público o acusa de crime de terrorismo pelos fatos registrados durante a crise de 2019 que levou à renúncia da presidência de Evo Morales, que posteriormente denunciou ter sido vítima de um "golpe de Estado", em meio a denúncias de fraude eleitoral a seu favor nas eleições fracassadas daquele ano.
Após a prisão de Camacho, uma greve geral foi convocada em Santa Cruz, maior região da Bolívia e motor econômico do país. Ruas desertas bloqueadas com pneus ou bandeiras e algumas poucas pessoas se deslocando a pé ou de bicicleta compuseram o cenário que prevaleceu na primeira metade da sexta no centro histórico da cidade de Santa Cruz.
Também houve vigílias nas portas de instituições estatais como o Tribunal Eleitoral Departamental e o escritório distrital da Direção Geral de Migração.
Algumas pessoas protestaram na porta da sede regional da Receita Federal com bandeiras e faixas com palavras de ordem como "A luta é de todos", "Basta de perseguição política", "Não foi golpe, foi fraude ". Por sua vez, o Palácio da Justiça em Santa Cruz acordou sob forte proteção policial após a destruição registrada no prédio na quarta-feira após a prisão de Camacho.
Em outras dependências foram relatados outros danos, como no prédio da estatal Companhia Nacional de Telecomunicações, que acordou com alguns vidros quebrados. Além da capital regional, a paralisação também atingiu várias províncias de Santa Cruz e houve bloqueios em estradas que ligam o departamento ao resto do país.
Confrontos entre polícia e manifestantes
A detenção do líder da oposição provocou ainda vários protestos no departamento de Santa Cruz, que exigem a libertação de Camacho. Em algumas das manifestações, foram registrados confrontos entre os manifestantes e a polícia, que respondeu com gás lacrimogêneo.
Os manifestantes jogaram fogos de artifício contra os agentes de segurança na cidade de Santa Cruz, considerada o reduto da oposição de direita no país. Os manifestantes tentaram ainda invadir o prédio do comando da polícia. Carros e pneus foram queimados na região.
A paralisação de 24 horas foi convocada a pedido da chamada "Assembléia de Cruceñidad", que reúne as principais entidades locais e organizações civis da região de Santa Cruz, após a prisão de Camacho, ferrenho opositor do presidente boliviano, Luis Arce.
Alguns comitês cívicos de outras regiões, como a andina Potosí, anunciaram que a partir da próxima semana iniciarão mobilizações em seus departamentos e também está agendado um encontro nacional dessas organizações em Santa Cruz para coordenar outras ações de protesto, segundo anunciou o presidente do Comitê Pro Santa Cruz, Rômulo Calvo.
ONU manifesta preocupação
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, manifestou nesta sexta-feira preocupação "com os recentes acontecimentos na Bolívia. Em comunicado, ele pediu calma e exortou todos os atores políticos e sociais para que "exerçam a máxima contenção".
Guterres enfatizou "a importância de respeitar o Estado de direito e garantir o devido processo e a transparência nos processos judiciais".
Líder oposicionista
O papel de Camacho como líder da oposição se consolidou em novembro, quando ele liderou a greve convocada para exigir ao governo de Arce, que antecipe um ano o censo populacional previsto para 2024. Em julho, o governo adiou a realização do censo, para entre maio e junho de 2024, sob argumentos da "qualidade" dos dados e a necessidade de "despolitizar" o processo.
Santa Cruz acredita estar sendo prejudicada por um censo populacional – usado para recalcular a repartição de lugares no Congresso e de recursos públicos – desatualizado. A última contagem foi realizada há mais de 10 anos.
Camacho liderou também os protestos de 2019 que forçaram o então presidente Evo Morales a deixar o poder. Morales tentava a quarta reeleição consecutiva.
Em junho, um tribunal boliviano condenou a ex-presidente Jeanine Añez a dez anos de prisão por ter organizado o golpe de 2019. Ela assumiu a presidência após a renúncia de Morales.
cn (Efe, Lusa, AFP)