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'Oi, quer tc?' Os primórdios do 'sexting' no lendário chat de sexo do UOL

Caco Neves/UOL
Imagem: Caco Neves/UOL
do UOL

Milly Lacombe e Mauricio Svartman

Colaboração para o TAB, de São Paulo

08/10/2022 04h01

As salas de Bate-Papo do UOL foram uma rede social antes das redes sociais. Elas nunca tiveram esse nome, mas proporcionavam exatamente o que proporcionam os aplicativos de hoje: conectar pessoas utilizando um cardápio de interesses em comum.

Logo no começo já havia as salas das lésbicas, dos gays, dos bissexuais, dos héteros. A tranquilidade de um codinome, de não precisar se associar a uma foto porque estávamos na pré-história da internet e mal havia câmeras nos computadores, fazia com que muitos enrustidos entrassem e, nas salas, se revelassem. As salas de bate-papo foram uma janela para a iniciação sexual de uma geração.

Talvez por isso, as salas foram mania nacional por mais de duas décadas.

Na década de 1990, as conversas ali podiam, ou não, acabar em encontros físicos. Como não existiam ainda as webcams, a prática do sexo verbal — o que hoje os jovens chamam de "sexting" — era bastante regular. "Brinco que não existia sexo oral, só existia sexo verbal", diz Malu L., 60, advogada de São Paulo e frequentadora de salas para lésbicas nos anos 1990 e 2000.

"A gente entrava e começava a conversar publicamente, com todo mundo que estava ali, tendo acesso ao conteúdo. Mas quando ia para o particular já rolava o 'vem cá, vamo aí' e se transava verbalmente sem muita enrolação."

Se para Renato Russo sexo verbal não fazia muito um estilo, para toda uma geração ele fez. Aqui pedimos uma pausa para sugerir uma trilha sonora para você escutar enquanto lê este texto: "Eu Sei", do Legião Urbana.

Diz a letra: "Sexo verbal não faz meu estilo; palavras são erros e os erros são seus. Não quero lembrar, eu erro também. Um dia pretendo tentar descobrir porque é mais forte quem sabe mentir. Não quero lembrar, eu minto também".

Renato Russo compôs "Eu Sei" nos anos 1980, quase uma década antes de a internet entrar em nossas vidas para nunca mais sair. A música narra um relacionamento que parece estar em crise e tenta buscar caminhos. Mas há quem acredite que a letra trata apenas de um encontro sexual que se dá por telefone, a tecnologia da paquera na época em que o Bate-Papo do UOL surgiu.

O bisavô das redes sociais

Lançado em abril de 1996, o Bate-Papo tinha 46 salas com capacidade para 20 pessoas cada. "Em questão de dias, as pessoas começaram a assinar loucamente o UOL para entrar no chat", lembra o jornalista paulistano Ricardo Fotios, 54, que foi editor responsável pelas salas.

Inicialmente, o espaço pretendia funcionar como um auditório, um ponto de encontro entre fãs e artistas — hoje isso não faz mais tanto sentido, pois há as redes sociais, mas no passado foi muito importante para conectar as pessoas.

Meses depois, surgiram as salas temáticas, entre elas as de sexo (seguro, selvagem, swing etc.). Tudo foi mudando muito rapidamente, crescendo de acordo com as demandas do público, conta Fotios: em junho de 1997, época da primeira Parada do Orgulho Gay de São Paulo, já tinha sala de sexo LGBT, por exemplo.

A campanha "VirtualSex" do UOL, elaborada pela agência DM9, foi premiada no Festival Internacional de Criatividade de Cannes, em 1999. Era uma campanha do bate-papo adulto, com plugues e tomadas representando relações sexuais diversas — plugue com tomada, plugue com plugue, tomada com tomada, suruba de fios.

O Bate-Papo era entretenimento, mas também era ferramenta de empoderamento, afirma o jornalista, que certa vez foi convidado a expor a trajetória do chat num congresso internacional na USP sobre internet e diversidade sexual.

"Imagine como era, três décadas atrás, para muitos meninos e meninas do interior do Brasil entender o que era o desejo que sentiam por pessoas do mesmo sexo sem ter ninguém com quem conversar. O chat foi fundamental para a compreensão desse desejo, sobretudo para pessoas fora do padrão cis hetero, que sempre foram tratados à margem, e que de repente entraram em uma sala e viram 'nossa, quanta gente como eu existe no Brasil'. Foi então um lugar onde viram que era possível fantasiar, paquerar, namorar."

Isso também ocorreu com outros grupos, como pessoas com deficiência física e idosos — os últimos, diz o ex-editor, faziam excursões e encontros presenciais marcados pelo Bate-Papo, alguns tinham até camiseta customizada tal qual uma comunidade. Em 2008, o UOL tinha 3.000 salas. Em 2015, eram 7.000, com mais de 2 milhões de visitantes por dia (52,9% deles na faixa de 18 a 34 anos).

"O Bate-Papo foi o bisavô das redes sociais", considera Fotios, que também foi editor de interação entre 2006 e 2020. "No tempo livre, também namorei muito no bate-papo, fiz amigos."

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Imagem: Caco Neves/UOL

Seduzir com palavras

Malu conta que, nas salas, você se conectava menos a uma imagem e mais a uma ideia porque, sem fotos e sem vídeos, as pessoas eram obrigadas a se puxar na conversa para erotizar o encontro.

Guilherme, 53, médico de Belo Horizonte, se considera um "early adopter" das salas de gays e de bissexuais. Ele começou a entrar assim que elas surgiram, e faz eco ao que diz Malu. "O começo era sempre um papo sem que você visse a pessoa. Isso poderia evoluir para trocar e-mail ou número de telefone, e aí sim podíamos mandar ou receber fotos."

Renato Russo já dizia: "Feche a porta do seu quarto / Porque se toca o telefone, pode ser alguém / Com quem você quer falar por horas e horas e horas".

Embora a conversa no particular fosse uma preliminar comum nessa época, a intenção sempre foi a de procurar parceiros sexuais, dizem Malu e Guilherme. "Em anos de salas, apesar dos muitos encontros sexuais, fiz um amigo apenas. A gente acabou não ficando, mas sim desenvolvendo uma amizade", conta ele.

Em outra ocasião, na sala dos bissexuais, conheceu um rapaz com quem teve uma história mais longa, "mas ele não conseguia se assumir bissexual, foram seis anos de idas e vindas, eu sofri muito e hoje não falo mais com ele", diz.

Malu e Guilherme consideram que há 20, 25 anos, havia nas salas uma inocência que as redes sociais atuais perderam. Guilherme hoje tem "muito pé atrás", mas na época era mais ingênuo.

"Claro que já havia golpes, mas eles não eram tão divulgados, não eram tantos. Não havia tantos perfis falsos, pessoas querendo te enganar, te atrair para emboscadas."

Sexo com amor

Tatiana S., 42, de Juiz de Fora (MG), concorda que havia menos falsidade nas salas do que hoje nas redes, mas nem isso a impediu de ser ludibriada por anos.

Tatiana, educadora física, usava o nickname "pretachic" na sala onde conheceu "Ronaldo", em 2012. "Conversamos, conversamos e conversamos. Naquela época não tinha WhatsApp. No telefone era mensagem de texto e só. Eu não queria encontrar, mas ele me convenceu e a gente saiu. Ficamos juntos e eu gostei", lembra. No dia seguinte, ela mandou mensagem de texto e ele não respondeu.

"Nunca tinha acontecido aquilo comigo e eu pensei: 'Que desgraçado'. Passou um tempo, entrei na sala de novo, e vi ele lá. Veio puxar conversa e eu pensei: lá vem esse cara chato. Teve um dia que não teve jeito e eu tive que falar: 'Você é o cara do Fox, né?' E ele: 'Ah, do carro você lembrou'. A gente conversou, saiu de novo, ficou uns dez anos juntos."

Parece apenas uma história de amor, mas "Ronaldo" escondeu seu segredo por um bom tempo: ele era casado.

Quando Tatiana soube, já estava envolvida. "Eu me apaixonei, acho até hoje que ele é o amor da minha vida, mas eu não sou o amor da vida dele e chega uma hora que a gente tem que parar de regar a planta morta."

Um dia, "Ronaldo" levou a família para Juiz de Fora. Foi o início do fim do relacionamento com Tatiana. Ela começou a sair com outros, engravidou em uma transa casual e contou a ele o que tinha acontecido. Ao saber que o filho não era dele, disse: "Esse filho vai ser meu, essa criança vai ter um pai".

"Mas perdi a gravidez e, outra vez, ele me surpreendeu. 'Agora acabou. Se a gente tinha alguma coisa, acabou. Não quero mais falar com você. Você me traiu'", conta. Nessa hora, o mundo de Tatiana desabou. "A gente terminou, ele seguiu me procurando de vez em quando, mas aí ele lembrava do que tinha acontecido e repetia: você me traiu, não quero mais. Até que uma hora eu finalmente cansei."

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Imagem: Caco Neves/UOL

Lembranças e histórias

Lucas R., 28, enfermeiro de Queimados (RJ), entrou nas salas por indicação de uma prima que disse a ele que era o melhor jeito de conhecer pessoas e marcar encontros.

Lucas superou o receio inicial e começou a se encontrar com outros rapazes num ponto de ônibus perto da casa dele. "Os caras vinham de carro e a gente ou ficava no carro mesmo, ou ia para a casa dele, ou ia pro motel", conta. "Foi o começo da minha vida sexual."

"Fiquei com muita gente legal. Hoje, entro menos, as pessoas deixaram o bate-papo pra ir para aplicativos, como o Tinder. Aqui onde moro tá mais difícil de conhecer as pessoas porque tem tantas opções de aplicativos que elas ficam confusas."

Malu começou a usar as salas quando tinha 27 anos. Lembra de estar com os hormônios bombando, mas de não querer ir para a rua. O chat era uma alternativa bastante conveniente, relata ela, porque ajudava a resolver o tesão de maneira saudável e tranquila, com risco zero.

"A diferença de hoje para o Tinder é que eu sinto que as pessoas estão mais a fim de um relacionamento, dificilmente querem coisas rápidas e sem compromisso. Eu mesma conheci uma namorada com quem fiquei sete maravilhosos anos no [aplicativo] Brenda. Acho que hoje as pessoas estão mais em busca do amor do que estavam naquela época."

E aí, Renato Russo, genial, acerta outra vez: "A noite acabou, talvez tenhamos que fugir sem você. Mas não, não vá agora, quero honras e promessas. Lembranças e histórias. Somos pássaro novo longe do ninho. Eu sei. Eu sei".

* Sobrenomes suprimidos para preservar a identidade dos entrevistados

Colaborou Juliana Sayuri

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