Com modelo 'sustentável', Brasil acelera na corrida do algodão
Em ambos os lados da estrada que cruza a cidade de Cristalina, no estado de Goiás, milhares de pequenos arbustos invadem a paisagem, interrompendo as sequências de soja e milho.
A lavoura, que de longe parece coberta de neve, faz parte de uma revolução silenciosa na agricultura brasileira: o avanço do algodão, uma das maiores cadeias produtivas do país que aposta em um modelo sustentável para atender consumidores cada vez mais exigentes.
O Brasil é o segundo maior exportador de algodão do mundo atrás dos Estados Unidos e também seu principal produtor sustentável, já que 84% possuem o selo internacional Better Cotton Initiative (BCI) que reconhece, entre outras coisas, a redução do uso de agrotóxicos.
"O público mudou e as pessoas não querem mais consumir produtos que não estão preocupados em respeitar os ciclos da natureza", disse à AFP Cristina Schetino, entomologista e professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em cultivo de algodão.
A indústria tenta melhorar a imagem do país no exterior, associada a práticas predatórias da natureza - especialmente na Amazônia -, desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência em 2019; e a do setor, com histórico de trabalho escravo e uso em grande escala de agrotóxicos.
Em 2005, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) iniciou a capacitação dos produtores e introduziu protocolos de boas práticas, como o uso eficiente de água e defensivos e a substituição gradual de agroquímicos por fertilizantes biológicos.
"É um processo de reeducação, a princípio o agricultor tende a buscar melhores resultados econômicos e lucratividade. Vencida essa etapa(...) o produtor está consciente de que produzindo algodão sustentável ele tem um mercado garantido", afirma Márcio Portocarreiro, diretor-executivo da Abrapa.
Em 2012, essas práticas deram origem ao protocolo Algodão Brasileiro Responsável (ABR), certificado complementar ao BCI.
- "Vendidos" -
A Fazenda Pamplona em Cristalina, a 130 quilômetros de Brasília, é uma das maiores do país e expoente da ABR. Com mais de 27 mil hectares plantados, a propriedade, operada pela empresa SLC Agrícola, parece uma pequena cidade no meio do campo.
Um espaço para festas, um parque com jogos para crianças, um campo de futebol e outro centro esportivo acompanham um setor de moradia para funcionários: uma forma de proporcionar conforto à mão de obra e se beneficiar da baixa rotatividade, explica Diego Goldschmidt, coordenador de produção de Pamplona.
Goldschmidt está de costas para dois enormes fardos de algodão, embalados e identificados com códigos QR que fornecem informações sobre a colheita.
"Já estão vendidos", comemora o coordenador da fazenda, que exporta 99% de sua produção, de mais de 600 mil toneladas em 2021. O algodão sustentável é vendido até 10% a mais que o algodão convencional do mercado.
"Além de estar fazendo o certo perante a sociedade, meio ambiente, você está agregando valor ao seu produto", explica Goldschmidt.
- Desafios -
Entre as práticas sustentáveis, os produtores estão recorrendo a drones para pulverizar agrotóxicos de forma mais eficiente e foi implantado um programa de rastreamento, em parceria com marcas brasileiras de roupas, que permite ao consumidor acompanhar desde a colheita no campo até a confecção da roupa.
Além disso, na última safra, 34% dos defensivos químicos foram substituídos por biológicos, segundo a Abrapa.
Apesar de ser chamado de sustentável, esse tipo de algodão não é 100% orgânico porque ainda é uma das culturas com maior uso de agroquímicos, mais que o dobro da soja por hectare.
Schetino cita a praga do bicudo, inseto que se alimenta dos botões do algodoeiro, e a falta de produtos biológicos para combatê-la, entre os motivos.
"Ainda depende-se muito de insumos sintéticos e vários deles são sim impactantes do ponto de vista ambiental", resume a professora.
- Uma meta ambiciosa -
No Brasil, são cultivados aproximadamente 1,6 milhão de hectares de algodão para uma produção de quase 2,4 milhões de toneladas na última safra. China, Vietnã, Paquistão e Turquia são os principais compradores desse material para a indústria têxtil.
Depois de ter multiplicado por 15 o volume de exportações nos últimos 20 anos, a Abrapa trabalha com a ambiciosa meta de tornar o Brasil o maior exportador em 2030.
Dessa forma, Goldschmidt confia que se o país "ainda não é bem visto" do ponto de vista ambiental, esse momento chegará.
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