Visita indesejada e indigesta: por que a China está furiosa com os EUA?
A viagem da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan tem gerado uma nova série de ameaças da China, que ficou furiosa com a notícia de que uma integrante do parlamento americano visitaria uma região que é palco de disputas históricas.
Pelosi desembarcou hoje em Taipé, capital de Taiwan, por volta das 23h (horário local), confirmando as expectativas mesmo após ameaças da China caso a viagem se concretizasse.
Autoridades chinesas disseram que as Forças Armadas do país não "ficariam só olhando" a democrata ir à ilha —o que gerou uma resposta da Casa Branca.
"Os EUA precisam respeitar o princípio da China Única, os três comunicados sino-americanos e manter a promessa de Joe Biden de não apoiar a independência de Taiwan", disse ontem um dos porta-vozes do Ministério das Relações Exteriores de Pequim, Zhao Lijian.
Hoje, outra porta-voz alertou que "os Estados Unidos carregarão a responsabilidade e pagarão o preço por minar a soberania e a segurança da China".
EUA reagem
Em resposta, a Casa Branca condenou o tom de ameaça: "Não há motivos para Pequim transformar uma visita potencial, consistente com uma política de longo prazo dos EUA, em algum tipo de crise ou conflito, ou usá-la como pretexto para aumentar exercícios militares agressivos em torno do Estreito de Taiwan", disse ontem John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional.
Ao pousar em Taiwan, Pelosi divulgou um comunicado afirmando que a solidariedade americana com o povo do país asiático é mais importante agora do que nunca. "O mundo enfrenta uma escolha entre autocracia e democracia", disse.
A visita de nossa delegação do Congresso a Taiwan honra o compromisso inabalável dos Estados Unidos em apoiar a vibrante democracia de Taiwan.
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA
A presença de Pelosi retoma questões geopolíticas antigas da região: a ilha é considerada pelos chineses como parte de seu território, e quaisquer demonstrações de "independência" por parte da administração local ou contato com outros países têm gerado alertas do governo de Xi Jinping há tempos.
Taiwan, um território em disputa
A China considera Taiwan uma província que ainda não conseguiu ser reunificada ao restante do seu território desde o fim da guerra civil chinesa. Pequim cita reiteradamente a possibilidade de recuperar o território, inclusive pela força se considerar necessário.
As relações de Taiwan com a China têm sido frias desde que a presidente Tsai Ing-wen chegou ao poder em 2016. Para ela, a ilha é uma nação soberana que não faz parte da China.
A presidente chegou a comparar a situação do país à vivida pela Ucrânia atualmente:
O compromisso do povo ucraniano com a proteção de sua liberdade e democracia, e sua corajosa dedicação à defesa de seu país, encontraram profunda empatia no povo de Taiwan, porque nós também estamos na linha de frente da batalha pela democracia.
Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan, à época do início da guerra na Ucrânia
Mesmo assim, a retórica chinesa é incisiva em relação à sua autoridade na ilha:
Se alguém se atrever a separar Taiwan da China, o exército chinês não hesitará em iniciar uma guerra, custe o que custar.
Porta-voz citando Wei Fenghe, ministro da Defesa da China, em junho
Na ocasião, o ministro chinês, após encontro com seu homólogo dos EUA, Lloyd Austin, também apontou que Pequim "esmagará" qualquer tentativa de independência da ilha e "defenderá resolutamente a unificação da pátria".
Tensão em conversa entre Biden e Xi
Na última semana, os presidentes da China e dos Estados Unidos tiveram uma conversa telefônica tensa, durante a qual Xi Jinping disse a Joe Biden que o governo americano não deveria "brincar com fogo" no que diz respeito a Taiwan.
Embora autoridades americanas de alto escalão visitem frequentemente Taiwan, a China considera a viagem de Pelosi, uma das principais personalidades do Estado, uma grande provocação.
Joe Biden já deu declarações contraditórias sobre Taiwan: em maio, disse que os Estados Unidos defenderiam a ilha e, mais tarde, a Casa Branca insistiu em que estava mantendo a chamada política de "ambiguidade estratégica" de reconhecer Pequim e não Taipé, mas respaldando o governo democrático de Taiwan e sendo opositor a uma mudança à força no status da ilha.
Pelosi é crítica ao governo chinês
A democrata Nancy Pelosi tem um histórico de críticas contra o governo chinês e apoiou os manifestantes pró-democracia em Hong Kong nos anos recentes.
Em 1991, ela esteve na Praça da Paz Celestial, local do massacre de 1989 em Pequim, com um pequeno cartaz que homenageava "aqueles que morreram pela democracia", dizia o texto. O movimento feito com outros dois parlamentares dos EUA durou pouco e foi interrompido pela polícia chinesa.
"Há 28 anos, nós viajamos à Praça da Paz Celestial para honrar a coragem e o sacrifício dos estudantes, trabalhadores e cidadãos que lutaram pela dignidade e direitos humanos que todos os povos merecem", escreveu a congressista em 2019, no aniversário do massacre, junto a um vídeo que mostra o protesto.
Desde a década de 1990, Pelosi foi contra propostas da China para sediar os Jogos Olímpicos e apoiou o boicote diplomático de Biden aos Jogos de Inverno deste ano.
Tensão se expande para os mares
A visita causou movimentação nos mares do Estreito de Taiwan hoje, tanto por parte da China quanto dos Estados Unidos.
O comando da parte do exército chinês que cobre operações no estreito de Taiwan lançou um vídeo de cerca de dois minutos, por meio do aplicativo WeChat, em que mostra exercícios militares e diz para todos "ficarem prontos e combaterem para enterrar cada inimigo que chegar".
Também foram anunciados dois novos ciclos de manobras militares no Mar da China meridional e no Mar Amarelo, no estreito de Bohai, também por conta da visita de Pelosi.
Segundo a mídia chinesa, haverá uma proibição de navegação total a partir do primeiro minuto desta terça-feira até o dia 6 de agosto. Os exercícios ocorrerão até o dia 7, durante todo o período de viagem de Pelosi pela região indo-pacífica.
Navios de guerra dos EUA
Já os EUA posicionaram quatro navios de guerra, incluindo um porta-aviões, em águas a leste de Taiwan, no que a Marinha dos EUA chamou de destacamentos de rotina.
O porta-aviões USS Ronald Reagan havia transitado pelo Mar do Sul da China e estava atualmente no Mar das Filipinas, ao leste de Taiwan e das Filipinas e ao sul do Japão, disse um oficial da Marinha dos Estados Unidos à Reuters.
O Reagan, baseado no Japão, está operando com um cruzador de mísseis guiados, USS Antietam, e um destróier, USS Higgins.
"Embora eles sejam capazes de responder a qualquer eventualidade, estas são implantações normais e rotineiras", disse o oficial, que falou sob a condição de anonimato.
*Com informações da AFP e Reuters.