Conversa privada do presidente do BC com o do BTG pode ser quebra de ética
É grave, em termos éticos e institucionais, se não houver uma boa explicação, a revelação de que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, consultou, privadamente, o banqueiro André Esteves, do banco BTG, sobre tema específico da política monetária - se a taxa básica de juros (taxa Selic) já tinha chegado no ponto mínimo. Presidente e diretores do BC devem manter distância institucional de instituições sob sua jurisdição reguladora, como é o caso do BTG.
A ligação telefônica de Campos Neto a Esteves, que teria ocorrido há mais de um ano, foi relatada pelo próprio Esteves em reunião fechada com investidores, na quinta-feira (21). O áudio da reunião foi obtido pelo site Brasil 247 e tem mais de uma hora de duração.
Nele, Esteves comenta diversos aspectos da conjuntura política e econômica, relatando também conversa privada com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), na própria quinta-feira, em que foram feitos comentários sobre as demissões de secretários especiais e secretários adjuntos do ministro da Economia, Paulo Guedes, em meio à crise com as propostas de furar a regra de controle fiscal do teto de gastos. Esteves relata ainda conversas com ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), em torno do tema da independência do Banco Central, que esteve em discussão na Corte, depois de aprovado no Congresso.
Segundo Esteves, o presidente do BC telefonou quando os juros estavam em 3,5%. "Roberto me ligou para perguntar: 'André, o que você está achando disso, onde você acha que está o lower bound?'", narrou o banqueiro. A taxa básica chegou a 3,75% ao ano em março de 2020 e desceu a 3% em maio.
Sobre o episódio, o BC divulgou nota oficial nos seguintes termos: "Como é prática nos bancos centrais e autoridades de supervisão no mundo, os membros da Diretoria Colegiada mantêm contatos institucionais periódicos com executivos de mercados regulados e não-regulados para monitorar temas prudenciais que possam ameaçar a estabilidade do sistema financeiro e/ou para colher visões sobre a conjuntura econômica". E conclui: "Esses contatos incluem dirigentes de instituições financeiras ou de pagamento e seguem normas legais e de conduta, com destaque para os períodos de silêncio e as regras de exposição pública".
É, de fato, prática rotineira de bancos centrais, inclusive do brasileiro, promover reuniões com dirigentes de instituições financeiras, para consultas e trocas de informações sobre a conjuntura econômica. Tais encontros, porém, são cercados de regras e protocolos, de amplo conhecimento público. São reuniões periódicas e registradas em agendas públicas.
Não está claro, contudo, se a conversa relatada pelo banqueiro Esteves ocorreu numa dessas reuniões coletivas e agendadas. Pelo teor do relato, o contato, telefônico, foi privado. Se confirmado, e sem uma explicação convincente - não essa genérica divulgada pelo BC -, configura um escândalo. Uma quebra evidente de procedimento, inclusive ético, passível de apuração e definição de responsabilidades. Ainda mais quando se tem em mente que o BC brasileiro ganhou, recentemente, independência legal e formal.
Desde que obteve mandato fixo de quatro anos, não coincidente com o do presidente da República, com direito a uma reeleição, Campos Neto tem tomado atitudes no mínimo polêmicas em relação à posição institucional que ocupa. No primeiro fim de semana de agosto, por exemplo, o presidente do BC se deixou fotografar, de bermudas e sem máscara, ao lado dos ministros Tarcisio de Freitas (Infraestrutura), Fabio Farias (Comunicações) e Ciro Nogueira (Casa Civil), em churrasco na residência deste último.
O mandato fixo do presidente e dos diretores do BC não impede a demissão, caso seja comprovado o cometimento de falta grave. A eventual denúncia, a investigação, o julgamento e a decisão são atribuições do Senado Federal.