O ministro da Economia, Paulo Guedes, está ameaçando com o caos no serviço público se a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios não for aprovada. De acordo com alertas de Guedes, salários de servidores e até a vacinação contra covid-19 poderiam ser suspensos sem a aprovação da proposta que adia, parcela e tira do teto de gastos os quase R$ 90 bilhões em dívidas definitivas, que a União perdeu na Justiça e que deveriam ser pagas no ano eleitoral de 2022.
Guedes tem uma queda pela dramatização das consequências advindas de resistências às suas propostas e é useiro em recorrer a chantagens nessas horas. Foi, assim, por exemplo, na tramitação da Reforma da Previdência e na da PEC Emergencial.
Na reforma da Previdência ameaçou pedir demissão, anunciando também que "seria o caos no serviço público, tanto no governo federal como nos Estados e municípios". Repetiu as mesmas ameaças e chantagens no caso da PEC Emergencial, tentando ainda vincular a adoção da segunda rodada do auxílio emergencial à aprovação da PEC.
O problema é que, agora, não haveria como deixar de cortar outras despesas obrigatórias - salários de servidores são despesas obrigatórias e despesas com vacinas, sem romper o teto de gastos ou driblá-lo, se o volume total de precatórios de 2022 tiver se pago integralmente. A situação lembra a da história do menino que fingia estar se afogando e, depois dos alarmes falsos, ninguém deu muita bola quando um dia o menino se afogou de fato.
Riscos de quebra das regras fiscais, com o calote na dívida com precatórios e pedalada fiscal com a transferência de obrigações para anos seguintes, por pressão do governo, desestabilizaram a confiança de empresários e profissionais do mercado financeiro no credo liberal de Guedes e em seu compromisso com o equilíbrio fiscal.
Passaram a desconfiar de que Guedes não tenha condições - e, pior, nem vontade - de conter as pressões do presidente Jair Bolsonaro para inflar gastos públicos, de olho na sua reeleição. Na equação que Guedes tem de resolver para as contas públicas em 2022, não basta, de fato, encontrar meios de encaixar os precatórios nas regras de controle fiscal - ou conseguir escapar delas.
Há também o desejo de Bolsonaro de turbinar programas sociais em ano de eleição. No quebra-cabeças que Guedes está com a missão de montar, há também a necessidade de encontrar espaço fiscal para, por exemplo, bancar o Auxílio Brasil, o novo Bolsa Família que o presidente quer chamar de seu.
O novo Bolsa Família foi enviado ao Congresso sob a forma de medida provisória. No longo conjunto de medidas e sub-programas previstos na MP, contudo, não há qualquer indicação de valor para os benefícios. A razão para a lacuna reside nas incertezas em relação ao espaço fiscal que conseguiria ser aberto para bancar o financiamento do programa.
A perspectiva de drible no teto de gastos, está na base das desconfianças dos apoiadores do governo entre empresários e mercado financeiro, em relação ao compromisso fiscal alardeado por Guedes. Pesam também no possível desembarque, a piora nas condições financeiras internas e a tendência de reversão nos estímulos vindos da economia internacional.
Surgiram, mais recentemente, até em razão da disseminação da variante Delta da covid-19, dúvidas sobre a amplitude da retomada da atividade econômica na economia global. Temores com a elevação da inflação, nos Estados Unidos, que poderia abreviar a política monetária expansionista, e indicações de freio na recuperação da economia chinesa, inverteram os sinais dos ativos, nos mercados emergentes.
Essa reversão dos sinais globais encontrou a economia doméstica num momento de fragilidade. Real desvalorizado, empurrando a inflação ainda mais para cima, e obrigando o Banco Central a intensificar altas na taxa básica de juros, resultaram na compreensão de que são concretas as barreiras ao crescimento em 2022. Previsões de que a economia avance pouco mais de 1% em 2022, depois da recuperação cíclica de 2021, vão se tornando maioria.
O ponto central do desgaste na relação da "Faria Lima" com o governo tem origem não so nas perspectivas futuras mais negativas para a economia. Influem também para isso as turbulências políticas promovidas pela escalada de manifestações autoritárias e antidemocráticas de Bolsonaro. Tendências econômicas ruins só podem piorar se o ambiente político estiver deteriorado.
Desconfianças, na linguagem dos mercados, se traduzem em curvas de ativos empinadas. É o que está acontecendo com as taxas futuras de juros e com os indicadores de risco-país.
Juros futuros de 10 anos estão sendo negociados, nesta semana, a 10,5%, o dobro da taxa negociada em setembro deste ano. E o CDS de cinco anos, para o Brasil, papel que reflete o "risco-país", na visão dos investidores internacionais, já subiu quase 20% desde o fim de junho, sendo que metade dessa alta foi registrada nos últimos 20 dias, depois de Guedes anunciar o "meteoro" dos precatórios, já se situando nas vizinhanças de 185 pontos.