Pressão das ruas pode fragilizar governo, mas é insuficiente para impeachment
As demais pautas orbitavam em torno de temas ligados à condução do enfrentamento à pandemia pelo governo, como a garantia de vacinas para todos e a volta do auxílio emergencial de R$ 600.
Foram marcados atos para quase 500 cidades, incluindo 17 outros países. Em comparação à primeira manifestação contra o presidente, realizada em 29 de maio, houve um expressivo aumento do número de cidades onde foram convocados protestos contra o governo Bolsonaro, duas vezes maior.
A capacidade de sustentação das mobilizações é um ponto destacado por cientistas políticos ouvidos pela DW Brasil, como o professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), João Feres.
"É difícil comparar números, mas eu diria que os atos vêm numa crescente. A pandemia representa um obstáculo para que as manifestações sejam mais massivas, mas não vejo uma tendência de arrefecimento", avalia.
A onda de protestos deste sábado foi a primeira após uma pesquisa do Datafolha indicar reprovação recorde de Bolsonaro. O governo enfrenta seu momento de maior fragilidade pelos desdobramentos da CPI da Pandemia no Senado, que apura indícios de corrupção na compra de vacinas e outras irregularidades na condução do enfrentamento à pandemia no Brasil.
No último dia 18, a CPI entrou de recesso junto com o Congresso Nacional, que vai até 31 de julho. Nesse ínterim, o presidente iniciou uma reforma ministerial para fortalecer sua aproximação com o Centrão, grupo de partidos que garante a sustentação política de Bolsonaro hoje. Para esse fim, o presidente convidou o senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do Progressistas e líder do bloco, para assumir o comando da Casa Civil.
Impeachment inviável
A movimentação de Bolsonaro visa blindá-lo contra a pressão pela abertura de um processo de impedimento. No final de junho, foi protocolado um "superpedido" de impeachment pela oposição, reunindo os argumentos apresentados nos outros 122 requerimentos feitos até então.
Apesar da pressão no parlamento e nas ruas, o cientista político Josué Medeiros, coordenador do Núcleo de Estudos Sobre a Democracia (Nudeb) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que não há agora condições políticas para a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro. Ele destaca, no entanto, que o cenário pode mudar.
"Ainda não há correlação de forças para o impeachment. A reforma ministerial com a ida do Ciro Nogueira para a Casa Civil reforça a blindagem que Bolsonaro já tem com Arthur Lira (PP) na Câmara. Ao mesmo tempo, sua rejeição recorde mostra que o jogo está aberto e que mais pressão das ruas e novos fatos produzidos pela CPI podem fragilizar ainda mais o governo", comenta.
João Feres vai na mesma direção. Ele destaca que o presidente cria problemas para si próprio, como pela suposta ameaça do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, às eleições caso não haja voto impresso, mas avalia que a aceitação de um pedido de impeachment hoje é inviável.
"A Câmara está no bolso do Bolsonaro, o Lira é aliado dele. Até segunda ordem, isso não vai virar. Embora existam novas tensões, não acredito que vá dar em nada", diz.
O professor do Iesp destaca que, nas últimas décadas, mobilizações de rua receberam apoio da mídia, e os movimentos pelo impeachment dos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff exerciam forte pressão sobre o Congresso e o Judiciário. No entanto, o cenário agora teria se modificado.
"Acho que Bolsonaro quebrou um pouco isso, pela conexão do poder que a mídia hegemônica no Brasil tem sobre esse tipo de agendamento. Não acho que o impacto vai ser tão forte assim", afirma.
Esquerda dá o tom
Assim como se observou nas mobilizações anteriores contra o presidente, os grupos políticos à esquerda foram a força-motriz dos protestos. As passeatas foram convocadas e organizadas por frentes partidárias e de movimentos sociais, como a Povo Sem Medo.
"O campo da direita e da centro-direita que faz oposição a Bolsonaro ainda não encontrou um caminho para expressar sua rejeição ao governo", afirma Josué Medeiros, da UFRJ.
Na onda de protestos anteriores, observada no dia 3 de julho, militantes do PSDB se juntaram à mobilização pela primeira vez, tendo participado do ato organizado em São Paulo. Na ocasião, foi registrada a agressão de integrantes do partido por militantes do Partido da Causa Operária (PCO).
O Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua, que surgiram no contexto da mobilização pelo impeachment da ex-presidente petista Dilma, optaram por não aderir aos protestos convocados pela esquerda.
Com posicionamento à direita, os grupos convocaram um protesto nacional pelo impeachment de Bolsonaro para o dia 12 de setembro. A iniciativa é apoiada por políticos ligados a partidos como o Novo e o Partido Social Liberal (PSL), sigla que abrigou o presidente entre a eleição e os primeiros meses de seu governo.
João Feres, do Iesp, afirma que a capacidade de mobilização dos partidos de direita observada na onda de protestos contra o governo Dilma foi um ponto fora da curva.
"Eles não têm uma estrutura e cultura de rua como a esquerda. Além disso, tiveram a mídia como catalisador das manifestações. Na ocasião, a direita não foi às ruas organizada por partidos, e sim movimentos como o MBL, hoje muito arrefecidos porque apoiaram o Bolsonaro e se arrependeram", argumenta.
Autor: João Pedro Soares