Expostos na rua desde 2020 e não merecemos vacina?, questionam garis
Trabalho externo, de segunda a sábado, com jornada de 8 horas na rua, percorrendo até 50 km por diferentes bairros e em contato com toneladas de lixo e centenas de pessoas. O dia a dia corrido e exposto do trabalhador da limpeza urbana fez com que a classe paralisasse os serviços em São Paulo por 24h ontem, até as 5h de hoje, para chamar atenção à falta de vacinação da categoria.
Com cerca de 17 mil trabalhadores, somando garis e motoristas dos caminhões na capital, a classe argumenta que é linha de frente e serviço essencial, mas, no PEI-SP (Programa Estadual de Imunização de São Paulo), não foi tratada como tal. O estado diz que ouviu as reivindicações, mas que faltam vacinas. A Prefeitura diz seguir o estado e o PNI (Programa Nacional de Imunização).
Não está sendo um ano nada fácil para ninguém, mas a gente tem esse agravante de estarmos desde 20 de março sem parar em momento algum, 24h, ininterruptamente. Por que ainda não fomos vacinados?"
André dos Santos Filho, presidente do Siemaco-SP
Segundo o Siemaco-SP (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo), já houve mais de 60 mortes na categoria, com quase 2 mil casos confirmados só na capital. Como no resto do país, a pandemia apertou mais neste ano, e só em maio houve cerca de 500 afastamentos (25% do total).
"No ano passado, quando todo mundo parou e nós não, os casos estavam um pouco melhores, não sofremos tanto. Mas agora está muito difícil. Temos notícia de colegas doentes a todo momento, apertou muito", conta Santos.
Entre os garis a sensação é de insegurança geral. Alguns dos funcionários ouvidos pelo UOL reclamam que as máscaras muitas vezes atrapalham o trabalho de quem está da rua e que nem sempre têm o material à disposição.
Eles têm esposa, filhos, sogra. Todos ficam com medo de não só se infectar como passar a doença para quem mais amam."
André dos Santos Filho
Além do medo, os afastamentos também oneram os colegas que continuam a trabalhar. Com menos funcionários em campo, sobra funções aos que não ficaram doentes.
"Um coletor corre de 20 a 30 km por dia, a gente estima. Tem que ser um jovem de 30 anos. Se ele fica doente, não é qualquer um que substitui. Por outro lado, com 30 anos, sem ser prioridade, ele só vai ser vacinado lá para setembro. Mais alguns meses...", reclama Santos.
"Não foi greve, foi protesto"
A indignação da categoria aumentou quando, em abril, os motoristas de ônibus também acusaram uma greve e em poucos dias foram incluídos no PEI.
"Nós respeitamos todas as categorias e cada um tem que lutar pelo seu, mas nós também somos linha de frente. Podem até achar que não, mas somos", declarou Santos. Ao todo, na capital, foram 47.700 motoristas e cobradores de ônibus. Os trabalhadores da limpeza e motoristas são 17.000.
A Prefeitura de São Paulo disse ter sido pega de surpresa com a paralisação ontem e acionou a Justiça, sob o argumento de que uma greve de um serviço essencial precisa ser avisado com 72 horas de antecedência. O sindicato argumenta que foi "um aviso, não uma greve".
"Não estamos fazendo greve, só queremos chamar a atenção da população ao nosso problema. Por isso a duração de 24 horas. Esperamos não ter que recorrer a greve, mas, se precisarmos, pode anotar que vamos avisar todo mundo", afirma Santos.
"Como o Doria se vestiu de gari, achamos que seríamos ouvidos"
Segundo o sindicato, diversos ofícios foram enviados à prefeitura, à Câmara Municipal e ao governo estadual desde dezembro. Mas só na segunda (7), após ameaça de greve, foram recebidos no Palácio dos Bandeirantes pela secretária de Desenvolvimento Econômico, Patrícia Ellen.
"Estamos muito chateados com o governador João Doria [PSDB]. Lembra quando ele assumiu a prefeitura de São Paulo [em 2017] e se vestiu de gari? A gente imaginava que seria melhor, que estaríamos com mais prioridade, que seríamos ouvidos. Estamos muito chateados com ele", afirmou Santos.
Ao UOL, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico disse que o PEI-SP "segue as diretrizes do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde para a definição dos públicos-alvo a serem imunizados" e que "mantém constante diálogo com todos os representantes de associações".
"A Secretaria Estadual da Saúde tem o compromisso de imunizar o maior número possível de pessoas, de acordo com estas diretrizes e sempre comunicando com transparência o cronograma a ser iniciado. No entanto, é fundamental que o Ministério da Saúde disponibilize mais vacinas para a ampliação da imunização e a inclusão de novos grupos", declarou o governo paulista.
Em entrevista ao UOL ontem, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que também segue a ordem de prioridade do estado e do PNI e culpou a lentidão falta de vacinas.
"No começo do ano, o Bruno Covas [prefeito morto no mês passado] fez uma carta de intenção para a compra de vacinas da Pfizer, Janssen e AstraZeneca, mas não temos comprado porque esses fabricantes querem vender para o Ministério da Saúde antes de vender para São Paulo. Se amanhã tiver vacina disponível, a gente compra", disse Nunes.