Reclamações contra aumentos nos planos de saúde disparam em 2021
Mesmo acostumados a reajustes acima da inflação, os clientes de planos de saúde não resistiram aos repasses em 2021 e decidiram reclamar. Dados a que o UOL teve acesso com exclusividade indicam que as reclamações a institutos de defesa do consumidor dispararam este ano.
O principal motivo, apontam as entidades, foi a aplicação em 2021 dos reajustes que ocorreriam no ano passado, mas que foram suspensos em razão da pandemia de covid-19. As operadoras discordam (leia mais abaixo).
A pedido do UOL, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), o Procon (Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor) São Paulo e o Instituto Reclame Aqui contabilizaram as reclamações recebidas nos quatro primeiros meses deste ano e as compararam com as queixas registradas no mesmo período do ano passado.
O levantamento do Idec aponta para aumento de 120% nas reclamações.
A mesma tendência foi notada pelo Reclame Aqui, que, no mesmo período, viu o número de reclamações saltar 130%.
Em São Paulo, o número de queixas subiu muito. O Procon informa aumento de 2.396% nesse intervalo de tempo.
Na ANS (Agência Nacional de Saúde), foram registradas 1.905 reclamações sobre reajuste entre janeiro e março de 2021, contra 876 no mesmo período do ano passado.
Advogado especializado em direito à saúde, Rafael Robba diz que seu escritório registrou 88% mais reclamações sobre o assunto no mesmo período analisado pelas entidades, "o maior volume de processos em quatro anos", diz.
Segundo Fernando Capez, diretor do Procon-SP, a entidade recebeu "questionamentos de consumidores com planos reajustados em mais de 100%, isso em meio à pandemia, quando houve uma acentuada perda de poder aquisitivo da população".
Em todos os casos, o volume de reclamações foi maior em janeiro, mas por quê?
Em razão da pandemia do novo coronavírus, a ANS suspendeu no ano passado o reajuste de 8,14% sobre os planos individuais e de 15% sobre os planos coletivos (que abarcam 81% dos usuários).
Ficou decidido que esse aumento —que valeria para setembro, outubro, novembro e dezembro— seria cobrado em 12 parcelas a partir de janeiro de 2021, mês em que o reajuste de 8,14% (planos individuais) e 15% (coletivos) também passou a valer.
Graças a isso, os clientes de planos de saúde devem se preparar para um aumento de até 35% nas mensalidades ao longo deste ano, segundo uma estimativa do UOL (entenda o cálculo abaixo).
"Esse parcelamento foi o motivo para o aumento de reclamações neste ano", diz Ana Carolina Navarrete, coordenadora de saúde do Idec. "A gente pediu na Justiça que essa recomposição só fosse autorizada depois que as operadoras demonstrassem os motivos, mas a Justiça negou."
A agência reguladora justifica em nota que o aumento autorizado por ela entre maio de 2020 a abril de 2021 bancaram "as despesas assistenciais de 2018 e 2019, período anterior à pandemia".
Diz ainda que não cabe a ela regular o reajuste dos planos coletivos com mais de 30 beneficiários, cujo preço é "definido em contrato e estabelecido a partir da relação comercial entre a empresa contratante e a operadora".
"Em todos os casos, a ANS monitora o cumprimento dos requisitos de transparência e fiscaliza os reajustes considerados indevidos mediante denúncia", diz.
Para a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que reúne os 16 maiores planos do país, "o número de ocorrências reportado representa parcela bastante diminuta do universo de 48 milhões de beneficiários da saúde suplementar no país".
São prematuras as conclusões que relacionam eventuais oscilações na quantidade de reclamações e insatisfações de beneficiários diante da recomposição dos preços das mensalidades dos planos de saúde, suspensa no ano passado, e aplicada no início deste ano.
FenaSaúde, em nota
Já a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) afirma que o reajuste em janeiro foi importante para o "equilíbrio" do setor, que teria enfrentado "os custos mais altos da sua história" nos quatro primeiros meses deste ano.
"Esse fato naturalmente gerou um aumento considerável nas reclamações nesse período", diz em nota que atribui o aumento das reclamações em São Paulo "à campanha realizada nas mídias sociais pelo Procon-SP".
Entenda o cálculo para os planos coletivos
Expectativa de aumento total em 2021: 35%
Por quê? A partir de janeiro, o usuário teve de pagar os 15% do reajuste médio suspenso em 2020. Também a partir de janeiro, ele começou a pagar a primeira das 12 parcelas do aumento que deixou de ser cobrado entre setembro e dezembro, um acréscimo equivalente a 5% ao mês sobre o valor pago em dezembro.
Acontece que os planos também estão reajustando a mensalidade neste ano, aumento que costuma ser acrescido ao boleto na data de aniversário de contratação do plano. O UOL considerou a repetição do reajuste médio de 2020 (15%), o mesmo de anos anteriores, segundo o Idec.
Um usuário de 34 anos —que pagava cerca e R$ 393 de plano em 2020, segundo tabela da ANS— chegará ao final de 2021 desembolsando aproximadamente R$ 530, acréscimo de R$ 137, ou 35%.
Entenda o cálculo para os planos individuais
Expectativa de aumento em 2021: 18,9%
Por quê? A partir de janeiro, o usuário teve de pagar os 8,14% do reajuste suspenso em 2020. Também a partir de janeiro, ele começou a pagar a primeira das 12 parcelas do aumento que deixou de ser cobrado entre setembro e dezembro, um acréscimo equivalente a 2,71% sobre o valor pago no ano passado.
Como os planos também reajustam a mensalidade de 2021 no aniversário de contratação do plano, o UOL considerou a repetição do reajuste de 2020 (8,14%), embora a média de aumento tenha sido de 9,9% nos últimos dez anos.
Um usuário de 34 anos —que pagava em média R$ 458 de plano no ano passado, segundo a ANS— chegará ao final de 2021 desembolsando aproximadamente R$ 544, acréscimo de R$ 86, ou 18,9%.
Procon quer cancelar aumento
Diante da alta nos primeiros meses, em março o Procon paulista se uniu à Procuradoria-Geral do Estado em uma Ação Civil Pública contra a ANS para que as operadoras de planos coletivos "não apliquem reajustes anuais abusivos".
O mérito da ação ainda não foi julgado, mas a ANS já apresentou sua contestação e o processo foi enviado pelo juiz ao Ministério Público Federal para manifestação, ainda sem data para acontecer.
"As operadoras estão agindo como se estivessem num território sem lei, como se pudessem fixar o reajuste que bem entendessem sem dar satisfação ao consumidor e sem demonstrar com transparência quais foram as despesas que justificaram tais aumentos", diz Capez, do Procon.
A Abramge rebate dizendo que a definição do índice de reajuste "é baseada em uma metodologia transparente, com critérios previamente definidos, justamente para manter o sistema de saúde sustentável e hígido, para a utilização do beneficiário hoje e futuramente".