Sob pandemia, ações de despejo em SP aumentam 79% em 2021
Em meio à pandemia de covid-19, o número de ações com pedido de despejo aumentou 79% no estado de São Paulo no primeiro trimestre de 2021.
Dados do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), obtidos pelo UOL via Lei de Acesso à Informação, mostram que foram registradas 8.417 ações só nos três primeiros meses do ano. No mesmo período no ano passado, foram 4.696.
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O número começou a crescer em dezembro de 2020, quando o TJ-SP passou a registrar mais de 2.000 ações desse tipo por mês. Se analisar desde janeiro de 2019, março deste ano foi período com mais pedidos de despejo: 3.432.
As principais motivações são falta de pagamento, tanto em imóveis residenciais quanto comerciais.
Há também os casos em que os imóveis são vendidos pelo proprietário, obrigando o inquilino a deixar o local.
Foi o que aconteceu com a psicóloga Ivone Duarte, 63. Ela e a sócia estão há quase três meses sem trabalhar após terem sido despejadas da clínica onde atuavam, na capital paulista, mesmo com o aluguel em dia.
O imóvel foi vendido para um empreendimento, e elas foram obrigadas a sair. Com toda a documentação e a dificuldade para encontrar outro local para a clínica em meio à pandemia, Ivone ficou no prejuízo.
Fiquei muito indignada. Eu provei que eu não saia de lá não porque eu não podia, mas por causa da dificuldade que é o meu negócio. Não adiantou, o juiz deu ordem de despejo. Como que despejam as pessoas sendo que o país está nessa situação caótica?.
Ivone Duarte, psicóloga
Segundo o advogado Antônio Carlos Morad, esses fatos não estão sendo levados em consideração. "Os proprietários não querem fazer reduções dos valores de locação. Preferem pagar as despesas do que locar os imóveis por um preço factível, de acordo com a realidade. Existe uma intransigência", diz ele.
"Em uma situação como essa, não se pode alegar que o contrato é imutável, porque não é. Em um momento desses, as coisas tem que ser definidas com outros padrões", completa.
Para Aluízio Marino, pesquisador do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), da USP, falta sensibilidade aos proprietários.
"Com a emergência sanitária e a necessidade das pessoas ficarem em casa, a questão dos despejos e das remoções ganhou mais destaque. E eles continuaram acontecendo durante a pandemia, no momento em que as pessoas precisam ficar em casa. É uma contradição muito grande", diz.
Remoções coletivas continuam
Além dos despejos, São Paulo também tem registrado remoções coletivas e ações de reintegração de posse durante a pandemia.
Segundo levantamento divulgado pelo LabCidade na segunda-feira (24), 354 famílias foram alvo de remoções na região metropolitana da capital no primeiro trimestre deste ano. Outras 8.463 estão ameaçadas de remoção.
No mesmo período do ano passado, o laboratório registrou apenas três remoções, em que 245 famílias perderam suas casas, além de 23 ameaças.
Irani Nunes de Arruda, 46, convive com o medo. Ela mora na Ocupação São Nicolau, na Vila Industrial, há 15 anos.
O local, onde vivem cerca de cem famílias, já foi alvo de ameaças de reintegração de posse em outras ocasiões, mas, nos últimos meses, os moradores voltaram a receber notificações para que deixem suas casas.
Irani recebeu a carta em janeiro. "As pessoas estão apavoradas. Eu investi tudo o que tinha na minha casa. Moro aqui desde 2009, mas tem gente que mora aqui há 30 anos, 35 anos", relata.
Eu fico desesperada, porque estou desempregada, tenho meus filhos. Me sinto um nada, não tenho nem palavras. Tem famílias aqui que são muito carentes, que não têm condição de pagar aluguel.
Irani Nunes de Arruda, moradora de ocupação
Margareth Uemura, coordenadora-executiva do Instituto Pólis e integrante da campanha Despejo Zero, critica as ações do Estado e do Judiciário durante a pandemia mesmo após as recomendações feitas pelos órgãos internacionais.
Em julho do ano passado, por exemplo, o relator da ONU (Organização das Nações Unidas) Balakrishnan Rajagopal pediu que o Brasil suspendesse todos os tipos de despejo enquanto durar a crise sanitária no país.
Uemura, no entanto, afirma que há uma ação incompleta do estado neste período. "Não temos suporte para que as pessoas fiquem em casa, não temos um ritmo de vacinação adequado e portanto o mais óbvio era que não tivesse nenhum tipo de ação de despejo, nem administrativa e nem do Judiciário."
A pesquisadora afirma ainda tem observado que muitas famílias ameaçadas de remoção não viviam na precariedade antes da pandemia, mas entraram na situação porque perderam o emprego ou a moradia. Assim, muitas acabam se mudando para ocupações e terrenos irregulares.
"O Estado deveria proteger essas famílias neste período. O que nos parece é que é uma ação muito mais para criminalizar os movimentos organizados, que estão justamente querendo proteger as famílias de não ficarem nas ruas", afirma ela.
Para Aluízio Marino, a política de moradia no Brasil tem que ser repensada, não só durante a crise sanitária. "A moradia tem que ser entendida como um direito e não como uma mercadoria. Moradia para todos é um direito constitucional que tinha que ser respeitado e não é", diz.
Projetos de lei tramitam no Congresso e na Alesp
No dia 18 de maio, foi aprovado na Câmara dos Deputados um projeto de lei que suspende despejos, desocupações ou remoções forçadas até 31 de dezembro devido à pandemia.
A proposta agora vai para o Senado. Se aprovada, valerá para imóveis públicos e privados, urbanos ou rurais. No caso das ocupações, a suspensão só vale para aquelas feitas antes de 31 de março de 2021.
O texto suspende a concessão de liminares para ações de despejo em imóveis urbanos, desde que o locatário justifique que tem dificuldades para pagar o aluguel devido à pandemia. A proposta, no entanto, só engloba contratos de aluguel de no máximo R$ 600 para imóvel residencial e R$ 1200 para imóvel comercial.
A Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) também aprovou, em 22 de abril, um projeto de lei que suspende despejos, remoções e reintegrações de posse durante a crise sanitária.
No entanto, os deputados ainda precisam votar um item da proposta. A votação estava marcada para o dia 19, mas os parlamentares não apareceram para a sessão. Se aprovado, o texto vai para sanção do governador João Doria (PSDB).