Em CPI, Pazuello omite informações sobre TrateCov e hidroxicloroquina
O general do Exército e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello omitiu hoje (20), em seu segundo dia de depoimento à CPI da Covid no Senado, detalhes sobre o lançamento de um aplicativo do governo federal que recomendava o uso de remédios sem eficácia comprovada para a covid-19 e sobre a destinação de hidroxicloroquina —um destes medicamentos ineficazes— pela pasta durante sua gestão. Ontem, o depoimento de Pazuello também foi repleto de omissões e distorções.
O aplicativo TrateCov teve seu lançamento divulgado por órgãos oficiais, e o Ministério da Saúde distribuiu centenas de milhares de comprimidos de hidroxicloroquina durante a gestão de Pazuello. O UOL Confere checou as principais declarações do general à CPI. Veja abaixo:
TrateCov foi lançado com destaque e liberado para médicos
(O TrateCov) foi roubado, hackeado, manipulado. Ele nunca foi utilizado por médico algum. (...) Ele foi retirado, ele foi descontinuado. (...) Ele foi iniciado e foi apresentado ainda não concluso.
Eduardo Pazuello em depoimento à CPI da Covid
Apesar da afirmação de Pazuello, o aplicativo TrateCov foi lançado em janeiro com destaque pelo governo e disponibilizado a médicos por quase uma semana. O Ministério da Saúde, a Casa Civil e a TV Brasil celebraram o lançamento em Manaus, como noticiou ontem (19) a colunista do UOL Cristina Tardáguila.
Segundo o próprio governo divulgou na época, "342 profissionais" já estavam "habilitados" a usar o TrateCov —ou seja, a plataforma entrou em operação. Não foi feita qualquer referência ao aplicativo não estar "concluso". Além disso, o acesso ficou liberado para qualquer pessoa por ao menos três dias.
Nem Pazuello nem o Ministério da Saúde jamais afirmaram antes, oficialmente, que o TrateCov foi "hackeado" ou "roubado", como disse o general à CPI. Quando o programa saiu do ar, o ministério divulgou nota indicando que o sistema tinha sido "invadido e ativado indevidamente", mas que a suspensão seria "momentânea".
O TrateCov recomendava o uso de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19, como a cloroquina e a ivermectina.
A plataforma foi criticada até mesmo por entidades nos últimos tempos mais alinhadas ao governo Bolsonaro, como o Conselho Federal de Medicina (CFM). O órgão solicitou ao Ministério da Saúde a "retirada imediata do ar" do aplicativo após concluir que ele não preservava adequadamente o sigilo das informações, permitia o preenchimento por profissionais não médicos, assegurava a validação científica a drogas sem esse reconhecimento internacional, induzia à automedicação e não deixava claro, em nenhum momento, a finalidade do uso dos dados preenchidos por médicos assistentes.
Saúde distribuiu milhares de comprimidos de hidroxicloroquina
Eu não comprei nenhum comprimido de hidroxicloroquina.
Eduardo Pazuello em depoimento à CPI da Covid
Embora o ex-ministro tenha dito que não comprou hidroxicloroquina, a plataforma oficial de distribuição de medicamentos do Ministério da Saúde afirma que foram entregues 609 mil doses do remédio a estados e municípios entre setembro de 2020 e abril de 2021. A distribuição está vinculada ao programa do ministério para a covid-19. Pazuello comandou o ministério durante quase todo esse período — ele deixou o cargo em meados de março.
Em 31 de maio de 2020, quando Pazuello já comandava a Saúde interinamente, o Itamaraty anunciou que o Brasil tinha recebido uma doação de 2 milhões de doses de hidroxicloroquina dos EUA.
O ápice da distribuição de hidroxicloroquina foi em setembro de 2020, quando foram distribuídos 287,5 mil comprimidos conforme os registros do Ministério da Saúde. A distribuição teve um segundo pico em janeiro de 2021, com 167 mil doses entregues. Deste total, 130 mil comprimidos foram destinados ao Amazonas e entregues no dia 15, em meio à crise de falta de oxigênio em Manaus.
Além da hidroxicloroquina, o Ministério da Saúde distribuiu 5,4 milhões de doses de cloroquina em 2020, outro medicamento sem eficácia comprovada contra a covid-19 e também vinculado ao programa da pasta para a doença.
Estudos provam eficácia de medidas de isolamento
As medidas de isolamento não são também, da mesma forma que outros medicamentos, outras ações, também não são cientificamente comprovadas.
Eduardo Pazuello em depoimento à CPI da Covid
Em junho do ano passado, dois artigos publicados na revista científica "Nature" (aqui e aqui) já apresentavam estimativas dos efeitos iniciais das medidas restritivas. Esta análise publicada pelo UOL em março deste ano cita vários outros estudos no mesmo sentido, inclusive um artigo brasileiro que mostrou resultados positivos de restrições impostas no estado de São Paulo.
Pazuello omite ofertas iniciais de vacinas da Pfizer
A primeira proposta oficial da Pfizer foi no dia 26 de agosto
Eduardo Pazuello em depoimento à CPI da Covid
De acordo com o executivo Carlos Murillo, presidente da Pfizer na América Latina, a primeira oferta de venda de vacinas com cronograma foi entregue ao Ministério da Saúde em 14 de agosto de 2020.
Além disso, outra oferta foi feita em 18 de agosto. No dia 26, data citada por Pazuello, ocorreu uma terceira oferta. Murillo depôs à CPI da Covid na semana passada e apresentou cartas enviadas ao governo com as propostas.
Ontem (19), em seu primeiro dia de depoimento, Pazuello foi questionado pelo relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), sobre a veracidade dos documentos entregues pela Pfizer. "São todos verdadeiros", afirmou o ex-ministro da Saúde.
CGU contradiz Pazuello sobre parecer para compra de vacinas
Nós assinamos o MOU (memorando de entendimento, na sigla em inglês, assinado com a Pfizer) contra as assessorias jurídicas da CGU e da AGU.
Eduardo Pazuello em depoimento à CPI da Covid
Diferentemente do que declarou o ex-ministro da Saúde, a Controladoria-Geral da União (CGU) só foi formalmente procurada pela Casa Civil para emitir parecer sobre o acordo para compra de vacinas da Pfizer e da Janssen em 22 de fevereiro de 2021, mais de dois meses depois da assinatura do memorando pelo Ministério da Saúde e a Pfizer. A nota técnica da CGU sobre o assunto, recomendando a sanção de projeto de lei antes das contratações, só foi emitida em 3 de março.
As alegações da CGU constam em resposta enviada ao Projeto Comprova, iniciativa que reúne jornalistas de diferentes veículos de comunicação dedicados a descobrir e investigar informações enganosas. O UOL faz parte do Comprova. A íntegra da mensagem da controladoria também foi publicada em abril pelo jornal "O Estado de S. Paulo".
Antes do memorando de entendimento com a Pfizer ser assinado, em 9 de dezembro, havia somente um parecer encaminhado no dia 3 daquele mês pelo advogado da União Jailor Capelossi Carneiro, que também é consultor jurídico do Ministério da Saúde, noticiou a CNN Brasil no mês passado.
Vacina da Pfizer não precisava de nova lei para ser comprada
Só que nós não podíamos comprar [a vacina da Pfizer] sem autorização da lei.
Eduardo Pazuello em depoimento à CPI da Covid
A lei nº 14.125, sancionada em 10 de março de 2021, ampliou a segurança jurídica para que o governo aceitasse as cláusulas do contrato da Pfizer para a compra de imunizantes. Isso não significa, no entanto, que não houvesse amparo legal anteriormente para que o negócio fosse fechado.
O principal ponto da nova lei é responsabilizar o Estado por efeitos adversos da vacina, algo que já era previsto na Constituição e em decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal). Mas, além disso, o Código Civil obriga a reparação de por parte da empresa no caso de danos.
Além disso, em janeiro o governo teve a oportunidade de agilizar a compra da vacina da Pfizer, quando da aprovação da MP 1.026/2021. Na primeira versão da MP, obtida pelo jornal "O Estado de S. Paulo" via Lei de Acesso à Informação, havia um artigo que autorizava a União a assumir a responsabilidade sobre efeitos adversos que os imunizantes pudessem apresentar. Além disso, o texto liberava a contratação de um seguro para cobrir os riscos que o governo assumiria. Tudo isso está previsto na lei 14.125, que foi sancionada dois meses depois. As medidas eram exigências da Pfizer para vender seu imunizante.