Cada vez mais incomodado com as suspeitas de que o governo teria comprado apoio de parlamentares por meio de emendas de relator, o presidente Jair Bolsonaro já autorizou que ministros e aliados no Congresso debatam o fim da chamada "RP9". A sigla - Resultado Primário do tipo 9 - significa que o relator do orçamento pode incluir bilhões em verbas no orçamento, mas os "padrinhos" são parlamentares cuja autoria não aparece na lei, apenas em ofícios trocados entre políticos e a Esplanada.
A avaliação é de que, nos dois anos em que o governo Bolsonaro foi o responsável pela elaboração do Orçamento, houve um salto muito elevado do valor das emendas do relator. Nas palavras de auxiliares do presidente, a experiência "está se mostrando complicada".
O desgaste em torno das emendas se intensificou após reportagens do jornal o Estado de S. Paulo, que afirmam que o governo teria montado um esquema de distribuição de verbas a aliados.
Nesta terça-feira, inclusive, a Câmara autorizou o convite para que ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho, explique a razão de sua pasta ser a campeã de emendas do relator.
No PLDO de 2022, enviada pelo governo ao Congresso em abril, não há a previsão de emendas do relator, o que, na visão de técnicos do governo, pode facilitar o debate com os parlamentares.
Apesar disso, o Executivo sabe que terá que abrir uma negociação com o Congresso, já que parlamentares passaram a se acostumar com "a novidade" de mais recursos para as emendas. "Vamos ter que modelar melhor esse mecanismo", diz um técnico do Executivo.
Segundo os técnicos do governo, o aumento expressivo das emendas do relator nos anos do governo Bolsonaro seria uma reação do Congresso por conta do teto de gastos. Porém, para três técnicos do Congresso ouvidos pelo UOL, um deles aliado do presidente da República, a medida pode ser "evidentemente tratada como um toma-lá-dá-cá".
Em 2019, o Congresso aprovou um valor de cerca de R$ 30 bilhões para emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento, que é o deputado ou o senador que, a cada ano, conduz a análise do Orçamento pelo Congresso. A verba seria repassada pelo relator a deputados e senadores alinhados.
Na ocasião, Bolsonaro vetou a medida, mas o Congresso derrubou o veto mediante acordo com o Planalto que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral, sob a rubrica orçamentária RP9.
Ministro nega assinatura do PL
O atual ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, que durante as negociações do Orçamento com o Congresso era o titular da Secretaria de Governo (Segov), negou à coluna que tenha assinado o Projeto de Lei que criou a RP9.
"Ministro não assina Projeto de Lei e eu não assinei. O que fiz foi assinar a exposição de motivos, que é um documento técnico, para garantir a melhoria na execução de convênios e contratos de repasse a estados e municípios", afirmou.
Ramos diz ainda que a atribuição de explicar as razões para a manutenção da RP9 nos orçamentos anteriores era da Segov, pois se tratava de uma relação federativa com estados e municípios. "Assinei um documento técnico para garantir a melhoria na execução de convênios e contratos de repasse a estados e municípios", diz.
Questionado sobre as acusações de que as emendas serviram para agradar apenas aliados do governo, o ministro rebateu: "As emendas foram distribuídas de forma republicana, até mesmo para oposição, de forma transparente", afirma.
Ramos nega a suposta compra de apoio para a eleição das presidências da Câmara e do Senado, na época das emendas. "Inclusive MDB e DEM, que estavam ligados ao Rodrigo Maia, também foram contemplados."
Problema antigo
Não será a primeira vez que mudanças nas emendas de relator são prometidas. No relatório da CPI dos Anões Orçamento, em 1993, foi proposto que apenas as emendas de bancada, comissão e partido fossem mantidas.
"As emendas de relator-geral foram, no período dos "anões do orçamento", um dos pilares do esquema de corrupção organizado por esses parlamentares", afirma o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Sérgio Praça, na análise "Corrupção e reforma institucional", publicada em 2011.
As emendas de relator deveriam servir apenas para ajustes técnicos. Mas a CPI em 1993 detectou que o então relator geral, Ricardo Fiúza (PFL-PE), alterou ou incluiu 398 emendas depois de a lei ter sido aprovada.
Após a CPI dos Anões, as emendas do relator foram mantidas, mas passaram a ser divulgadas. E houve um aceno aos demais colegas do Congresso.
"O uso da emenda de relator-geral foi alterado no período de 1995 a 2006, quando essas emendas passaram a atender demandas dispersas de parlamentares e bancadas estaduais", escreveu Sérgio Praça. "Em outras palavras, o relator-geral deixou de utilizar essas emendas para atingir objetivos próprios e passou a usá-las para equacionar as pressões inerentes a este poderoso cargo na Comissão Mista de Orçamento."
Em 2008, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o relator José Pimentel (PT-CE), usou uma emenda de relator para criar um "anexo de metas", que continha R$ 534 milhões em verbas extras. "Sem mais nem menos, temos um orçamento paralelo feito por alguns e aceito por outros", denunciou à época o então senador Pedro Simon (PMDB-RS).