Covid: empresa não pode obrigar vacinação, mas pode demitir quem se recusar
As empresas são obrigadas por lei a zelar pela saúde e segurança de seus empregados. Mas a determinação ganhou novo contorno com a pandemia: as companhias podem exigir dos funcionários que sejam vacinados contra a covid-19 ou até mesmo demitir quem se recusar a ser imunizado?
Há cerca de um ano essas perguntas dividem as opiniões de advogados e juristas, mas as dúvidas ficaram ainda mais evidentes nesta semana, quando saiu a notícia de que uma auxiliar de limpeza de um hospital infantil de São Caetano do Sul, no ABC paulista, foi demitida por justa causa após se recusar a tomar a vacina contra a covid-19.
"Existe muita controvérsia no meio jurídico e, definitivamente não há um consenso", resume o especialista em direito trabalhista Fábio Chong, do L.O. Baptista Advogados. "A empresa não pode amarrar o empregado na cadeira e fazer ele tomar a vacina à força", diz.
Falta consenso sobre o caso
Chong, por exemplo, se diz favorável à demissão por justa causa daqueles que rejeitarem a vacina. "Numa situação normal em que não há nenhuma justificava para a recusa, como uma explicação médica, entendo que a empresa pode demitir por justa causa, por que ela tem a obrigação constitucional de zelar pela saúde e segurança do seu empregado", diz.
Já Paulo Peressin, do Lefosse Advogados, afirma não haver aparato legal para o tipo de demissão mais agressiva. "A justa causa é a punição máxima dentro de um contexto do contrato de trabalho. Ela só acontece quando existe de fato uma ruptura total da confiança entre o empregador e o empregado. Por ser tão específica, é avaliada caso a caso. Eu entendo como muito complicado traçar uma regra dizendo que qualquer hipótese de recusa à vacinação pode ser enquadrada como falta grave", afirma.
Cláudia Abud, professora de direito da PUC-SP e sócia da Abud Marques Sociedade de Advogadas, reforça a ideia mais consensual existente no meio jurídico: as empresas devem conscientizar os funcionários sobre a importância da vacina para o bem coletivo.
Mas ela observa que a recusa ao imunizante pode ser interpretada como um risco à saúde de todos os empregados. Neste caso, o empregador pode desligar o funcionário como em qualquer outra situação. "Qualquer pessoa pode ser demitida sem justa causa, se recusar a vacinação. Essa dispensa não precisa de motivo [declarado] desde que a empresa pague indenização de 40% do FGTS, o aviso prévio e todas as verbas indenizatórias", observa.
Falta legislação
De acordo com Peressin, as empresas estão com dúvidas. Ele conta que um webinar organizado pelo seu escritório para discutir o tema da obrigatoriedade da vacinação reuniu cerca de 400 representantes de empresas.
O interesse aumentou depois que a Câmara dos Deputados autorizou a compra de vacinas pelas empresas - embora somente após todos os grupos prioritários sempre imunizados.
A confusão se instalou a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, em dezembro. A Corte definiu que a vacinação geral pode ser compulsória, mas não obrigatória. O STF também definiu que a imunização poder ser "implementada por meio de medidas indiretas" e indicou a "restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares" como punição.
No início do ano, o Ministério Público do Trabalho lançou em janeiro o "Guia Técnico Interno do MPT sobre Vacinação da COVID-19", no qual sugere o afastamento do trabalho de quem recusar ser vacinado. Isso abriu brecha para a possibilidade de demissão por justa causa.
Há pelo menos dois projetos de lei em discussão no Congresso para pacificar o imbróglio jurídico.
Profissionais da saúde podem ser obrigados
Os especialistas ouvidos pelo UOL concordaram que somente profissionais da saúde podem ser obrigados a tomar vacina, tendo em vista estarem na linha de frente no enfrentamento da pandemia.
A Lei 13.979/2020 obriga os empregadores garantir a integridade física e a vida dos profissionais de saúde durante a pandemia. Isso significa que a covid-19 pode vir a ser considerada doença adquirida no trabalho, o que permitiria tornar a vacinação obrigatória "sob pena de demissão por justa causa", segundo Peressin.
Foi o que decidiu nesta semana a 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul, no ABC paulista, ao confirmar a demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza de um hospital que se recusou a ser vacinada.