Juíza proíbe governo de fazer propaganda de kit-covid e tratamento precoce
A Justiça Federal em São Paulo proibiu na noite de ontem (29) que a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) do governo federal promova campanhas publicitárias defendendo tratamento precoce contra a covid-19 ou promova o uso de remédios sem comprovação científica contra a doença, o kit-covid. Procurado, o governo não se manifestou.
A liminar expedida pela juíza Ana Lucia Petri Betto também obriga a retratação pública dos quatro influenciadores contratados pelo governo para defender o "atendimento precoce" em suas redes sociais.
[Que] a SECOM se abstenha de patrocinar ações publicitárias, por qualquer meio que seja, que contenham referências, diretas ou indiretas, a medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19, especialmente com expressões como 'tratamento precoce' ou 'kit-covid' ou congêneres
Juíza Ana Lucia Petri Betto, em decisão
A decisão, à qual o UOL teve acesso, atendeu a uma Ação Civil Pública da educadora Luna Brandão contra a campanha publicitária "Cuidados Precoces Covid-19", com verba de R$ 19,9 milhões. Desse montante, R$ 85,9 mil foram destinados a 19 pessoas contratadas para divulgar a campanha, incluindo quatro influenciadores, que dividiram R$ 23 mil, conforme revelou a Agência Pública em março.
Sobre o tema, a juíza decidiu que "os influenciadores arrolados no polo passivo, no prazo de 48 horas da intimação, publiquem, em seus perfis oficiais, mensagem de esclarecimento, indicando que não endossam a utilização de medicamentos sem eficácia comprovada".
Na época, o governo orientou a ex-BBB Flávia Viana (2,5 milhões de seguidores) e os influenciadores João Zoli (747 mil), Jéssika Taynara (309 mil) e Pam Puertas (151 mil) a publicarem seis stories no Instagram afirmando ser "importante que você procure imediatamente um médico e solicite um atendimento precoce" caso sentisse sintomas de covid-19.
Governo defendeu "tratamento precoce", diz juíza
Como os influenciadores falavam em "atendimento precoce", a União se defendeu no processo dizendo "que jamais patrocinou qualquer campanha publicitária que incentivasse o apregoado 'tratamento precoce'".
A juíza respondeu que "o argumento não se sustenta" diante das "fartas menções governamentais ao chamado 'tratamento precoce'", como em uma publicação no Twitter citada por ela.
"Nota-se que a expressão utilizada —'Procure uma Unidade de Saúde e solicite o tratamento precoce'—, guarda quase que total identidade em relação àquelas dos roteiros entregues aos influenciadores:
- Procure um médico para o atendimento precoce;
- Procure um médico e solicite o atendimento precoce;
- Procure um médico imediatamente e solicite o atendimento precoce,
- #NãoEspere, procure um médico e solicite um atendimento precoce;
- É muito importante que você procure imediatamente um médico e solicite um atendimento precoce."
Nota-se que houve a mera substituição da palavra 'tratamento' para 'atendimento'
Juíza Ana Lucia Petri Betto, em decisão
Segundo a magistrada, as campanhas publicitárias do governo devem "ser pautadas" por "clareza e transparência" e que, portanto, "no mínimo, a ação publicitária com os influenciadores tem o potencial de induzir em erro".
Na ação, a juíza menciona ainda "prejuízos materiais ao erário" e "também aqueles imateriais, lesando a própria moralidade administrativa".
"Significado simbólico"
Advogado da autora, Roberto Piccelli afirmou ao UOL que "a decisão tem um significado simbólico". "Deixa claro que a Justiça não tolerará o uso de recursos públicos para produzir campanhas de desinformação em massa", diz.
Com a sentença, a União e os influenciadores têm 48 horas para se retratar. Já a devolução dos R$ 23 mil pagos aos influenciadores —outro pedido da ação— só será decidida na sentença, após a defesa tanto da União quanto dos influenciadores.
"Os réus terão que dar explicações sobre essa campanha custeada com recursos públicos", diz Piccelli. Caso a sentença condene à devolução da verba, ainda caberá recurso ao governo.