Congressistas descartam clima para ruptura democrática: "Mundo é outro"
Resumo da notícia
- Parlamentares afirmam descartar qualquer hipótese de que o cenário seja convertido em tentativa de golpe
- Representantes da oposição, do centrão e aliados de Bolsonaro dizem não ver ambiente favorável a guinada autoritária
- Para políticos, ação antidemocrática mais radical do presidente não contaria com apoio da população, da elite econômica e dos comandos militares
- "Um golpe não é um negócio em que sai um bando de amalucado armado", diz vice da Câmara
A possibilidade de uma guinada autoritária no país, especulada a partir de manifestações recentes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação à condução das Forças Armadas, tem sido observada pelo Congresso Nacional com pouca ou nenhuma convicção, segundo apurou o UOL.
Parlamentares ouvidos pela reportagem afirmam descartar qualquer hipótese de que o cenário atual, de recrudescimento do discurso de Bolsonaro e da intervenção do governo no meio militar, seja convertido em uma tentativa de golpe de Estado, como os que ocorreram em 1964 e 1937.
Representantes da oposição, do centrão — bloco informal de partidos que hoje compõe a base governista — e aliados de Bolsonaro dizem acreditar que não há ambiente favorável a tentativas de ruptura democrática, independentemente de espectro político.
Nos bastidores do Planalto, o clima também é de ceticismo, embora a queda do general Fernando Azevedo (Ministério da Defesa) tenha surpreendido interlocutores próximos ao presidente.
Em um de seus primeiros atos como novo chefe da pasta, o general Walter de Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, escreveu que o "movimento de 1964" é "parte da trajetória histórica" do país e, como tal, deve ser "compreendido e celebrado". A mensagem foi transmitida na Ordem do Dia, documento em alusão ao 57º aniversário do golpe militar (31 de março).
Líderes da oposição reconhecem que manifestações como essa ajudam a construir um ambiente de ameaças à estabilidade democrática, mas rechaçam a possibilidade concreta de golpe. Isso porque, mesmo que Bolsonaro eventualmente cogite alguma ação antidemocrática mais radical, ele não conta com o apoio maciço da população, da elite econômica brasileira e dos comandos militares, afirmam.
Para o líder da Minoria no Senado, Jean-Paul Prates (PT-RN), a viabilidade hoje de um golpe é "próxima de zero". "Confiamos nas Forças Armadas, na sua inteligência e no respeito que têm à Constituição, que executam todos os dias", afirmou, ao acrescentar que as críticas devem ser voltadas à conduta de Bolsonaro.
O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), considera que planejar um golpe é complexo e "não existem condições e elementos colocados" para ser concretizado.
Em sua avaliação, declarações que podem ser interpretadas nesse sentido feitas por Bolsonaro são para desviar o foco do agravamento da pandemia do coronavírus no país. Essa opinião é compartilhada por integrantes do centrão.
Para o líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), também não há ambiente nem circunstâncias concretas que permitam um golpe hoje, embora defenda que isso não deve diminuir a vigilância dos parlamentares e da sociedade.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), afirmou que o Parlamento cumpre seu papel ao manter um debate franco sobre o fortalecimento da democracia. "Confio muito que a democracia continua firme", disse.
O Congresso é uma Casa de debates alicerçada na democracia representada por várias correntes, vários estados, vários princípios. A gente tem um Poder Judiciário forte e um presidente da República que é, na história do Brasil, o com maior experiência de Parlamento: 28 anos"
Eduardo Gomes, senador pelo MDB e líder do governo no Congresso
Gomes diz não ver qualquer ameaça nas mudanças no Ministério da Defesa e nas Forças Armadas. Ele lembra que já houve questionamentos quanto ao perfil de titulares da Defesa em governos anteriores, como a participação de civis e políticos de correntes mais socialistas, sem nunca ter havido problemas graves.
O mundo é outro, diz vice da Câmara
O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), considera que, em 1964, o mundo estava dividido pela Guerra Fria e havia um cenário internacional que amparava ditaduras para se contrapor "ao fantasma do comunismo", com milhares de famílias saindo às ruas a favor do golpe.
Ele afirma que parte da mídia, de igrejas, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), de governadores e parlamentares também apoiaram uma mudança no regime, o que não acontece hoje.
Ramos afirma ainda que o Brasil, como um país dependente da exportação de commodities, não aguentaria "dois dias de embargos da União Europeia e dos Estados Unidos por ter rompido a ordem constitucional" se fosse instaurada uma ditadura.
Ou seja, não interessa para ninguém. O Bolsonaro vai dar um golpe? Ele e esses amalucados que andam com ele? Não existe isso. Um golpe não é um negócio em que sai um bando de amalucado armado, atirador, que vai tomar o poder. O mundo não é o mundo da Revolução Russa em que tomar o poder é tomar o palácio"
Marcelo Ramos, vice-presidente da Câmara, ao afirmar que o Brasil "não é Mianmar".
O ex-deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) também acredita que o "mundo é outro". Ele assumiu o primeiro de seus 11 mandatos em 1971, ainda na ditadura militar. Ficou no Congresso até 31 de janeiro de 2019, quando Jair Bolsonaro já estava no poder.
Teixeira disse que a maior crise do Brasil hoje não é a ameaça de um golpe, mas a pandemia do coronavírus, que mata mais de 2 mil pessoas por dia no país. Segundo ele, Jair Bolsonaro "já percebeu que não terá ambiente favorável a uma reeleição" em 2022 por causa de uma administração que o ex-deputado considera muito ruim.
Por isso, como Randolfe, avalia que o presidente busca mudar de assunto com arroubos autoritários.
Bolsonaro agrava as coisas para desviar as atenções porque é absolutamente dramático o que está sendo vivido"
Miro Teixeira, ex-deputado por 11 mandatos
Golpe levaria a reações fortes, avaliam professores
Analistas políticos entrevistados pelo UOL corroboraram a tese de que não há clima para que possíveis intentos antidemocráticos prosperem dentro do Congresso.
O professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Carlos Fico diz que não ver possibilidade de tentativa de golpe — e, ainda que acontecesse, a reação da sociedade, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal seria forte.
Para Fico, as declarações firmes dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), se somam às dos ministros do STF e às dos generais do Exército em defesa da Constituição.
Um golpe? Fechar o Supremo, o Congresso? Colocar tanques nas ruas e em Brasília? Esse é um cenário muito difícil"
Carlos Fico, professor da UFRJ
Seu colega na universidade, José Murilo de Carvalho diz que a posição de Bolsonaro e de seus seguidores é de "minoria" com "a ideia de ameaça comunista, claramente ridícula hoje". "O centrão não ajudaria um golpe: O centrão é fisiológico, não ideológico."
Congresso silenciou em 37 e agiu na contramão em 64
No passado, a reação do Congresso a golpes foi pequena. Em 1937, Getúlio Vargas adiava indefinidamente as eleições previstas na Constituição recém-criada. Naquele ano, o presidente fechou o Parlamento e não houve resposta. O Congresso ficou de portas fechadas por oito anos, até 1945. O golpe do Estado Novo é chamado de "silencioso".
Vargas fechou o Congresso e não houve reação de praticamente ninguém"
José Murilo de Carvalho, professor da UFRJ
Em 1964, a participação foi negativa, diz Fico. "O Congresso, de algum modo, participou do golpe, dando essa declaração de vacância."
Já Carvalho afirma que, apesar disso, houve grande debate político nacional, com participação de congressistas. "O presidente do Senado, Auro Andrade, mereceu do deputado Tancredo Neves o xingamento de canalha."