Vacina contra covid: Como é feita a entrega das doses aos municípios
A distribuição da vacina no Brasil não depende apenas da aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para chegar até o posto de saúde mais próximo. Os mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território nacional demandam organização e consenso entre União, governos estaduais e municípios para uma distribuição efetiva —incluindo aí transporte, armazenamento e a vacinação em si. O termo técnico para essa força-tarefa é capilarização.
Quem inicia o processo de distribuição, feito em três esferas diferentes, é o governo federal; cabe a ele elaborar o PNI (Plano Nacional de Imunização) e enviar as doses aos estados.
Cada estado define a entrega das vacinas aos municípios —a outra ponta do plano de imunização. São as prefeituras as responsáveis por definir como será a vacinação na cidade e quantas doses serão aplicadas diariamente.
Ao UOL, 22 das 27 unidades federativas falaram sobre o caminho adotado até que os imunizantes cheguem aos municípios, até a noite de ontem. Dezenove delas distribuem as vacinas a centros regionais, em pontos distintos do próprio estado, que assumem a logística de entrega às cidades.
Apenas três estados disseram que entregarão as doses diretamente aos municípios: Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Roraima.
Dimensões continentais
A sanitarista Bernadete Perez Coelho, da Faculdade de Medicina da UPFE (Universidade Federal de Pernambuco) e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), elogia o sistema de distribuição no Brasil, considerando as dimensões continentais.
Não existe no mundo um país com uma rede tão capilarizada com uma população tão grande. De fato, o Brasil é uma referência mundial em vacinação.
Bernadete Perez Coelho, médica sanitarista da UPFE e vice-presidente da Abrasco
Cerca de 6 milhões de doses da CoronaVac estão sendo distribuídas aos estados de acordo com a proporção populacional de cada região. Como são necessárias duas doses para imunizar uma pessoa, o primeiro lote de vacinas deve imunizar apenas 3 milhões de brasileiros —o equivalente a apenas 1,5% da população do país.
Apesar de considerar simbólica e importante a distribuição das primeiras doses da CoronaVac, Bernadete Coelho alerta que apenas uma parcela ínfima da população será imunizada nesta primeira etapa.
É pouco demais. Se pegar só a população prioritária, temos uma parte dos idosos, uma parte dos indígenas, uma parte que não vai chegar a um décimo dos profissionais de saúde, porque vão priorizar as UTIs.
Bernadete Perez Coelho, médica sanitarista da UPFE e vice-presidente da Abrasco
A primeira fase da vacinação mira:
- Profissionais de saúde
- Idosos com 75 anos ou mais
- Pessoas acima de 60 anos que vivem em casas de repouso e asilos
- População indígena aldeada em terras demarcadas
- Povos e comunidades tradicionais ribeirinhas
O UOL elaborou um mapa cruzando informações sobre os estados: doses enviadas, quantidade de municípios, polos regionais (se utilizados na distribuição) e a população total de cada estado de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
SP sai à frente, mas não divulga planejamento
O governo paulista deu o pontapé inicial da vacinação no país no domingo (17), logo depois da aprovação do uso emergencial pela Anvisa e afirma que imunizou mais de mil profissionais da área da saúde em dois dias. No interior, a vacinação teve início em apenas dois hospitais universitários.
Não houve ainda divulgação de um documento que mostre o plano de imunização estadual —a exemplo de outros estados, que publicaram quantas dosagens serão enviadas para cada cidade e para quais centros regionais as vacinas são enviadas antes de redistribuição para os municípios.
Em nota, o governo paulista afirmou que, nesta terça (19), deve enviar os insumos a polos regionais para redistribuir as vacinas para os municípios —mas sem divulgar quantos são os polos regionais do estado ou quantas cidades receberão os insumos.
Estratégias de divulgação da gestão João Doria (PSDB) sobre a vacina já foram criticadas por especialistas na área. A própria divulgação da eficácia da Coronavac, feita em parceria entre o laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantan, foi confusa; de início, foi anunciada eficácia de 78% para casos leves da covid-19, um recorte secundário das pesquisas. Depois, o Butantan esclareceu que a eficácia geral é de 50,38%.
"Desde o início, se tem algo que falta [ao governo paulista] é transparência, dados", observou o epidemiologista e professor da USP (Universidade de São Paulo) Paulo Lotufo.
O governo de São Paulo diz que houve transparência ao se falar sobre a vacina e diz que a CoronaVac foi o único imunizante no Brasil que deu "à imprensa oportunidades de indagações pormenorizadas sobre o estudo realizado". Na nota, ainda diz que tem o compromisso de "apresentar informações corretas, de forma oficial, ao maior número possível de pessoas".
Lotufo mencionou o recente painel compartilhado pela Anvisa sobre a situação das vacinas no país, com atualizações diárias a respeito das documentações enviadas por cada laboratório postulante para imunização. O painel foi divulgado em meio à queda de braço entre os governos federal e estadual a respeito da liberação de uso emergencial da vacina.
Achei inteligente o que a Anvisa fez nos últimos tempos: pegou o que era enviado da papelada e a cada atualização, mexiam no painel sobre a situação das vacinas. Ficou mal para o Butantan, porque em alguns momentos faltou, sim, informação.
Paulo Lotufo, médico epidemiologista e professor da USP
Em nota, o Butantan disse que, desde 9 de janeiro, quando foi notificado pela Anvisa sobre pendências na documentação, fez uma força-tarefa para apresentar os dados solicitados. "Toda a documentação foi entregue a tempo. O fato de a Anvisa ter solicitado mais informações, que foram prontamente atendidas pelo Butantan, não afetou o prazo previsto para autorização de uso do imunobiológico".
Rio centraliza distribuição e municípios recebem doses direto do governo estadual
A Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro declarou que enviará as doses diretamente aos municípios. Em uma planilha enviada ao UOL, a pasta aponta que as vacinas serão distribuídas de acordo com o percentual da população-alvo da primeira fase em cada cidade.
A capital Rio de Janeiro concentra quase metade das dosagens destinadas ao estado (231.840 doses). São Gonçalo (27.590) e Niterói (23.240) são outros dois municípios que mais recebem o imunizante. Já a cidade que receberá o CoronaVac em menor quantidade é Lage do Muriaé (140 doses), que tem cerca de 7,4 mil habitantes.
CE: Fortaleza alega estrutura para imunizar todo o grupo de risco
Prefeito de Fortaleza, Sarto Nogueira (PDT) afirmou em entrevista coletiva ontem que, caso a capital cearense recebesse doses para vacinar todo o grupo prioritário que integra a primeira fase do plano de vacinação, teria capacidade de vacinar 14 mil pessoas por dia.
"Fortaleza está com toda a sua equipe preparada, temos 79 equipes compostas cada uma por cinco pessoas. E temos uma outra equipe que faz a vacinação domiciliar, a exemplo do que aconteceu na pandemia de H1N1. Poderíamos ir até 2.100 residências", declarou ele durante o pronunciamento, veiculado em redes sociais.
No entanto, o estado do Ceará não divulgou no seu site oficial o plano estadual de vacinação e nem atendeu demandas do UOL sobre a distribuição das vacinas.
Se tivéssemos a vacina para a primeira fase, resolveríamos a vacinação para todos os grupos prioritários da primeira fase. Evidentemente, a parte que cabe ao Ceará, e também a Fortaleza, não atenderá, no primeiro momento, a todos.
Sarto Nogueira (PDT), prefeito de Fortaleza
A entrega das vacinas de acordo com as regiões
No Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação para a covid-19, o governo federal detalha que o país tem em torno de 38 mil postos de vacinação. A quantidade pode chegar a 50 mil em períodos de campanha.
Segundo o governo, são 273 Centrais Regionais de saúde e aproximadamente 3.342 Centrais Municipais voltadas para o atendimento das 27 unidades federativas e os 5.570 municípios do país.
A forma como os insumos serão transportados também depende da região de destino da vacina. Como os imunizantes saem de uma base aérea em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, as regiões Sudeste, Sul e Centro Oeste são abastecidas pelo meio terrestre.
Já a região Norte recebe os insumos por transporte aéreo. O Nordeste passa pelas duas entregas: parte das vacinas são enviadas a pontos-chave em aeronaves e, depois, transportadas pelo meio terrestre.
Insumos destinados a Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte são enviados até uma base aérea no Recife e, depois, distribuídos aos respectivos estados por terra.
As vacinas que cabem ao Piauí e ao Maranhão passam primeiro por uma base no Ceará, enquanto as doses de Sergipe chegam pela Bahia.
(Colaborou Nathan Lopes)