Congresso tem sido menos fiel a Bolsonaro durante pandemia, mostra estudo
Apesar da aproximação do centrão com o governo, o Congresso tem sido menos fiel ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a pandemia do coronavírus, mostra análise do Observatório do Legislativo Brasileiro.
Antes da pandemia, o apoio médio ao governo em votações nominais no Senado era de 74,7%, Na pandemia, baixou para 59,3%, segundo os pesquisadores do Observatório, que é ligado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Na Câmara, a média de apoio nessas votações caiu de 74,3% para 68,5%.
A análise considera como início da pandemia março deste ano, quando a crise sanitária se agravou no país e os parlamentares passaram a votar de forma remota após a suspensão de atividades presenciais.
O apoio ao governo no Senado cai de forma mais considerável a partir de junho e, na Câmara, a partir de abril. Os períodos coincidem com atritos entre Bolsonaro e o Legislativo e o Judiciário, com declarações do presidente que minimizavam a pandemia, idas e vindas das reformas administrativa e tributária e discordâncias em relação ao valor do auxílio emergencial.
No Senado, o percentual de votações em que a taxa de apoio ao governo foi inferior a 50% saltou de 4,5% nos meses pré-pandemia para 37,5% durante a pandemia. Nesse quesito, o impacto negativo para o Planalto na Câmara foi menos significativo: cresceu de 6% para 9,5%.
No Senado, por exemplo, houve uma redução no apoio ao governo nas bancadas de centro-direita, como PP, DEM, MDB, PSDB, PSD e Podemos.
A maior variação média foi no DEM, partido dos presidentes da Casa, Davi Alcolumbre (AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (RJ). Se antes da pandemia a taxa de apoio ficava no patamar dos 90%, caiu para cerca de 75% durante a crise sanitária.
Houve um crescimento no apoio médio ao governo pelo PT no Senado. Na avaliação dos especialistas, isso ocorreu provavelmente pelo patamar inicial de apoio já muito baixo. O Partido dos Trabalhadores continua a apresentar a menor taxa de governismo dentre as sete siglas observadas — não passa dos 37%.
Parlamentares se uniram mais a governadores
Para os cientistas políticos responsáveis pela análise, a pandemia deflagrou mais explicitamente um conflito entre Bolsonaro e governadores. Sobretudo no início da crise sanitária —enquanto o presidente minimizava riscos de transmissão do coronavírus e se dizia contra o isolamento social, governadores iam na direção contrária.
Essa disputa chegou ao Congresso —com destaque ao Senado, responsável por representar as unidades federativas—, e as Casas se mostraram mais sensíveis aos interesses dos estados. Quando a pandemia acabar, os cientistas políticos não descartam que o Senado volte ao padrão comportamental anterior.
Os números também mostram que a aproximação entre o governo federal e o centrão não resultou em uma adesão cega do Congresso à agenda do Planalto, dizem os pesquisadores.
Um dos principais pesos políticos no Congresso, o centrão hoje é composto pelo bloco PL, PP, PSD, Solidariedade e Avante, com PSL, Republicanos, PTB e Pros orbitando em torno da base do governo.
Bolsonaro intensificou a aproximação com o centrão em abril —com o objetivo de segurar pedidos de impeachment e aprovar matérias de interesse do governo em troca de emendas e cargos na administração pública.
Com base no resultado da análise, os pesquisadores ressaltam que a costura mais sólida para uma base aliada no Parlamento requer mais do que a distribuição de cargos na máquina pública.
Líderes do governo reagem
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), afirmou que o levantamento é correto, mas a análise é "errada", porque, na pandemia, "100% das decisões do Congresso são tomadas junto ao Executivo".
Já o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse que o apoio ao governo no Congresso "só aumentou" e que Bolsonaro "ganhou as votações importantes e até desgastantes". Para ele, a leitura da análise é matemática, não política.
"Para matérias relevantes, o governo conseguiu as votações. Inclusive, votações de autoridades, de embaixadores, código de trânsito. Votamos também a lei de falências, a questão do saneamento, que está faltando um veto, o Banco Central independente no Senado. As reformas administrativa e tributária vão avançar logo depois da eleição", disse.
Procurado pelo UOL por meio de sua assessoria, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), não se manifestou.
Metodologia
A análise para o Senado considerou janeiro de 2019 a setembro de 2020. No entanto, a média móvel do apoio foi contabilizada a partir de julho de 2019 por falta de votações suficientes anteriores para produzir o indicador. Para a Câmara, a análise foi de janeiro de 2019 a junho de 2020, com a média móvel a partir de abril de 2019.
No Senado, foram analisadas 153 votações nominais, das quais 54 foram utilizadas para medir o apoio ao governo. O restante foi descartado por ter sido votação consensual.
O apoio foi medido verificando-se a proporção de votos coincidentes com o do líder do governo no Senado pois não há registro sistematizado da orientação de lideranças na Casa. Na ausência de voto do líder, foram utilizados os votos dos vice-líderes como referência e, então, o do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), por ser filho do presidente.
Na Câmara, foram analisadas 472 votações nominais, das quais 336 foram utilizadas para a medição. As demais também foram descartadas por serem consensuais. O apoio foi medido por meio da proporção de votos semelhantes à orientação da liderança do governo.
Segundo os responsáveis pela análise, as votações consensuais foram retiradas da contabilidade final, porque, quando o tema não é polêmico e os parlamentares têm um grande acordo, não é possível medir a força do governo.