'Amazônia precisa ter polos tecnológicos', diz Abalberto Val
Luciana Dyniewicz e Cleide Silva
São Paulo
26/07/2020 16h12
Ele propõe a criação de institutos científico-tecnológicos e universidades para pesquisa, que, segundo cálculos de 2008, demandariam investimentos de R$ 30 bilhões em dez anos. Em valores atualizados, R$ 55 bilhões. "É importante capacitar e fixar pessoal na Amazônia", diz. A seguir, trechos da entrevista:
Existe no Brasil uma exploração sustentável da Amazônia como, por exemplo, fonte de soluções para a indústria?
Aqui, quando se trata de produção de larga escala, significa desmatamento. Criar boi ou plantar soja têm significado isso. Quando você desmata uma região como a Amazônia, não tem como falar em recuperação. Quando você queima uma floresta, você mata micro-organismos no solo que são responsáveis pela fertilidade que mantém a floresta em pé. Perdemos a galinha dos ovos de ouro. Depois de três anos (de exploração de soja ou cana), não se produz mais nada, porque aí é preciso um investimento alto em fertilizantes. Viva, a floresta tem resultados para inclusão social, geração de renda, saúde das populações em geral mais robustos do que ela cortada, gerando recursos para poucas populações.
A exploração sustentável hoje, então, é quase inexistente?
Tem alguns exemplos. Temos uma fazenda de criação de peixes que utiliza informações científicas para a produzir pirarucu. Há uma organização que produz látex para uso medicinal e em preservativos. Tem organizações usando material para cosméticos, como a Natura.
Quais os entraves para dar escala a essas produções?
É preciso decodificar o conjunto de informações que existe sobre a floresta e estimular a inclusão social. Uma política voltada para isso seria mais eficiente do que derrubar a floresta. Enquanto o investimento em ciência e tecnologia for limitado - o que não ocorre só nesse governo, mas há anos -, será muito difícil, porque dependeremos de pesquisas feitas em outros lugares. É importante capacitar e fixar pessoal na Amazônia. Ter polos tecnológicos em diferentes lugares da Amazônia, porque ela é diversa. Precisamos ter soberania de conhecimento sobre a região. O vasto conjunto da Amazônia que está no nosso território nos impõe isso. Precisamos conhecer o que está dentro dela, porque o que tem de potencial tem também de perigo: novos vírus e bactérias.
Qual o potencial econômico da exploração sustentável da Amazônia?
A maioria do que está escondido na floresta pode ter repercussão grande. Dou o exemplo de quatro cadeias produtivas que trabalhamos hoje: do pirarucu, do cacau, do açaí e da castanha do Brasil. Essas cadeias estão relativamente organizadas e têm uma produção significativa de recursos.
A descoberta, por exemplo, de insumos para a indústria farmacêutica por meio de investimento em pesquisa não poderia acarretar também em uma destruição futura da floresta?
Não acredito. A química moderna é avançada. A droga que descobrirmos na floresta pode ser sintetizada em laboratório muito rapidamente. Um outro exemplo: em São Paulo, se produz um peixe chamado tambaqui. Depois de algum tempo em que você produz esses animais em cativeiro, existe uma degradação da qualidade genética. Aí, é preciso voltar à natureza para inserir a variabilidade genética e recompor os estoques de cativeiro. No caso do tambaqui, a única região que tem essa espécie é a Amazônia.
Como vê as políticas do governo para exploração da floresta?
Não tem política. É a política do desmantelamento de tudo que foi construído para preservar o ambiente. Os investimentos em conhecimento da floresta foram reduzidos a nada.
Bioeconomia na Amazônia é tema de discussão
Não adianta o governo desenvolver uma política para a Amazônia se o setor privado não investir, afirma o presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), Rubens Barbosa. Para que isso ocorra, diz, é preciso ter segurança jurídica, regras claras, controle do desmatamento, das práticas ilegais, do contrabando, do tráfico de armas, da grilagem.
"Tudo isso é uma política que o governo tem de fazer, mas sem a participação da iniciativa privada fica difícil", diz Barbosa. Ele defende que as empresas descubram maneiras de produzir na região. Cita, por exemplo, a Natura, que utiliza produtos da floresta para fazer cosméticos, mas não tem fábrica lá.
Nesta segunda-feira, a revista Interesse Nacional, editada por Barbosa há 13 anos, trará sua primeira edição especial, com mais de 50 páginas com artigos voltados à bioeconomia e várias propostas já apresentadas ao governo. A publicação foi feita em parceria com o Instituto Escolhas.
O vice-presidente Hamilton Mourão, em um dos artigos, afirma que o "governo brasileiro retoma a formulação de uma política de Estado para a Amazônia Legal guiado pela convicção de que a economia e a sustentabilidade precisam avançar juntas". Segundo Mourão, que também é chefe do Conselho da Amazônia, a tríplice hélice entre governo, empresas e universidades poderá ser o motor de propulsão da bioeconomia e demais empreendimentos que visem à produção de bens e serviços a partir do uso responsável da biodiversidade amazônica.
Biodiversidade. Paulo Hartung, presidente da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) e ex-governador do Espírito Santo, cita em artigo que o Brasil, país com maior biodiversidade do mundo e com 66% de seu território coberto por mata nativa, "é uma mina de ouro para o desenvolvimento sustentável".
Segundo ele, "cabe a nós, sem levar a discussão para o lado ideológico, saber transformar essa potencialidade em oportunidades de gerar empregos, produtos de valor agregado, com origem ambientalmente correta, procedência e qualidade, que trarão divisas ao País e levarão renda a comunidades afastadas dos grandes centros".
O deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Bioeconomia, Alexis Fonteyne, reforça que a bioeconomia pode viabilizar o desenvolvimento sustentável, que alia o setor produtivo à preservação do meio ambiente.
Instituto defende plano de zoneamento ecológico para região
O coordenador do Portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Gustavo Pinheiro, afirma que o primordial para o desenvolvimento da Amazônia sem necessidade de derrubar a floresta é colocar em prática um plano de zoneamento econômico ecológico. O plano existe desde os anos 80 e já foi utilizado por alguns Estados, mas foi abandonado há 17 anos e está desatualizado.
O iCS prepara projeto a ser implementado com outras organizações para subsidiar o Fórum dos Governadores da Amazônia em relação à economia sustentável para a região. "A ideia é buscar a atualização do zoneamento econômico ecológico e montar políticas específicas que contribuam para o desenvolvimento das regiões, que têm diferentes vocações", diz.
As propostas passam por fazer bom uso das áreas que já foram convertidas para agricultura e pecuária e fazer concessões à exploração sustentável. "Isso tiraria a pressão da floresta, pois o desmatamento se dá porque o agricultor vai atrás de mais terra", diz Pinheiro.
Um dos objetivos é que essas atividades não cheguem ao meio da floresta, para não colocar em risco ativos da biodiversidade que podem dar origem a produtos da bioeconomia com altíssimo potencial para setores como plástico, cosmético, farmacêutico, bebidas e alimentos.
Um exemplo citado por Pinheiro é que, segundo estudos, o plantio de açaí no meio da floresta gera renda seis a 20 vezes maior que a da pecuária. A ideia também é agregar valor ao produto local. A maior parte do cacau colhido na região é exportada, enquanto a produção do chocolate poderia ser feita no País.
Liderança
Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), reforça que a economia verde é estratégica, "é a economia do futuro".
Para ele, o Brasil tem condições de desempenhar um papel importante nesse processo pelo tamanho de sua riqueza natural, pela sua competência tecnológica em desenvolver uma nova matriz energética menos poluente e pela sua biodiversidade. "O Brasil tem condições de liderar o processo de uma transformação verde no mundo e se beneficiar muito disso."
Na opinião do economista, ficar para trás nesse processo é abrir possibilidades de perder vantagens que o País tem hoje, como o do agronegócio. Segundo ele, a mudança que vem pela frente será profunda e duradoura e inclui um novo padrão de consumo, de produção e tecnológico que vai implicar novos desafios ambientais e sociais.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.