SP: só metade dos alunos acessa aula online; professores relatam sobrecarga
Resumo da notícia
- Metade do contingente de alunos da rede pública do estado de São Paulo não consegue acessar as aulas online
- Há ainda relatos de professores sobrecarregados e de evasão por parte de alunos da EJA (Escola de Jovens Adultos)
- Secretaria estadual informa que os alunos também têm a opção de assistir às aulas por dois canais da TV Cultura
- Secretaria municipal diz que material impresso, de apoio, tem sido distribuído aos jovens, para que não fiquem reféns das aulas virtuais
Desde o começo da quarentena decretada pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em março, crianças e adolescentes têm tido aulas em casa. Entretanto, cerca de metade do contingente de alunos da rede pública não consegue acessar as aulas online. Há ainda relatos de professores sobrecarregados e de evasão por parte de alunos da EJA (Escola de Jovens Adultos).
Em entrevista ao UOL, a presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Isabel Azevedo Noronha, afirma que menos da metade dos estudantes da rede pública têm acesso aos conteúdos disponibilizados no aplicativo online.
"De 3,7 milhões de alunos, somente 1,5 milhão consegue acessar as aulas. Isso cria desigualdade para quem já é desigual socialmente, ainda mais em meio a uma pandemia. Professores têm sido pressionados a colocar seus telefones pessoais à disposição dos alunos. E eu tenho ouvido de muitos deles que estão dormindo e acordando com notificação dos alunos no WhatsApp."
O dado é confirmado pelo subsecretário de articulação da Seduc-SP (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo), Henrique Pimentel Filho, que ressalta que o número citado pela sindicalista é referente aos acessos ao aplicativo "centro de mídias", onde ficam as videoaulas.
No entanto, ele explica, as aulas são transmitidas, também, por dois canais disponibilizados pela TV Cultura. "A gente não tem como saber quantos estudantes acompanham as aulas pela TV", pontua.
Segundo a Secretaria Municipal de Educação, um material impresso, de apoio, tem sido distribuído aos jovens, para que não fiquem reféns das aulas virtuais. A pasta afirma que "já foram entregues mais de 1 milhão de materiais impressos via Correios nas casas dos estudantes. O material atende, assim, famílias que não têm como disponibilizar computadores, celulares e acesso à internet".
O sindicato tenta recorrer da decisão judicial que garante apenas aulas online durante a pandemia da covid-19. A entidade informa que, até o fim desta semana, vai apresentar um projeto de interação via televisão e rádio.
Professores sobrecarregados
"Para dar uma aula de 20 minutos, eu gasto, no mínimo, três horas montando o arquivo e gravando o vídeo", conta a professora Giovanna, de 29 anos. Ela diz que esse processo de aprendizado é, além de "confuso e excludente", exaustivo e a pressão para que criem aulas inovadoras só aumenta.
Professora de duas escolas privadas na região metropolitana de São Paulo, Giovanna conta ao UOL que sua vida pessoal "não existe mais". Relata ainda que as duas instituições em que trabalha reduziram o salário em 50% — em uma delas, o valor referente a abril ainda não foi pago.
"Ao mesmo tempo, a gente tem trabalhado absurdamente. Precisamos criar videoaulas mirabolantes sem nenhum recurso. Gravo pelo meu celular mesmo, mas a escola chegou a exigir um 'fundo bonito' e silêncio total. Eu tenho um filho, minha casa é pequena e a rua em que moro é barulhenta. É impossível conseguir isso."
Segundo a professora, as escolas têm ameaçado demitir funcionários caso pais comecem a cancelar as matrículas dos filhos.
Silvia Barbara, diretora do SindPro-SP (Sindicato dos Professores de São Paulo), entidade que representa os professores de escolas privadas, explica que "os professores da educação básica estão estáveis até 4 de junho e só poderão ser demitidos a partir dessa data. Quando ocorrem demissões pontuais, o sindicato notifica a escola para que seja anulada".
A redução de salário durante a pandemia está prevista na Medida Provisória 936. O trabalhador de qualquer categoria faz acordo com a empresa e pode ter o salário reduzido em 25%, 50% ou 70%. O funcionário, nesses casos, tem a renda complementada pelo governo — que é paga 30 dias após o acordo. "O problema é que cada escola fez o acordo em uma data, então a gente fica de mãos atadas", explica Silvia.
Tecnologia excludente
Segundo Maria, 31 anos, docente da rede estadual, os professores não apenas precisaram inovar na metodologia, mas correr atrás de equipamentos tecnológicos para criar as aulas.
"Meu computador estava quebrado e meu celular é velho, limitado para que eu consiga construir atividades. Colegas precisaram, às pressas, comprar novos celulares. Eu pedi o computador de uma amiga emprestado e me viro como dá", revela.
Maria conta que tem pedido aos estudantes que enviem fotos das atividades propostas por ela pelo WhatsApp.
"Não adianta entregar um monte de material, o estudante não sabe o que fazer com isso. Recebi, num domingo de madrugada, uma mensagem de um aluno dizendo 'professora, me ajuda, pelo amor de Deus. Eu não sei o que é para fazer'. E ele não se referia à minha matéria. Disse 'não consigo falar com meus professores, não sei onde estão os exercícios'. Nem todo professor responde o WhatsApp, e eu entendo, as pessoas têm suas vidas", diz.
Educação de Jovens Adultos sofre com evasão
Relatos de evasão por parte de alunos da EJA (Escola de Jovens Adultos) têm sido feitos a professores com frequência, segundo a docente Nathália, 44.
Ela leciona em uma escola municipal que tem quase 200 alunos — desses, apenas dez conseguem acessar com frequência o sistema online. "Minha turma é de adultos em processo de alfabetização. Tento dar aulas a eles por áudio de WhatsApp, porque, como ainda não sabem ler e escrever, não conseguem acessar o portal nem ler as lições", afirma.
"Hoje, em especial, estou bem revoltada. Fui falar com uma aluna, e ela me disse que não conseguiria fazer a lição que passei porque apanhou do marido, está com o braço quebrado e estava indo ao dentista, já que ele quebrou dois dentes dela. É muito injusto querer que uma pessoa que passa por isso tenha condições de estudar virtualmente", completa.
Nathália relata que nem todos os alunos receberam as apostilas de apoio. Professores ouvidos pela reportagem compartilharam algumas mensagens de áudio enviadas por alunos da EJA.
"Só vou conseguir fazer a lição amanhã, porque já usei 100% da minha internet hoje. Amanhã eu faço."
"Não sei se vou conseguir pegar matéria pelo celular. Meu celular está muito ruim, memória cheia. Acho que vou ter que continuar no segundo semestre, mesmo, porque esse eu já perdi."
"Aqui a internet é muito fraca, fica falhando. Estudar em casa está muito difícil."
O que dizem prefeitura e governo
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo informa, em nota, que "os envios de materiais que não forem finalizados pelo Correio serão entregues nas escolas e as famílias serão comunicadas. Após o retorno das aulas presenciais, uma nova avaliação será feita a fim de definir novas estratégias para que os alunos se mantenham no mesmo patamar".
Já o subsecretário de articulação da Seduc-SP, Pimentel Filho, diz que "o professor tem que acompanhar e orientar os estudantes durante o período de aula regular. Pedimos que o docente dedique períodos de tempo de trabalho coletivo e livres para acompanhar as aulas dos alunos e fazer cursos de formação à distância".
Segundo o representante do governo estadual, os professores responsáveis pelas disciplinas online são levados para um estúdio para as gravações. Eles criam um plano de aula que é apresentado à secretaria e, depois, gravado.