Calor, esgoto e medo: ficar em casa é desafio em favela marcada por miséria
Resumo da notícia
- Reportagem do UOL acompanhou a rotina de moradores da favela Sururu de Capote, na periferia de Maceió
- Eles dizem que não conseguem ficar dentro de casa, devido ao calor e porque precisam sair atrás de comida
- Na favela, não há saneamento básico. A área não tem posto de saúde e está sob controle de traficantes
- Arquiteto diz que esses são empecilhos para o isolamento social, recomendado pelo Ministério da Saúde no combate ao coronavírus
No barraco onde vive o desempregado Edson José da Silva, 48, o sofá fica do lado de fora. E a escolha não é só pelo calor infernal que faz na periferia de Maceió, na favela Sururu de Capote. Simplesmente o móvel não cabe dentro da moradia.
"Rapaz, não tem como ficar em casa, não. Primeiro porque a gente tem de ir atrás da comida, batalhar por alguma coisa. E aí dentro é muito pequeno, quente, não tem água. Ficar isolado? Dá não, tem de pegar um ar aqui fora", diz.
Quando a reportagem do UOL chegou à comunidade, ele bebia cachaça junto a outros dois moradores da favela. "Contra ela [covid-19], só tomando cachaça! Quero ver pegar. Pega, não", diz, aos risos. Edson conta que, para não passar fome, recebeu uma cesta básica. "Além disso, estou me virando pegando peixe e sururu na lagoa."
Na favela, não há saneamento básico, e as moradias são todas inadequadas — muitas vezes montadas com lona e madeira velha. Lá é improvável achar alguém dentro de casa durante o dia.
Medo do coronavírus
Na orla lagunar de Maceió, há um conjunto de favelas, as mais pobres da capital alagoana, numa área esquecida pelo poder público, sem posto de saúde e sob controle de traficantes do CV (Comando Vermelho).
"A casa dentro é muito quente, não tem como ficar com crianças. Por isso ficamos mais aqui fora conversando", comenta Marcela Vilar, 21, solteira e que tem dois filhos morando em um barraco de menos de 20 metros quadrados.
Na casa dela, não há água. Todos os dias Marcela tem de ir com uma bacia à torneira comunitária que há na favela. Mesmo assim, ela diz que tem muito medo do coronavírus e tenta se prevenir.
"A gente vai se virando do jeito que pode, com o povo ajudando. Um vem e faz doação de sabão, de sabonete para lavar as mãos. E assim vai, porque nós mesmos não temos condições de comprar."
Marcela sabe dos riscos da doença, mas sabe também que não tem como fazer isolamento em casa. "Não tem como manter criança nessa condição, não, sem contar que não tenho dinheiro. A mulher para quem eu trabalhava está sem trabalhar. Só tenho comida porque recebi uma cesta básica da Manda Ver [ONG que atua no bairro]", revela.
No barraco ao lado, a marisqueira Selma Alves da Silva, 54, lamenta pois não consegue mais vender o tradicional sururu. "Com essa doença, a gente não pode trabalhar, e a lagoa está parada. Fica difícil a gente ganhar dinheiro para sustentar a casa", diz ela, admitindo ter mais medo da fome do que do vírus.
"É difícil se proteger dessa doença, a gente aqui não tem como, não. É confiar em Deus e seguir a vida", completa a mulher, que mora sozinha em um barraco ao lado do caminho do esgoto que corre a céu aberto.
Conselho defende remoção
O presidente do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) de Alagoas, Heitor Maia, explica que as favelas têm vários tipos de problemas básicos, como falta de saneamento, asfalto e recolhimento de lixo. Esses são verdadeiros empecilhos para o isolamento social, recomendado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no combate à pandemia da covid-19.
"Obrigar essas pessoas a ficar em barracos de lona não tem o menor sentido. Elas estão em condições sub-humanas. Não podemos considerar que moram em o que chamamos de casa. Moram em abrigos improvisados na extrema miséria", opina.
Para o arquiteto, o governo deveria pensar em remover esses moradores provisoriamente. "Penso que a solução para essas pessoas seja a transferência para locais públicos, como ginásios de escolas, a exemplo do que ocorre com desabrigados devido a catástrofes naturais e enchentes. Evidentemente que todos os transferidos teriam que passar por uma triagem e, depois de acomodados, serem monitorados", explica.