Como as peruas nacionais foram do auge nos anos 80 à extinção em 2020
Resumo da notícia
- Primeiro carro fabricado no Brasil foi uma perua: a DKW Universal
- Peruas viveram auge nos anos 70 e principalmente nos anos 80
- Segmento entrou em declínio após popularização dos SUVs
O fim da produção da Fiat Weekend representou mais do que a aposentadoria de um carro com 23 anos de estrada. Sua despedida marca o fim da linha da última perua fabricada no Brasil.
A notícia que já era esperada há alguns anos entristece uma legião de fãs deste tipo de veículo, que combina o espaço interno de um carro familiar com a dirigibilidade mais esportiva que um sedã não consegue entregar.
"Acredito que o consumidor perde com o fim das peruas nacionais, algo que já infelizmente estava previsto para acontecer há muito tempo. Um crossover ou um SUV não possuem a mesma dinâmica de uma perua e muito menos o espaço para bagagens. Estamos órfãos, mas sei que temos muitos fãs de peruas que não deixarão que elas sejam esquecidas", afirma Danilo Mottin, criador da página "Save The Wagons", que reúne admiradores de peruas de todos os tipos e épocas.
As peruas já foram cobiçadas pelas famílias brasileiras e tiveram representantes de três categorias nos anos 80: compactas (como a VW Parati), médias (a Ford Belina é um bom exemplo) e grandes (caso da Chevrolet Caravan).
Entretanto, elas entraram em decadência nos últimos anos até saírem de cena de forma melancólica em 2020. Mas o que motivou a extinção de uma categoria que já foi tão prestigiada no país?
A ascensão dos SUVs
Não se trata apenas de um fenômeno nacional. A indústria automotiva acompanhou de perto o aumento na procura por SUVs nos últimos anos. Os motivos não são difíceis de compreender: se o espaço interno pode ser tão amplo quanto o de algumas peruas (embora em alguns modelos seja até menor), os utilitários esportivos trazem qualidades apreciadas por este tipo de público, como design mais parrudo e a sensação de imponência proporcionada pela posição mais elevada de dirigir.
Será, então, que os próprios consumidores decretaram o fim das peruas? De certa maneira, sim. Atentos à maior procura pelos utilitários esportivos, as fabricantes começaram a investir em novos projetos para este segmento. É a velha lei de oferta e procura.
As peruas lentamente foram deixando de existir, mas elas não sumiram completamente. Algumas marcas de luxo, como Audi, BMW e Mercedes-Benz, ainda vendem modelos desta categoria. Isso sem contar a Volvo, que construiu parte de sua fama nas peruas, e não dá indícios de que desistirá delas tão cedo.
No Brasil, porém, a situação é diferente. Se nos anos 80 tínhamos uma variedade considerável de modelos, hoje não temos nenhuma perua fabricada no país. Até entre as marcas importadas é difícil achar representantes: hoje, apenas Audi, Mercedes e Volvo comercializam peruas 0km no mercado brasileiro.
Para prestar uma justa homenagem ao carro que já foi o sonho de muitas famílias, UOL Carros faz um breve resumo de algumas das peruas que entraram para a história da indústria nacional. Confira!
DKW Universal: a pioneira
A história das peruas nacionais começou nos anos 50 com a DKW-Vemag. A perua conhecida na Alemanha como Universal foi o primeiro modelo da categoria montado no Brasil em 1956, ainda que várias peças fossem importadas.
"O nome da Universal no Brasil era Camioneta Vemag e ela não só foi a primeira perua brasileira como também foi o primeiro carro nacional, já que a Romi-Isetta não era considerada um automóvel por não ter espaço para carregar quatro passageiros e bagagens. Sua produção começou no dia 19 de novembro de 1956 sob o código F91. A perua foi fabricada até 1957, e no ano seguinte foi substituída pelo modelo que ganharia o nome Vemaguet só em 1961", conta Flavio Gomes, jornalista e grande entusiasta dos carros da DKW-Vemag.
Logo a perua ganhou o apelido de "Risadinha" por conta do desenho da dianteira que durou só até 1958, quando a Vemag lançou os outros DKWs com a grade ovalada.
"Menos de 1.500 unidades foram produzidas nos dois anos de vida. Hoje existem só cinco unidades da Universal no país, sendo uma delas a minha, que foi o 10º carro montado no Brasil", afirma.
Fabricada com apenas duas portas (que se abriam em sentido contrário ao atual), a perua tinha um amplo espaço interno e um porta-malas bem maior do que o sedã. O motor de três cilindros e dois tempos tinha apenas 44 cv e o câmbio manual de quatro marchas tinha a alavanca instalada na coluna de direção.
Belina: um dos maiores sucessos da Ford
O Corcel já era um sucesso quando ganhou uma "irmã" de respeito. A Belina estreou em 1970 trazendo as mesmas qualidades e defeitos do modelo do qual derivava.
A perua teve até uma versão chamada Luxo Especial, que imitava as antigas station wagons americanas com apliques de madeira nas laterais. Nos anos seguintes, ela acompanhou as mudanças visuais realizadas no Corcel até passar por uma reestilização mais pesada em 1978, quando ganhou o nome de Belina II.
Sempre com carroceria de duas portas, ela trazia linhas mais retas e modernas para o padrão da época. A perua reinou sem ser incomodada até meados dos anos 80, quando a jovial Volkswagen Parati começou a roubar vendas.
A Ford contra-atacou com novas versões, como a Del Rey Scala, uma perua mais requintada baseada no Del Rey. Bem completa, ela vinha com ar-condicionado, vidros elétricos, travas elétricas e bancos revestidos em veludo. De 1985 a 1987, a Belina ganhou uma versão 4x4, que saiu de linha por conta de problemas de manutenção e durabilidade.
A morte do Corcel em 1986 sinalizava que a Belina estaria com os dias contados. Mas ela foi rebatizada como Del Rey Belina e resistiu até 1991, quando foi substituída pela Royale, uma das crias mais famosas da Autolatina e nada mais do que uma versão da Ford para a Volkswagen Quantum.
Caravan: o sonho das famílias
Os anos 70 marcaram as estreias de dois nomes de peso da indústria. Em 1975, a Chevrolet apresentava a elegante Caravan. Baseada na Opel Rekord alemã, ela vinha apenas com carroceria de duas portas - peculiaridade que permaneceria até o fim de sua vida na década de 90.
Já em 1978, a perua ganharia duas versões bastante cobiçadas até hoje: a luxuosa Comodoro e a esportiva SS. A reestilização feita em 1980 trocou as charmosas lanternas redondas por peças trapezoidais. A versão Diplomata só chegou à Caravan em 1986 como uma resposta à então recém-lançada Volkswagen Quantum.
Mudanças pontuais foram realizadas no design da Caravan, que já não conseguia esconder o peso da idade. A perua saiu de cena em abril de 1992 e cedeu seu lugar à Suprema, derivada do moderno Omega.
Parati: cobiçada até pelos jovens
A Variant foi a primeira perua lançada pela Volkswagen no Brasil. Fez bastante sucesso, mas já dava sinais de cansaço no final dos anos 70, quando sofria para encarar a Ford Belina.
A fabricante até tentou reagir com a estreia da Variant II em 1977. Produto desenvolvido no Brasil, a perua permaneceu em linha até 1980. A concorrência estava se mexendo: a Chevrolet trouxe a Marajó em 1981 e a Fiat já tinha a Panorama um ano antes. A VW precisava tomar uma atitude.
A reação veio na forma da Parati. Último modelo derivado do Gol a ganhar as ruas, ela fez tanto sucesso quanto Saveiro e Voyage. A perua estreou em 1982 com design mais moderno do que as rivais, o que também atraiu os jovens.
Oferecida apenas com carroceria de duas portas (que foi preferência nacional até meados dos anos 90), a perua ganhou motorizações mais modernas logo nos primeiros de vida: inicialmente foi um 1.5 do Passat e depois o 1.8 de 99 cv que equipava o Gol GT. A versão GLS estreou em 1988 e trazia um motor 1.8 semelhante ao que equipava as unidades exportadas para os EUA.
É isso mesmo: a Parati já foi vendida na América do Norte entre 1987 e 1991 como Fox Wagon. Assim como o Voyage (que foi vendido por lá como Fox até 1993), a perua recebeu milhares de modificações no projeto original para atender as preferências e leis do exigente mercado norte-americano.
A segunda geração da Parati estreou em 1996 seguindo as linhas arredondadas do Gol "Bolinha". A aguardada carroceria de quatro portas só surgiu em 1998, dois anos depois da rara versão GTI 16V, que tinha 145 cv.
Um novo facelift foi realizado em 1999, um ano antes do lançamento da Parati 1.0 16V Turbo, que rendia 112 cavalos. A aceleração de 0 a 100 km/h era realizada em 9,8 segundos e a velocidade máxima era de 191 km/h.
Em 2005, a Parati ganhou outra atualização visual, batizada pela VW de "G4". Já defasada, a perua foi perdendo apelo até deixar de ser produzida em 2012 depois de mais de 900 mil unidades vendidas.
Anos 90: Palio Weekend desafia e desbanca a líder
Nada mudou no segmento de peruas compactas nos anos 90. A Parati seguia soberana até 1997, quando encontrou uma desafiante de peso pela primeira vez. A Palio Weekend aposentava a Elba com sobras, trazendo estilo muito moderno e o maior porta-malas da categoria, com capacidade para 460 litros.
Ela não era a única desafiante da Parati: a Ford lançou a Escort SW e a Chevrolet tinha a Corsa Wagon, que era considerada pequena demais frente às rivais. Nenhuma delas, porém, conseguiu ameaçar as vendas da Weekend.
Em 1999, a Fiat inaugurou o segmento de aventureiros urbanos com a Adventure. A perua trazia vários adereços inspirados no mundo dos veículos fora-de-estrada, como quebra-mato (que seria abolido na segunda reestilização), faróis de neblina, estribos laterais e suspensão elevada.
A essa época, a perua já havia desbancado a Parati da liderança do segmento. A Weekend, porém, parou no tempo a partir dos anos 2010, e isso foi um dos motivos determinantes para a decadência das peruas.
Anos 2010: SUVs viram preferência
Os SUVs ainda não eram a febre de hoje quando as peruas começaram a desaparecer do mercado. A Toyota descontinuou a Fielder, modelo derivado da 9ª geração do Corolla que estreou em 2004 com um amplo espaço interno e design atraente. A perua permaneceu no mercado brasileiro por apenas quatro anos.
A Renault já não investia tanto assim na Mégane Grand Tour, que foi perdendo versões até sair de linha em 2012, quando era vendida apenas com motor 1.6 16V e câmbio manual.
A Volkswagen foi uma das poucas fabricantes que insistiram nas peruas. Lançada em 2006, a SpaceFox foi vendida até 2019, bem mais tempo do que a Jetta Variant, que foi importada para cá de 2008 a 2013.
Depois a marca ainda trouxe a Golf Variant em 2015, mesmo com o mercado já sinalizando que as peruas estavam perto do fim. Ela permaneceu em linha até o ano passado. Antes disso, a VW já tinha interrompido as importações da Passat Variant em 2013.
Atualmente: perua, só se for importada
A despedida da Weekend deixou apenas opções importadas no mercado. Audi (com A4 Avant, RS4 e RS6), Mercedes-Benz Classe C Estate e Volvo V60 são as únicas peruas novas oferecidas no país.