Post agressivo de procuradores está na mira de conselho que fiscaliza o MP
Procuradores têm o direito de fazer críticas públicas, mas o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) deve agir para evitar "ataques gratuitos", ofensas pessoais e discursos de ódio. Essa é a opinião do juiz federal Valter Shuenquener, conselheiro do órgão que fiscaliza os procuradores.
"O que não se tem tolerado é a ofensa gratuita, o insulto, o uso de palavras de baixo calão para se referir a autoridades e instituições, o discurso do ódio, a injúria, a calúnia e difamação, entre outros tipos de manifestações grosseiras e desrespeitosas, que não condizem com o papel de defensor da ordem jurídica", disse Shuenquener ao UOL.
A discussão sobre os limites para os pronunciamentos de membros do Ministério Público voltará novamente à pauta do conselho, em sua primeira reunião de outubro. No dia 8, o órgão analisará a abertura de um processo disciplinar contra o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato no MPF (Ministério Público Federal) em Curitiba, por causa de críticas feitas pelo Twitter.
O processo foi apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), que acusa o procurador de tentar interferir na eleição à presidência do Senado por meio de críticas à sua candidatura. Na última sessão, formou-se o placar de 7 votos a 2 pela abertura do processo, de um total de 14 membros do CNMP.
Advertência, censura e suspensão
De 2016 ao primeiro semestre deste ano tramitaram no conselho 30 processos sobre a liberdade de expressão de procuradores e promotores.
Desses, em 23 casos o CNMP decidiu abrir um processo disciplinar para apurar a responsabilidade dos acusados. Foram aplicadas punições em 13 casos, 4 deles com pena de advertência, 5 com censura e em outros 4 foi aplicada a pena de suspensão temporária do cargo. A censura é considerada uma punição mais grave que a advertência.
O levantamento foi feito pelo gabinete do conselheiro Shuenquener, que está em seu segundo mandato no CNMP. Ele ocupa no conselho a vaga que é de indicação do STF (Supremo Tribunal Federal).
Em entrevista ao UOL, concedida por e-mail, o conselheiro explica como o CNMP tem decidido casos semelhantes que tratam da liberdade de críticas de procuradores.
UOL - Quais os limites da liberdade de expressão em manifestações públicas de membros do Ministério Público?
Valter Shuenquener - Os membros do MP têm o direito à liberdade de expressão, o direito de manifestar e difundir pensamentos, ideias, opiniões e sentimentos, tal como reconhecido constitucionalmente e pelos mais diversos documentos internacionais. Esta é a premissa central e o eixo gravitacional de todas as decisões do CNMP na matéria. O membro do MP tem - e deve ter - a liberdade de se exprimir e de se manifestar em redes sociais e em plataformas digitais.
Na percepção do CNMP, todavia, apesar de titulares do direito à liberdade de expressão, os agentes públicos devem ser zelosos no momento de externar suas ideias, opiniões e pensamentos, visto que seus comportamentos, ainda que no âmbito privado, podem afetar a imagem da Instituição
Assim, a manifestação que viola deveres funcionais pode atingir a dignidade do cargo e a reputação do próprio Ministério Público, podendo gerar, por conseguinte, sanções ou responsabilidade civil.
Portanto, em regra, assegura-se a ampla liberdade de expressão do membro. Contudo, excepcionalmente, é possível estipular restrições à liberdade de expressão dos membros do MP, caracterizadas, essencialmente, pelos efeitos sancionadores e pela responsabilidade resultantes dos excessos, e desde que haja razoabilidade e proporcionalidade nas medidas, de modo a consagrar a essência de outro direito ou garantia com status jusfundamental.
Como o CNMP tem julgado e eventualmente punido esses casos?
O CNMP não censura o exercício da liberdade de expressão, mas tem aplicado sanções aos membros em situações excepcionais. Em regra, as sanções aplicadas são de advertência ou censura. Como exemplos de manifestações consideradas abusivas pelo Conselho destaca-se aquelas que caracterizam discurso discriminatório ou de ódio em razão de gênero, cor ou raça, etnia, religião, idade, orientação sexual, condição física ou mental, origem social ou cultural, bem como aquelas que ofendem instituições e autoridades e incentivam a desordem pública.
Afirmar que uma determinada decisão de um juiz ou tribunal dificulta o combate à corrupção seria uma conduta passível de punição?
A análise do CNMP sempre é feita de acordo com o caso concreto. A possibilidade de o membro do MP fazer críticas, ainda que ácidas e contundentes, deve ser respeitada e assegurada pelo CNMP, sem gerar qualquer tipo de responsabilidade.
Portanto, a todo membro do MP é dado o direito de legitimamente manter e defender suas convicções pessoais e ideologias, seja em redes sociais ou por qualquer outro meio.
O que não se tem tolerado é a ofensa gratuita, o insulto, o uso de palavras de baixo calão para se referir a autoridades e instituições, o discurso do ódio, a injúria, a calúnia e difamação, entre outros tipos de manifestações grosseiras e desrespeitosas, que não condizem com o papel de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis do Ministério Público
O grande desafio do Conselho tem sido verificar, dentro do contexto tecnológico contemporâneo, quando uma manifestação de vasto alcance e repercussão de um membro do MP é ofensiva a uma autoridade ou instituição, a ponto de justificar sua responsabilização disciplinar, sem que isso represente um indevido cerceamento da liberdade de expressão.
O Conselho busca passar uma mensagem aos membros do Ministério Público ao analisar esse tipo de caso?
O CNMP tem se preocupado com as manifestações extremamente ofensivas de membros do MP em redes sociais e em plataformas digitais. O foco do Conselho tem sido o de aplicar sanções quando forem imprescindíveis para criar um ambiente de prevenção à misoginia, ao discurso de ódio e ao ataque gratuito e ofensivo a instituições e autoridades.
É preciso reconhecer que o tema, além de sensível e complexo, carece de um maior aprofundamento doutrinário e de uma jurisprudência mais consolidada. Especialmente nos dias de hoje, tendo em vista o extraordinário alcance e velocidade das informações veiculadas no ambiente virtual.