Chave na eleição, bancada "boi, bala e Bíblia" agora nega apoio a Bolsonaro
Defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) como um novo método de se fazer política, as negociações com bancadas temáticas do Congresso não avançaram. Com a dificuldade para dialogar com os articuladores do governo e até para marcar reuniões com ministros, os líderes das principais frentes parlamentares que apoiam o presidente sinalizam que não assinarão embaixo das pautas do Planalto.
O UOL ouviu os presidentes da chamada bancada "BBB" (boi, bala e Bíblia), como são chamados informalmente os representantes dos setores da agricultura, segurança e os cristãos na Câmara. Esses grupos são próximos ideologicamente do governo e dialogam diretamente com a maior parte dos eleitores de Bolsonaro.
Mas nenhum deles se movimentou para evitar atraso no cronograma do governo com a reforma da Previdência. Um exemplo está na dificuldade para aprovação do relatório na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Durante a montagem do governo, Bolsonaro procurou apoio das bancadas temáticas, e não dos partidos.
"Estamos escolhendo o melhor, conversando com as bancadas e não com os partidos, de forma independente, e isenta. Que sejam [pessoas] honestas e pensem no Brasil e não na agremiação partidária", disse, em novembro.
Bancada da bala
Uma das bancadas que relatou maior incômodo com a falta de articulação do governo foi a Frente Parlamentar da Segurança Pública. Em razão disso, os 305 membros optaram por suavizar a reforma da Previdência dos militares.
"Cada grupo tem seu interesse. O nosso é ligado aos policiais, pessoal da segurança. Se tivéssemos o mínimo diálogo [com o governo], poderíamos nos unir para ajudar a aprovar o BPC [benefício para idosos carentes] e aposentadoria rural. Seria uma troca. Mas o governo não conversa. Então vamos focar esforços que temos para barrar pontos críticos da reforma dos militares", disse o presidente da frente, Capitão Augusto (PR-SP).
A principal reclamação da bancada da bala é sobre o tempo de aposentadoria, que seria aumentado de 30 para 35 anos para homens e mulheres.
Se esse quadro persistir, o governo pode perder duas vezes: com uma reforma ampla dos militares e alterações na dos civis, com menos economia para os cofres públicos, dificultando o cumprimento da meta do ministro da Economia, Paulo Guedes - R$ 1 trilhão em 10 anos.
A gente sempre ajudou a eleger o Bolsonaro. E desde o começo do ano não tivemos relação e participação nenhuma [no governo]. Nada. Nada. Zero."
Capitão Augusto, líder da bancada da bala
Ele disse, por exemplo, que a frente gostaria de indicar algum nome para o Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), o que não aconteceu. Ao posto foi designado o general Guilherme Theophilo.
Augusto contou que tem boa relação com o ministro Sergio Moro (Justiça), e vê pontos em comum no pacote anticrime, que endurece a legislação penal.
"Quem me passou a relatoria do grupo que estuda o projeto anticrime foi o [Rodrigo] Maia. Não o governo. Tenho ótima relação com o ministro Moro, mas a relação com o governo fica restrita a este pacote", destacou sobre o projeto
Ao contrário de Bolsonaro, que esteve no lançamento da Frente Parlamentar da Agricultura, Moro foi quem participou do lançamento da Frente pela Segurança Pública.
Augusto reclamou que, como presidente da bancada, requereu uma reunião com Onyx Lorenzoni [Casa Civil]. O documento circulou por 50 dias e não teve resposta.
"Não conseguimos estabelecer diálogo, nem mesmo sobre as pautas que defendemos. Acreditamos ser possível trabalhar outros temas enquanto a Previdência caminha na Casa. A articulação está mal feita, sobrecarregou a Casa Civil e nada anda", relatou.
Outra batalha que o governo perdeu junto à bancada foi a saída do Capitão Augusto da articulação política. Ele abriu mão do cargo de vice-líder alegando dificuldade de diálogo com o governo.
"Foi uma decisão pessoal de sair, não estava ali representando a frente parlamentar da segurança", justificou.
Bancada ruralista
Entre os três grupos, o único que tem portas abertas no governo é o dos ruralistas. O acesso direto a ministros e secretários é algo raro no Congresso, onde o mais comum é lideranças partidárias reclamarem da dificuldade de serem ouvidos por membros do Executivo.
"Os ministros que nós temos inter-relação são de alta qualificação e têm nos tratados com muita atenção. Paulo Guedes [Economia], Tarcísio de Freitas [Infraestrutura], Tereza Cristina [Agricultura], Ricardo Salles [Meio Ambiente], e o de Relações Exteriores [Ernesto Araújo]. Todos têm nos tratado com muito respeito. A gente tem tido conversa cada vez que é necessário, sem nenhuma restrição", conta Alceu Moreira (MDB-RS), presidente do grupo.
A bancada da Agricultura é a que tem, de fato, um pé no governo. Indicou a ex-coordenadora Tereza Cristina para o posto de ministra. E Bolsonaro esteve pessoalmente na posse de Moreira. Mas a boa relação também não significa que a frente irá atuar pelo governo em temas além das fronteiras ruralistas.
"O objeto da frente parlamentar não é este [montar base]. Ter ingerência com temas que não tem a ver com agro. Mas a convivência que temos na frente, o grau de cumplicidade entre nós, gera, com certeza, uma tendência em criar convergências e consensos", disse Moreira.
O emedebista atribui a boa relação com o governo ao fato de o agronegócio estar diretamente relacionado à geração de emprego e ao apoio nas eleições.
"Eu tenho a impressão de que na eleição, o setor agro apoiou ele maciçamente. Ele sentiu isso no pessoal ligado à agricultura de Goiás, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul, no país todo", afirma.
O deputado relatou que as pautas levadas ao governo são discussões que se iniciaram em outros governos como a questão de demarcação de terras indígenas, a Lei Kandhir (sobre restituição tributária), por exemplo.
"Até agora, nunca se teve conversa do governo para frente pedindo apoio para aprovar a Previdência. Nós que temos mantidos essa posição, já que somos francamente favoráveis. Mas não tem solicitação do governo nesse sentido", diz.
Sobre o tratamento "privilegiado", Moreira ameniza a situação.
"Para mim seria arrogante se fosse dizer que a frente que preside tem um tratamento e outros não. Eu estou te falando da frente que eu presido. Estamos certamente com ótimo relacionamento."
Bancada evangélica
O governo é muito ruim para relacionamento. Muito ruim. Os ministros do governo Bolsonaro para relacionamento são muito, mas muito ruins"
Silas Câmara (PRB-AM), presidente da Frente Parlamentar Evangélica
O deputado considera que, apesar do diálogo ineficiente, há boa sinalização para os evangélicos enquanto o governo mantiver uma postura conservadora em temas como Educação e liberdades individuais. Mas que isso não implica em uma atuação da bancada na articulação do governo.
"Posso te garantir que desde o começo eu disse: não vai dar certo [negociação do governo com bancadas]. Porque bancada temática se junta por tema, como diz o título. Qualquer tipo de relacionamento de governo com bancada temática é um engodo, uma mentira. Um faz de conta", avaliou.
O líder religioso -- Silas é pastor da Assembleia de Deus -- critica a articulação política do governo e a falta de base.
"Quem elege parlamentares são os partidos e o trabalho do parlamentar. Quem paga [a eleição] não é a bancada temática. Aí eu pergunto: por que que um deputado vai peitar quem está financiando a campanha para agradar uma frente parlamentar que defende apenas um tema e na época da eleição esse tema até o atrapalhe a se eleger, não é verdade?", avaliou sobre a possibilidade da bancada articular pautas pelo governo.
Ao ser indagado qual o papel da frente para o governo, Silas disse que a pergunta deve ser feita ao presidente. Mas na avaliação do deputado, a bancada vive um momento de "muita paz e tranquilidade" em relação ao que o governo defende.
"No nosso aspecto de pensar somos importantes porque acreditamos no governo, porque oramos por isso. Não vamos criar dificuldade para que o governo avance nas reformas para que dê ao Brasil o que tem que ser dado. Não somos um problema", disse.
Durante a montagem do governo, os evangélicos barraram Mozart Ramos para o ministério da Educação. Com o veto, Bolsonaro nomeou Ricardo Vélez, que, por sua vez, já deixou o cargo.