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Bolsonaro publica vídeo de aluna que gravou professora; o que diz a lei?

Getty Images
Imagem: Getty Images
do UOL

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

29/04/2019 04h00

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) publicou ontem, no Twitter, um vídeo em que uma aluna questiona uma professora por ter chamado o filósofo Olavo de Carvalho de "anta" porque "mete o pau em tudo".

As imagens não têm data e local especificados. A estudante é Tamires de Paula, secretária-geral do PSL em Itapeva (SP).

No vídeo, ela acusa a docente de ter dedicado 25 minutos da aula para expor sua "opinião política partidária" --a professora, segundo a aluna, fez críticas ao governo e ao movimento Escola Sem Partido, apoiado por Bolsonaro.

A docente contesta, diz que estava dando aula "de jornal" e pede para que a estudante fale com a direção. A aluna, então, fala que irá gravar e expor todas as aulas da professora na internet.

"Você não pode", responde a professora. "Posso. A senhora não pode entrar aqui e falar o que a senhora quiser. Eu estou pagando pela aula de gramática", devolve a aluna.

A prática tem gerado controvérsias. Há quem defenda a gravação como forma de acompanhamento das aulas, ou ainda como maneira de inibir suposta doutrinação por parte dos docentes. Por outro lado, há quem fale em perseguição aos professores.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu que filmar professores em sala de aula é um direito dos alunos. Ele afirmou ainda que vai analisar o conteúdo do vídeo compartilhado por Bolsonaro - e de outro compartilhado pelo vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) - para saber se houve irregularidade cometida pelos docentes.

O que diz a lei sobre gravar professor em aula?

Segundo o advogado especialista em direito constitucional Daniel Falcão, uma aula só pode ser filmada ou gravada mediante a autorização expressa do professor. "A Constituição protege a imagem da pessoa", afirma, em alusão ao artigo 5º, inciso X.

Diz o inciso: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

De acordo com o advogado, as aulas dos professores recebem, ainda, o respaldo legal do artigo 5º, inciso XXVII, que fala da proteção ao conteúdo intelectual.

Estamos tratando de um conteúdo intelectual, e a Constituição protege o direito de quem fez aquele conteúdo, de tê-lo resguardado. No momento em que você grava sem autorização uma aula, essa gravação pode ser tirada do contexto, pode ser usada com lucro por outras pessoas, e isso tudo está vinculado à imagem da pessoa. Por isso que se exige a autorização
Daniel Falcão, advogado especialista em direito constitucional

Escola Sem Partido defende "acompanhamento" pelos pais

Já o movimento Escola Sem Partido, que diz atuar em busca de uma escola neutra e sem doutrinação ideológica por parte dos docentes, defende que a prática é legal e afirma que ela pode ser utilizada pelos pais para "acompanhamento" da vida escolar dos filhos.

"Qualquer proibição nesse sentido [isto é, contra as gravações] teria de ser imposta por meio de lei - afinal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei -; e seria mais que duvidosa a constitucionalidade de uma lei que estabelecesse tal proibição", diz um comunicado do movimento.

Em março, o movimento divulgou um modelo de petição para "garantir o direito de gravar aulas".

No documento, diversos artigos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) são citados --entre eles, o artigo 53, que diz ser "direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais".

Também é feita uma referência ao artigo 229 da Constituição, que diz que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".

Tais artigos, segundo o movimento, estariam sendo desrespeitados por professores "ativistas" que "abusam da audiência cativa dos alunos para promover suas próprias convicções e preferências ideológicas", especialmente as de "gênero, religiosas e morais" --o que justificaria a gravação das aulas.

(...) Cientes de que estão sendo gravados, esses professores tenderão a ser mais cuidadosos e moderados no uso da palavra, evitando problemas para si mesmos e para as escolas onde lecionam
Petição divulgada pelo movimento Escola Sem Partido

"Liberdade de cátedra"

Daniel Falcão, por outro lado, afirma que a Constituição prevê a liberdade de cátedra, princípio que permite aos professores que se expressem livremente nas aulas. "O que o professor dá na aula, diante de um programa de aula, é liberdade dele", diz.

"Eu vejo que o professor deve mostrar todos os lados possíveis da questão. Agora, a opinião dele ele pode mostrar. E se ele tem opinião de esquerda, de direita ou de centro, isso não deve ser tratado como uma doutrinação", afirma o advogado.

Para Falcão, não existem caminhos legais que possam ser tomados por um aluno que eventualmente se sinta prejudicado por uma suposta conduta ideológica de um professor.

"O que o aluno pode fazer é reclamar com o coordenador, com o chefe desse professor, para que a aula demonstre o outro lado", diz.

O advogado explica, também, que o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda não decidiu sobre o tema.

Em 2007, a Corte determinou que gravações "clandestinas", sem o consentimento do interlocutor, não são "ilícitas", mas apenas quando usadas como prova de algum tipo de crime.

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