Bolsonaro terá de driblar lei para fugir de impeachment, afirma Alvaro Dias
O governo Jair Bolsonaro (PSL) não tem tomado as medidas necessárias para sanear as contas públicas, e o presidente corre o risco de enfrentar um processo de impeachment por causa disso. A avaliação é do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), 74, candidato derrotado à Presidência nas eleições do ano passado.
O parlamentar diz que o país pode entrar em colapso em função dos problemas de caixa. Em sua opinião, a equipe de governo tentará "driblar a regra de ouro" neste ano ou no próximo, recorrendo a algum tipo de manobra, para evitar a abertura do processo de afastamento. A norma proíbe o governo de contrair dívida para pagar despesas do dia a dia como salários de servidores, passagens aéreas e diárias.
Dias completa 50 anos na política em 2019. Ele exerce o quarto mandato como senador - o terceiro seguido -- e é líder de uma bancada de oito integrantes. Começou como vereador em Londrina (PR), foi deputado estadual e federal pelo Paraná, estado que governou entre 1987 e 1991. Passou por partidos como MDB, PSDB, PDT e PV. No ano passado, recebeu 859.601 votos e terminou a corrida presidencial em nono lugar.
O Podemos é aliado do PSL no Senado, mas, segundo o parlamentar, a aliança foi proposta pela legenda do presidente visando somente a disputa por cargos na Casa. O Podemos, diz ele, mantém posição de independência em relação ao governo. O senador é favorável à reforma da Previdência, mas considera que a medida é insuficiente para fazer o país crescer com força. Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo senador.
UOL - O sr. é um veterano na política. O presidente Jair Bolsonaro também é, mas fala-se na prática de uma nova política neste governo. Estamos mesmo diante de uma nova política?
Alvaro Dias - Não dá para afirmar que há uma nova política. O que há é dificuldade de relacionamento [com o Congresso]. No entanto, isso já era previsto. As características do candidato são reproduzidas na Presidência da República. É o estilo. Não creio que seja surpresa para todos que acompanham a atividade política de perto. Pode ser surpresa para os mais distantes, para o eleitor que não teve essa proximidade com a atuação parlamentar do candidato, que não tinha como conhecer mais efetivamente o seu perfil.
Quem são os articuladores do governo?
Desconheço quem articula em nome do governo. O que é visível é a ocupação de espaço de lideranças no Congresso. O que se pode discutir é se a escolha [de líderes] foi boa ou não. Há lideranças que deveriam estar exercendo essa tarefa da articulação política.
No espaço de uma semana, Bolsonaro afirmou que "não nasceu para ser presidente, e sim militar" e que "não entende de economia". Para o sr., que tipo de presidente o Brasil elegeu?
Elegeu um presidente sincero porque na campanha ele dizia isso: "não entendo de economia, não entendo de agricultura, não entendo de saúde". E o eleitor, majoritariamente, fez a opção por quem não entendia, por esse modelo de candidato. Então, não há razão para espanto. O que se dá agora é exatamente o que se previa durante a campanha eleitoral.
Na sua opinião, quais são as intenções do presidente ao manter a força da comunicação via redes sociais?
Ganhou-se a eleição, e isso é reconhecido pelo presidente, utilizando-se das redes sociais. E o que se busca agora é preservar a popularidade com a utilização das redes sociais. Me parece ser uma estratégia também [para] preservar essa bipolarização. "Se você não me apoia, você é PT". Me parece que há um desejo de se preservar essa bipolarização, que é muito ruim para a democracia e o país.
É bom considerar que existe vida inteligente entre os extremos, que não podemos viver submetidos a posições extremadas.
Em meio a questões como a reforma da Previdência e o pacote anticrime do ministro Moro, o governo federal também tem virado notícia por causa de declarações de ministros que dizem, entre outras coisas, que o nazismo é de esquerda. Como o sr. avalia este comportamento do governo?
Não discutiria detalhes de comportamento do governo, mas é fundamental para o país discutir aquilo que deveria ser feito e até este momento não se fez, que é a adoção de medidas objetivas para conter o déficit público, razão dessa desarrumação das finanças e que transforma o poder público em incapaz de promover investimentos essenciais em setores fundamentais como saúde, educação e segurança.
O que se imaginava eram medidas urgentes de ajuste fiscal. Por exemplo, algo semelhante a um limitador emergencial de despesas que pudesse eliminar o déficit de R$ 139 bilhões deste ano e possibilitar um ajuste estrutural no ano seguinte, com avaliação do desperdício em cada área do governo, para a virada de déficit para superávit. Era isto que eu, como brasileiro, esperava. Isto não ocorreu.
A dívida pública continua crescendo de forma avassaladora, com o governo refém do sistema financeiro, com rolagem da dívida, com emissão de títulos públicos, taxas generosamente privilegiadas para alguns bancos. Cinco bancos controlam mais de 70% do crédito no país. Os bancos não precisam competir no mercado porque eles possuem um cliente generoso que é o governo. Isso faz a festa do sistema financeiro, mas é um prejuízo para o mercado e o país.
Esse capitalismo financeiro tem sido admitido nos últimos governos e o atual o mantém. Não há nenhuma alteração de rota e não há indícios de que o governo pretenda adotar medidas que possam significar uma reforma do sistema bancário e financeiro.
A reforma da Previdência é vendida como solução para a melhora da economia. Ela será suficiente para fazer a economia crescer de forma consistente?
O capitalismo financeiro explora a dívida pública brasileira. Isso é o grande desafio para o governo em que pese o fato de ele apostar muito na reforma da Previdência.
A reforma da Previdência é insuficiente. Fala-se em uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos [caso a proposta do governo seja aprovada no Congresso]. Esse R$ 1 trilhão desaparece em dois anos do déficit nominal [cálculo que leva em conta as receitas e despesas do governo e o pagamento de juros da dívida]. O déficit nominal neste ano deve ser de R$ 517 bilhões. Então, em dois anos, nós liquidaríamos com a suposta economia de R$ 1 trilhão.
A reforma da Previdência é necessária do ponto de vista do trabalhador e do aposentado brasileiro. Muito mais importante para a sociedade do que para o governo. O governo pode comemorar uma tímida economia com esta reforma, mas o que deve nos orientar é a necessidade de um sistema previdenciário que garanta a aposentadoria no futuro. Milhões de brasileiros correrão o risco de ter sua aposentadoria comprometida se não aprimorarmos o sistema previdenciário.
Qual é a posição do sr. e de seu partido em relação à proposta do governo para a reforma da Previdência?
[Temos] algumas objeções em relação ao que está posto. Há questões referentes ao BPC (Benefício da Prestação Continuada). O que se pede é a exclusão disso da proposta de reforma.
Há também o questionamento em relação à aposentadoria rural. E há também uma posição favorável a um regime jurídico próprio de aposentadoria para o professor.
Em relação ao regime de capitalização, durante a campanha, defendi o regime, mas uma proposta diferente. No meu caso, haveria participação da contribuição de empregadores e empregados.
Outro ponto é que as desonerações [concedidas a empregadores] são responsáveis por um forte impacto no caixa da Previdência. Se somamos as desonerações e a DRU [Desvinculação de Receitas da União, mecanismo que permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário], reduzimos o déficit real da Previdência. Ficaria muito mais fácil eliminar o déficit se não estivéssemos praticando essa política de desonerações.
O governo consegue aprovar a reforma da Previdência no Congresso?
Aprovará, mas não na íntegra, com as alterações previstas que ocorrerão já na Câmara. No Senado, temos que ter uma posição de espera.
O governo não está conseguindo acabar com o rombo nas contas públicas. Que riscos o país corre com isso?
O risco de um colapso. O governo inclusive corre o risco de sequer cumprir a lei da regra de ouro, dispositivo legal que impõe o impeachment do presidente [a norma proíbe o governo de contrair dívida para cobrir despesas do dia a dia como salário de servidores, passagens aéreas e diárias]. Provavelmente não vai cumprir a regra e buscará driblá-la para evitar o impeachment. Da forma como está se conduzindo na área econômica não vejo como superar essa dificuldade a médio prazo. [Já] em 2019 e 2020, o governo certamente enfrentará dificuldades.
Estamos caminhando para o aprofundamento da crise pela ausência de medidas mais efetivas no campo do ajuste fiscal. Em relação à dívida pública, não há a transparência necessária. Um governo que se propõe a mudar deveria auditar a dívida pública do país, mostrando o comportamento do setor público em relação às instituições financeiras. Entendo ser este um direito do cidadão brasileiro.
O governo também deveria estabelecer um limitador do endividamento. Até hoje não se cumpriu a Constituição no que diz respeito ao limite do endividamento.
Pelo que o sr. diz, o governo está passando longe de tomar as medidas necessárias.
Sem dúvida. A cobrança é difícil porque o candidato que venceu as eleições não tinha proposta de governo, não participou de debates. Na prática, quando a campanha começou para valer, ele se ausentou dela, claro por um infortúnio, e acabou hospitalizado. Não participou da campanha. A não ser através do Twitter, não sabíamos de proposta alguma. Não há nem como cobrar os compromissos de campanha porque na prática eles não existiram.
Participei dos debates, das sabatinas e das entrevistas e eu não saberia te dizer quais foram as propostas do candidato vencedor para um ajuste fiscal ou para a reforma da Previdência. As políticas públicas não foram fotografadas pelo candidato durante a campanha eleitoral. Por isso hoje há essa dificuldade de cobrar compromissos.
O governo propõe reajustar o salário mínimo somente pela inflação. O próprio líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), disse que o governo vai tomar um cacete. A proposta é outro erro do governo?
A política do salário mínimo deveria ser decidida com clareza pelo governo e de forma antecipada. A fixação do salário mínimo poderia ser em função do crescimento econômico e não da inflação. Estimularia o crescimento econômico na medida em que certamente haveria maior interesse em produzir tanto da parte do empregador quanto do empregado.
E [seria necessário] desvincular o salário mínimo. O salário mínimo como referência para outros reajustes na administração pública impossibilita um reajuste maior, capaz de recuperar poder de compra. O governo tem dificuldade em reajustar de forma mais significativa o salário mínimo porque ele é referência para outros reajustes. Se nós fizéssemos a desvinculação, teríamos uma possibilidade de recuperar o salário mínimo de forma mais adequada.
Como avalia a decisão do governo de barrar o reajuste de 5,7% no preço do diesel planejado pela Petrobras? O que esta decisão sinaliza para o país?
O erro foi o anúncio. O que significa a decisão do presidente de barrar o reajuste? Significa que não se conversou antes, não se discutiu antes uma política de preços para a Petrobras. Mas isto também não ocorreu durante a campanha como proposta.
Bolsonaro obteve apoios na eleição por causa de sua ligação com Paulo Guedes, ministro da Economia, e da expectativa de um governo liberal na economia. Na sua opinião, a decisão sobre o diesel foi uma exceção ou Bolsonaro continuará intervindo na gestão da Petrobras e na economia?
O governo ainda não tem rosto. Não consigo identificar. Não há uma fotografia nítida do governo. O que há é uma heterogeneidade e insegurança de gestão. E não há uma definição de rumos que nos permita carimbar o governo disto ou daquilo. Não vejo com clareza o desenho do governo que temos.
A equipe de governo tem grande presença de militares e de discípulos do escritor Olavo de Carvalho. São duas alas que entram em choque. O próprio Olavo criticou o vice general Mourão e o ministro Santos Cruz. Qual sua opinião sobre os embates entre estas alas?
O que se nota é a influência positiva de militares que procuram administrar as turbulências que vêm ocorrendo.
Como avalia a influência de Olavo de Carvalho no governo?
Acho que ele deveria influir mais nos Estados Unidos e deixar o Brasil de lado. Essa influência é negativa, uma influência que puxa para baixo, não acrescenta absolutamente nada e tumultua muito. Se ele se ausentasse, a ausência dele preencheria uma grande lacuna no governo.
Durante a campanha eleitoral, o sr. disse que convidaria o ex-juiz Sergio Moro para o ministério. O sr. se surpreendeu quando Moro aceitou o convite de Bolsonaro?
Confesso que sim. Não imaginava que ele pudesse aceitar o convite em função do modelo [deste governo]. Eu o convidei imaginando que ele pudesse aceitar o convite, mas as contradições existentes no atual governo o colocam constantemente em dificuldade. Ele se encontra muitas vezes desconfortável para defender determinadas posições do atual governo.
Como avalia o pacote anticrime apresentado pelo ministro?
O objetivo do pacote é construtivo, merece o apoio. Obviamente, há correções que devem ser apresentadas. O Instituto dos Advogados questiona alguns pontos. Em relação à questão das armas, há sim questionamentos aqui [no Congresso]. As pesquisas indicam que a maioria da população é contrária ao porte de armas. Uma coisa é a posse na sua casa e outra é o porte, que é transitar com a arma. Isso vai ter uma discussão aqui, e o nosso posicionamento vai ser contrário ao porte de arma.
O sr. é a favor da posse, mas não do porte?
Exato.
O sr. foi citado por delatores da Lava Jato...
Não, não fui (interrompendo).
O ex-deputado Pedro Correa e o lobista Fernando Baiano afirmaram que o sr. foi um dos beneficiados pela divisão de R$ 10 milhões pagos pela empreiteira Queiroz Galvão para controlar a CPI da Petrobras (via Sergio Guerra, PSDB). Qual sua posição diante das denúncias contra o sr.?
Ele não citou. Isso aí surgiu não sei de onde porque, na verdade, não há nada disso. Não existe nenhum inquérito. Esse processo foi concluído. Não há nem citação nem coisa alguma disso. Não consta absolutamente nada.