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Como o Muro das Lamentações pode marcar guinada na diplomacia brasileira no Oriente Médio

Em visita a Israel, o presidente Jair Bolsonaro vai ao Muro com Benjamin Netanyahu e rompe a tradição de autoridades do país de visitarem o local das Lamentações sem a presença de autoridades israelenses Imagem: Getty Images/BBC

Matheus Magenta

Da BBC News Brasil, em São Paulo

01/04/2019 08h37

Considerado em disputa pela comunidade internacional desde 1967, o Muro das Lamentações deve ser palco nesta segunda-feira (1º) de uma guinada histórica na diplomacia brasileira. O presidente Jair Bolsonaro romperá a tradição de autoridades do país de visitarem o Muro sem a presença de autoridades israelenses, uma espécie de deferência diplomática à comunidade árabe e à ONU.

Em alinhamento à política externa do americano Donald Trump, Bolsonaro foi ao local acompanhado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a exemplo do que fez há poucas semanas o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a primeira autoridade americana de alto escalão a visitar o Muro acompanhado de uma liderança política israelense.

Ao visitar o muro sem a companhia do primeiro-ministro israelense, as autoridades sinalizam que o fazem em motivação pessoal e não oficial, já que a presença do primeiro-ministro dá às visitas um caráter solene que pode ser interpretado como um endosso às pretensões de Israel de tornar Jerusalém sua capital.

Isso contraria decisão da ONU que reconhece a dualidade de Jerusalém entre árabes e israelenses, mas considera a presença de Israel na parte oriental - de maioria árabe - como uma ocupação em consequência da guerra.

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A Igreja do Santo Sepulcro, que abriga o local de crucificação e sepultamento de Jesus Cristo, fica a 400 m ao leste do Monte Moriá. Ali estão o Domo da Rocha, de onde o profeta Maomé subiu aos céus, e o Muro das Lamentações, resquício do Segundo Templo de Jerusalém, construído no lugar em que Abraão sacrificaria o filho Isaac a pedido de Deus.

O sítio sagrado judaico de 50 m de altura por 20 m de largura esteve sob controle muçulmano por 13 séculos, até a retomada pelas tropas israelenses em 1967, na Guerra dos Seis Dias.

O que o Muro representa para os judeus?

O começo do judaísmo como uma religião estruturada acontece com a transformação dos judeus, que descendem do primeiro hebreu Abraão, em um povo influente através de reis como Saul, Davi - que dominou Jerusalém há quase 3.000 anos -, e Salomão, que construiu o Primeiro Templo na cidade, no Monte Moriá (conhecido também como Monte do Templo).

Acredita-se que os israelitas mantiveram a Arca da Aliança (onde estariam as tábuas com os Dez Mandamentos) no templo, destruído por volta do ano de 583 a.C durante a invasão babilônica. Diversos judeus foram expulsos de sua terra à época, e vários foram enviados para a Babilônia (região entre os rios Tigre e Eufrates, atualmente em território iraquiano).

Apesar de alguns serem autorizados a retornar para casa, muitos permaneceram no exílio formando aí a primeira diáspora judaica, que significa "viver afastado de Israel".

Décadas depois, o Segundo Templo de Jerusalém começaria a ser construído por judeus que voltaram à região, então controlada por Ciro, o Grande, rei da Pérsia. A nova edificação, mais modesta que a anterior, ficaria pronta em 515 a.C.

A região mudou de comando diversas vezes, até o domínio de Roma em 63 a.C. Mas duas décadas depois, em meio a diversos conflitos, Herodes convenceu os romanos de que poderia governar o local, foi nomeado rei dos judeus e, dentre outras coisas, restaurou o templo sagrado de seu povo.

Foi o império romano que nomeou a região como Palestina e, sete décadas depois de Cristo, expulsou os judeus de suas terras após lutar contra os movimentos nacionalistas que buscavam independência. O Segundo Templo viria a ser destruído nesse período.

Do conjunto arquitetônico da construção sagrada, sobrou apenas o que hoje é conhecido como Muro Ocidental ou Muro das Lamentações, nome dado por turistas em razão das orações feitas em frente ao local.

Além das lembranças históricas que carrega, o muro se tornou o principal local de orações e peregrinações judaicas, e é considerado o mais próximo que eles ficam de Deus. Por ter resistido, a parede se tornou um símbolo de esperança para o povo judeu de que também durarão para sempre.

Diversas pessoas costumam escrever preces em pedaços de papéis e colocá-las entre as rachaduras do paredão. Como os judeus acreditam que o Muro seja um símbolo da presença divina, muitos creem que Deus de fato lê o que está escrito ali.

As mensagens são recolhidas duas vezes ao ano e queimadas no vizinho Monte das Oliveiras, onde, segundo a Bíblia, Jesus Cristo transmitiu parte de seus ensinamentos.

O paredão não fazia parte do templo em si, mas do muro que o cercava. O Terceiro Templo, segundo alguns judeus, será construído quando o Messias retornar.

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Estado de Israel na Palestina partilhada

No início do século 20, o movimento sionista, que buscava criar um Estado para os judeus, ganhou força, principalmente por causa do crescente antissemitismo na Europa, e impulsionou a imigração judaica.

O Império Otomano, que comandava a Palestina à época, se desintegrou durante a Primeira Guerra Mundial e, por decisão da Liga das Nações (a futura ONU), a administração da região passou ao Reino Unido.

Mas, antes e durante a guerra, os britânicos fizeram várias promessas para os árabes e os judeus que não se cumpririam, entre outras razões, porque eles já tinham dividido o Oriente Médio com a França. Isso provocou um clima de tensão entre árabes e nacionalistas sionistas que acabou em confrontos entre grupos paramilitares judeus e árabes.

Após a Segunda Guerra Mundial e depois do Holocausto nazista que matou milhões de judeus, aumentou a pressão pelo estabelecimento de um Estado de Israel. O plano original previa a partilha do território controlado pelos britânicos entre judeus e palestinos.

Após a fundação de Israel, em 14 de maio de 1948, seguindo decisão da ONU, a tensão se tornou uma questão regional. No dia seguinte, Egito, Jordânia, Síria e Iraque invadiram o território e deram início à primeira guerra árabe-israelense, também conhecida pelos judeus como a guerra de independência ou de libertação.

Após o conflito, o território originalmente planejado pela Organização das Nações Unidas para um Estado árabe foi reduzido pela metade e quase 750 mil palestinos fugiram para países vizinhos ou foram expulsos pelas tropas israelenses.

Divisão geopolítica atual

Em 1967, veio a batalha que mudaria definitivamente o cenário na região - a Guerra dos Seis Dias. Depois da vitória contra uma coalizão árabe, Israel ocupou a Faixa de Gaza e a Península do Sinai, do Egito; a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) da Jordânia; e as Colinas de Golã, da Síria - os EUA recentemente reconheceram o domínio de Israel sobre este último. Posteriormente, Egito e a Jordânia firmaram acordos de paz com Israel, em 1979 e 1994, respectivamente.

Meio milhão de palestinos fugiram por ocasião da guerra em 1967.

Israel e os vizinhos voltaram a se enfrentar em 1973. A Guerra do Yom Kippur colocou Egito e Síria contra Israel numa tentativa de recuperar os territórios ocupados na década anterior - algo que ocorreria para os egípcios em 1979, num acordo de paz. A Jordânia chegaria a algo semelhante nos anos 1990.

A reação palestina ganharia contornos sangrentos em 1987, quando teve início o primeiro levante contra a ocupação israelense. A violência se arrastou por anos e deixou centenas de mortos.

Um dos principais pontos de atrito entre judeus e palestinos passa pela ocupação de Jerusalém Oriental a partir de 1967.

Muitos judeus consideram Jerusalém a capital eterna e indivisível de Israel. Mas os palestinos reivindicam a soberania sobre Jerusalém Oriental, capital de um eventual Estado da Palestina, que incluiria também a Cisjordânia, governada hoje pela Autoridade Nacional Palestina, e a Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, principal grupo islâmico palestino.

Comunidade internacional e Jerusalém

Em 1980, o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) solicitou por meio da resolução 478 que todos os países-membros da organização retirassem suas embaixadas de Jerusalém enquanto a partilha da região não fosse resolvida entre judeus e palestinos.

Mas em 2017 o presidente americano Donald Trump deu início a um novo capítulo na região, ao reconhecer Jerusalém como capital de Israel e anunciar a transferência da embaixada que antes ficava em Tel Aviv. A medida gerou protestos na comunidade árabe.

Em reação, a ONU cobrou que os países não mudassem a postura definida na década de 1980 em relação à cidade sagrada, por considerá-la "uma questão de status final a ser resolvida por meio de negociações em linha com as resoluções da ONU".

Apenas oito países ficaram ao lado dos EUA, entre eles Guatemala e Honduras, e outros 35 se abstiveram, a exemplo de Canadá, Colômbia e Argentina.

Guinada brasileira pró-Israel

Então presidido por Michel Temer, o Brasil se posicionou contra a mudança de status de Jerusalém defendida pelos EUA, seguindo a diplomacia brasileira adotada para a região há décadas que mantém posição equidistante.

Segundo Arlene Clemesha, pesquisadora e professora da PUC-SP, o Brasil manteve amizade tanto das autoridades israelenses quanto dos representantes palestinos.

Política externa de Bolsonaro está alinhada à do americano Donald Trump Imagem: Saul Loeb - 25.mar.2019/AFP

"Mas a posição histórica do Brasil foi procurar uma equidistância e, ao mesmo tempo, uma posição de respeito a direitos humanos, lei internacional, resoluções da ONU. Isso significou sempre uma postura de condenação da ocupação israelense em territórios palestinos (delimitados na partilha que deu origem ao Estado de Israel, em 1948), que é considerada ilegal pela ONU", afirmou Clemesha em entrevista publicada pela BBC News Brasil.

Mas a postura conciliatória brasileira geraria atritos com Israel em 2010, quando o então presidente Lula se recusou a visitar o túmulo de Theodor Herzl, fundador do sionismo, durante uma visita ao Oriente Médio, sendo que o mandatário brasileiro iria ao túmulo dos líderes palestino Yasser Arafat e israelense Yitzhak Rabin.

A tradição diplomática brasileira só viria a mudar com a eleição de Jair Bolsonaro no ano passado, quando ele prometeu transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém.

A medida agradaria os governos americano e israelense, os discípulos do escritor Olavo de Carvalho e líderes evangélicos brasileiros. Estes por questões teológicas, especialmente ligadas ao chamado "dispensacionalismo", doutrina que liga o estabelecimento dos judeus na Palestina à volta de Jesus Cristo.

Já como presidente, Bolsonaro decidiu recuar da transferência muito possivelmente por conta da pressão das alas militar e ruralista de seu governo, que temem um boicote de países árabes e muçulmanos à produção nacional de carne halal, que segue preceitos da lei islâmica e tem um mercado consumidor potencial de 1,8 bilhão de muçulmanos.

A Autoridade Palestina criticou a decisão de Bolsonaro de ir ao Muro com Benjamin Netanyahu Imagem: Heidi Levine - 31.mar.2019/Pool/AFP

Bolsonaro optou então pela instalação de um escritório em Jerusalém "para a promoção do comércio, investimento, tecnologia e inovação", sem status diplomático, mas com peso simbólico. Mas pessoas próximas ao presidente, como o bispo Silas Malafaia, garantem que o recuo foi apenas momentâneo e a transferência da embaixada para Jerusalém vai aontecer de forma "paulatina".

Apesar do recuo em relação à embaixada, a visita de Bolsonaro e as medidas anunciadas por ele podem ser encaradas pela comunidade internacional como um reconhecimento tácito de que os territórios ocupados por Israel após 1967 pertencem ao país.

Um dos marcos dessa nova postura pró-Israel será a visita de Bolsonaro ao Muro das Lamentações nesta segunda-feira (1º) acompanhado de Benjamin Netanyahu. Além da companhia inédita de uma autoridade israelense, a medida romperá com a tradição diplomática do país em relação a Israel de outras duas maneiras: o presidente brasileiro não fez contato com as autoridades palestinas nem passará por locais sagrados para o islamismo, como a Mesquita de Al-Aqsa, nas imediações do Muro.

Diplomatas brasileiros temem protestos e boicotes de países árabes e do Irã, que respondem por quase 6% de todas as exportações brasileiras. Israel representa 1%.

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