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O que o Brasil ganha com o acordo sobre a base de Alcântara?

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

19/03/2019 04h00Atualizada em 20/03/2019 11h17

Resumo da notícia

  • Lucros estimados são de milhões de dólares ao ano
  • Empresas e países que têm acordo com os EUA poderão fazer lançamentos daqui
  • Programa espacial poderá se desenvolver com uso de tecnologia americana

Construído em 1983, o Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, é mundialmente conhecido por sua localização privilegiada, próxima da linha do Equador, que permite reduzir em até 30% o combustível necessário para um voo espacial.

Seu potencial, no entanto, foi pouco explorado até agora, porque havia uma limitação para o uso da base por outros países. Com, o novo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que permite aos Estados Unidos lançarem satélites com fins pacíficos a partir de Alcântara, espera-se que haja mais investimentos na área.

Mas há quem veja ameaças à soberania nacional e uma aproximação exagerada do presidente Jair Bolsonaro com o presidente norte-americano Donald Trump, em torno de uma agenda nacionalista e "antiglobalista". Vale lembrar que Bolsonaro já defendeu a instalação de uma base militar americana em solo brasileiro.

Centenas de milhões

Os valores do negócio não foram divulgados, mas segundo o presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira), coronel Carlos Moura, são esperados aportes expressivos dos EUA no Brasil:

Cifras na ordem de dezenas a centenas de milhões de dólares ao ano seriam uma estimativa conservadora e realizável num horizonte de médio prazo

O acordo é chamado de "salvaguarda tecnológica" por estabelecer que apenas pessoas designadas pelas autoridades dos EUA terão acesso aos artefatos com tecnologia norte-americana. O país teme espionagem.

Em contrapartida, o Brasil receberá pagamento pelo aluguel da base para lançamentos.

Fala-se de um acordo do tipo desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, mas o texto foi barrado pelo Congresso Nacional. A proposta voltou a andar no governo Temer, mas sem conclusão. O texto agora precisa passar de novo pelo Congresso.

Imagem: AGÊNCIA FORÇA AÉREA / SGT. REZENDE

Por que importa tanto?

A base de Alcântara é cobiçada, porque fica num ponto estratégico. Voos que saem a partir dali rumo à órbita equatorial (onde o satélite artificial ou natural orbita baixo, na altura da linha do Equador) têm custos operacionais menores em relação a outras bases pelo mundo. Isso é um diferencial para voos com cargas maiores, por exemplo, um foguete com grande quantidade de satélites.

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Com o novo acordo, tanto os EUA quanto empresas privadas que usam a tecnologia norte-americana podem fazer lançamentos maiores a partir de Alcântara --programas espaciais que usam tecnologia americana também estavam impedidos de usar a base.

Nos últimos anos, a base de Alcântara ficou restrita a voos suborbitais --nas quais cargas úteis do foguete, como sondas, retornam ao planeta-- e a foguetes de testes, enquanto a iniciativa privada investe pesado em voos espaciais maiores. Já temos testes feitos pela SpaceX, de Elon Musk, a Virgin Galactic, de Richard Branson, e a Blue Origin, de Jeff Bezos.

Parte desse atraso do programa brasileiro foi por causa de um grave acidente em 2003, quando o foguete brasileiro explodiu, que limitou seu uso ao lançamento de sondas, sem colocar em órbita nenhum satélite.

Empurrãozinho

Além de tentar abocanhar parte do rico mercado espacial, que movimentou US$ 3 bilhões em 2017, segundo dados da Administração Federal da Aviação dos Estados Unidos (FAA), a questão principal para o Brasil é que o acordo pode ser um impulso no nosso programa.

Os EUA detêm cerca de 80% da tecnologia de lançamento de satélites, e para outro país usar essa tecnologia em projetos próprios era necessário um acordo como esse. Estima-se que, em todo o mundo, exista uma média de 42 lançamentos comerciais de satélites por ano.

Mais importante que o lucro da atividade espacial, é a necessidade de se formar uma "economia espacial brasileira", como explica Carlos Gurgel, professor do departamento de engenharia mecânica da UnB e ex-diretor de satélites da AEB. O acordo abre espaço para desenvolver mais tecnologia e inovação na área espacial.

Soberania ameaçada?

No entanto, há quem veja uma ameaça à nossa soberania nacional. O projeto foi bloqueado pelo Congresso brasileiro, no fim dos anos 2000, porque os parlamentares consideraram que a zona seria administrada pelos EUA, na prática. Havia muitas restrições no acesso brasileiro a qualquer tecnologia americana.

O novo acordo traz uma cláusula que estabelece que nada no AST pode prejudicar o desenvolvimento autônomo do programa espacial brasileiro, e os recursos vindos dos EUA em futuros acordos comerciais com o Brasil poderão ser usados em qualquer etapa do Programa Espacial Brasileiro, menos em veículos lançadores --ou seja, foguetes.

O embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, explicou que "nada impede que toda a receita obtida financie o Programa Espacial Brasileiro e o Tesouro Nacional arque só com o desenvolvimento de foguetes lançadores".

Mas ainda não está claro de como esses pontos seriam na prática.

Para Gurgel, a questão do repasse das futuras verbas precisa ser observada com atenção. O atual governo planeja criar uma estatal para gerenciar esses recursos. Se isso ocorrer, o dinheiro seria depositado na conta do Tesouro, o que torna mais difícil saber se está sendo mesmo aplicado no programa espacial.

O ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia, defende que a soberania não é afetada e que se trata de uma discussão técnica. "Imagina que você trouxe alguma tecnologia para dentro do seu quarto [de hotel] que, logicamente você controla. Você tem a chave do quarto, mas eu, como dono do hotel, posso entrar a hora que precisar. É algo mais ou menos nesse estilo", explicou.

O Ministério disse que é importante assinar acordos com outros países, como o Japão e a Índia, para que o uso da base não fique limitado só aos EUA, mas também não há qualquer previsão para que isso aconteça.

O que se sabe é que estava prevista uma área exclusiva para os americanos dentro do centro de lançamento e a possibilidade de transitarem com material pela área sem passar por inspeção do Exército brasileiro. Mas isso foi eliminado do novo projeto, segundo o governo.

Em contrapartida, os EUA exigiam que não houvesse transferência de tecnologia.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi dito na reportagem, um voo suborbital não é realizado a até 100 km acima do nível do mar. O erro foi retirado

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