Traficantes se deduram entre si e ajudam a elevar apreensão de drogas em MS
Resumo da notícia
- Criminosos sabotam operações de rivais por meio de denúncias
- PF e PRF já apreenderam 2,1 toneladas de cocaína este ano
A delegacia da PF (Polícia Federal) em Três Lagoas (MS) recebeu uma informação valiosa de um anônimo no último dia 15. Segundo ele, um depósito da cidade serviria de entreposto para o tráfico de drogas vindas da capital Campo Grande rumo a São Paulo.
Dois dias depois, policiais estiveram no local. Realizaram ali a segunda maior apreensão de cocaína da história de Mato Grosso do Sul: 954 kg. O montante só é menor do que a quantidade apreendida numa ação de 2015, em Corumbá (MS): 1,4 tonelada.
De acordo com a própria PF, a denúncia anônima foi crucial para o sucesso da operação. O órgão não divulga detalhes sobre como a informação chegou à delegacia. Segundo policiais ouvidos pelo UOL, entretanto, ela muito provavelmente partiu de traficantes de uma quadrilha rival daquela que controlava o depósito de drogas em Três Lagoas.
MS É CORREDOR DE ESCOAMENTO DE DROGA
Mato Grosso do Sul é hoje centro de uma disputa de facções criminosas pelo controle do tráfico de drogas oriundas da Bolívia e do Paraguai. PCC (Primeiro Comando da Capital), CV (Comando Vermelho) e narcotraficantes locais concorrem pela administração de rotas de escoamento de entorpecentes que cruzam o estado. Nessa disputa, a sabotagem por meio de denúncias é uma estratégia comum utilizada por criminosos para minar o poder de concorrentes.
"Isso existe", confirmou o major J. Roberto, do DOF (Departamento de Operações de Fronteira) de Mato Grosso do Sul, órgão que reúne policiais civis e militares para patrulhar a fronteira do Estado. "Um traficante usa uma denúncia para atrapalhar o negócio do rival ou até para elevar o preço de sua mercadoria. Com droga apreendida, quem tem disponível pode cobrar mais."
Essa "guerra de denúncias" acaba colaborando com o trabalho das forças de segurança. Enquanto as facções delatam uma a outra, só a PF e a PRF (Polícia Rodoviária Federal) já apreenderam 2,1 toneladas de cocaína neste ano. A quantidade é mais da metade das quase 3,9 toneladas apreendidas pelos mesmos órgãos durante todo ano passado.
- Cocaína apreendida em Mato Grosso do Sul:
- (Inclui ocorrências da PF e da PRF)
- 2019 (até 18 de fevereiro)
- 2.086 kg
- 2018
- 3.972 kg
- 2017
- 3.120 kg
O aumento relativo das apreensões de cocaína deve-se em parte à grande quantidade da droga encontrada em ações pontuais. Dias antes da apreensão de 954 kg em Três Lagoas, por exemplo, a PRF encontrou 940 kg num carro de luxo em Ponta Porã (MS), fronteira com o Paraguai.
A apreensão é hoje a terceira maior já realizada no Mato Grosso do Sul. Ela ocorreu depois que policiais rodoviários foram informados de que traficantes do PCC estariam trazendo droga do Paraguai ao Brasil às pressas por conta de disputas com o CV naquele país e também por conta da repressão das autoridades paraguaias.
"Quando existe um conflito, as facções têm que se movimentar mais. Às vezes, sem tanto planejamento", explicou J. Roberto, do DOF. "Isso tende a aumentar as apreensões pelas forças de segurança."
Já a quarta maior apreensão de cocaína em Mato Grosso do Sul aconteceu um dia depois da operação de Três Lagoas. Neste caso, ela foi realizada pela PM (Polícia Militar). Mais de 537 kg da droga foram encontrados em um caminhão em Deodápolis (MS).
- Ranking das maiores apreensões de cocaína em MS:
- 1.441 kg em Corumbá, no dia 25/02/2015, pela PF
- 954 kg em Três Lagoas, no dia 17/02/2019, pela PF
- 940 kg em Ponta Porã, no dia 22/01/2019, pela PRF
- 537 kg em Deadópolis, no dia 19/02/2019, pela PM-MS
INTELIGÊNCIA DA PF AUMENTA APREENSÕES
Para o chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da PF no Mato Grosso do Sul, delegado Lucas Vilela, o crescimento na produção de cocaína no Peru, Bolívia e Colômbia colaborou com o aumento nas apreensões no estado. Segundo ele, o fato de grandes operações terem sido realizadas em diferentes cidades do Brasil mostra que há mais cocaína circulando no país.
"O Brasil serve de corredor de exportação para a droga produzida em outros países", disse ele. "Aumentaram as apreensões no Mato Grosso do Sul, mas também houve grandes ações da PF nos portos de Paranaguá, Santos e Natal."
Só no porto de Natal, a PF apreendeu mais de 2 toneladas de cocaína no último dia 14.
Rio Grande do Norte é o segundo Estado onde a PF apreendeu mais cocaína neste ano. Paraná é o líder. São Paulo vem em terceiro lugar, seguido por Mato Grosso do Sul.
Em todo país, a PF já apreendeu 17,5 toneladas de cocaína em 2019, até o final de fevereiro. Durante todo o ano de 2017, haviam sido 48 toneladas. Já no passado, 79,1 toneladas.
- Estados com maior quantidade de cocaína apreendida em 2019
- Paraná - 6.234,1 kg
- Rio Grande do Norte - 3.408,2 kg
- São Paulo - 3.178,3 kg
- Mato Grosso do Sul - 2.094,7 kg
- Mato Grosso - 1.519,4 kg
- Total do Brasil: 17.588 kg
"O trabalho de inteligência também aumentou. As investigações, interceptações telefônicas e outras técnicas ajudam a apreender mais", complementou Vilela.
O delegado disse ainda que as apreensões não são o objetivo final da PF. "Elas servem para descapitalizar o grande traficante", disse. "Mas não queremos prender só quem está com a droga. Queremos chegar naquele que não coloca a mão na droga, mas lucra com o tráfico."
APREENSÃO RECORDE TAMBÉM NO PARAGUAI
Se, no Mato Grosso do Sul, as apreensões de cocaína têm batido recordes, do outro lado da fronteira, no Paraguai, não é diferente. No último dia 7, a polícia paraguaia apreendeu 2,2 toneladas da droga numa única ação, a cerca de 100 km do Brasil. Foi a maior apreensão da droga já realizada na história do país.
Ainda não há informações sobre quem seria o dono da cocaína apreendida. Hugo Volpe, promotor do Paraguai, acredita que ela pertença ao PCC ou CV.
As duas facções atuam no Paraguai há anos e disputam atualmente o controle das rotas de tráfico de droga para o Brasil. Volpe disse que o conflito se intensificou nos últimos meses. Nesse cenário, também no Paraguai, é usual que facções denunciem carregamentos de rivais para prejudicá-los.
"Essas denúncias são práticas comuns em disputas como esta", afirmou o promotor. "Mas o trabalho de investigação é que tem sido fundamental para o crescimento das apreensões."
PRISÃO DE LÍDER DO PCC REABRE DISPUTA
Volpe disse ainda que, desde a prisão de Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, no dia 5/2, a corrida pelo controle do tráfico de drogas no eixo Paraguai-Brasil está gerando movimentação nas facções.
Minotauro era considerado o líder do PCC na fronteira. Com ele na cadeia, explicou Volpe, é de se esperar que rivais tentem ganhar poder sobre o que até então era domínio da facção brasileira.
Minotauro foi preso porque, entre outras coisas, é suspeito de ordenar uma série de execuções tanto no Brasil quanto no Paraguai com o objetivo de consolidar o domínio do PCC sobre o comércio ilegal de drogas vindas do Paraguai. Sua prisão, entretanto, não pôs fim às mortes na região da fronteira.
"O conflito ainda existe", afirmou Volpe. "Mesmo depois da prisão de Minotauro, ainda estão ocorrendo execuções tanto do lado brasileiro quanto paraguaio. Sempre há gente procurando ganhar terreno."
O UOL procurou a PRF no último dia 28 para obter dados sobre as apreensões de cocaína realizadas neste ano pelo órgão. A reportagem voltou a questionar o órgão sobre os dados na quarta (6), quinta (7) e sexta-feira (8), por email e telefone. Não obteve resposta.
O órgão informou que, em 2017, apreendeu 9,3 toneladas da droga. Em 2018, foram 18,4 toneladas.