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Sexo, drogas e paranoia; como são as empresas que moderam posts do Facebook

Funcionários desenvolvem ansiedade severa enquanto ainda estão em treinamento - iStock
Funcionários desenvolvem ansiedade severa enquanto ainda estão em treinamento Imagem: iStock
do UOL

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

26/02/2019 11h45

Resumo da notícia

  • Salários de moderadores terceirizados são bem menores que de funcionários do Facebook
  • Reportagens viram más condições de trabalho e ouviram relatos tensos da equipe
  • Funcionários fazem piadas de suicídio e acreditam em conspirações
  • O Facebook diz que exige boas condições das empresas e promete monitorá-las melhor

Até o final de 2018, o Facebook tinha mais de 30 mil funcionários trabalhando em segurança. Cerca de metade eram moderadores de conteúdo.

Só que o Facebook depende muito da contratação de mão de obra terceirizada para este trabalho. A imprensa americana foi atrás dessas empresas contratadas e encontrou condições de trabalho muito, muito ruins.

Reportagem desta segunda-feira (25) do portal "The Verge" traz relatos de vários funcionários. Na semana passada, outro texto da "Business Insider" fez o mesmo. O Facebook teve que responder, dizendo que não era bem assim.

O contexto

Desde sempre há muitas críticas sobre o conteúdo perturbador do Facebook, que frequentemente inclui:

  • Discurso de ódio
  • Exploração infantil
  • Violência gráfica
  • Pornografia explícita

Apesar desse conteúdo ser moderado e filtrado pelo Facebook, parte dele volta e meia chega à tona.

Em 2017, o executivo-chefe da empresa, Mark Zuckerberg, anunciou a expansão da equipe de "operações comunitárias" do Facebook. Na época, apenas 4.500 funcionários do Facebook cuidavam dessa parte.

Só que negócios são negócios. Como aumentar enormemente essa equipe sem inflar o orçamento? Terceirizando, claro.

As vantagens

Até recentemente, a maior parte da moderação de conteúdo do Facebook era feita fora dos Estados Unidos.

Mas a empresa expandiu nos últimos anos suas operações domésticas para empresas na Califórnia, Arizona, Texas e Flórida, para cuidar melhor dos posts malignos de seu país de origem.

Essas empresas cobram barato pelo serviço, em relação ao "time da casa" do Facebook.

  • Um funcionário médio da rede social ganha salário de US$ 240 mil por ano;
  • Um moderador terceirizado da Cognizant, no Arizona, tem US$ 28 mil de remuneração anual

Os desafios da moderação

  • Cuidar de um grande volume diário de posts
  • Formar um exército global de trabalhadores mal pagos para aplicar, de forma consistente, um único conjunto de regras
  • Lidar com mudanças quase diárias e esclarecimentos sobre essas regras
  • A falta de contexto cultural ou político por parte dos moderadores
  • A falta de contexto em posts que torna seu significado ambíguo
  • Discordâncias frequentes entre os moderadores sobre se as regras devem ser aplicadas em casos individuais

As condições

Segundo o "The Verge", a equipe da Cognizant trabalha na seguinte situação:

  • Em um espaço apertado com longas filas para as poucas vagas de banheiro disponíveis; as filas podem durar a maior parte do tempo de descanso
  • O controle do tempo livre é intenso. Até mesmo os segundos são contados e gerenciados. Dois muçulmanos foram ordenados a parar de orar durante seus nove minutos diários de "tempo de bem-estar"
  • Funcionários são obrigados a armazenar seus celulares em armários enquanto trabalham, para proteger a privacidade dos usuários do Facebook. Escrita e papel também não são permitidos
  • A Cognizant disponibiliza um conselheiro para os funcionários, mas apenas durante parte do dia

Na semana passada, a "Business Insider" descreveu o ambiente da Accenture, em Austin, Texas. Um grupo de revisores de conteúdo queixou-se sobre não ter permissão para deixar o prédio para intervalos ou atender telefonemas pessoais no trabalho.

O que a equipe sofre

Vários moderadores dizem experimentar sintomas de estresse traumático secundário, um distúrbio que pode resultar da observação de traumas em primeira mão sofridos por outros.

É um ambiente onde os trabalhadores:

  • Desenvolvem ansiedade severa enquanto ainda estão em treinamento
  • Continuam a lutar com sintomas de trauma muito tempo depois de saírem; 
  • Contam piadas obscuras sobre cometer suicídio --em dias ruins, as pessoas falavam que era "hora de dar uma volta no telhado"
  • Fumam maconha durante os intervalos para dar conta de suas emoções
  • Passam a acreditar nos vídeos e memes de conspiração que modera, como se a Terra é plana, negar certos aspectos do Holocausto ou não achar mais que o 11 de setembro foi um ataque terrorista. Uma pessoa relatou que dorme com uma arma ao seu lado
  • Podem ser demitidos por fazer apenas alguns erros por semana
  • Os que continuam na empresa vivem com medo dos ex-colegas que retornam em busca de vingança
  • Foram encontrados fazendo sexo dentro de escadas e em uma sala reservada para mães que amamentam --a solução encontrada  pela empresa foi remover as fechaduras da porta 

O aconselhamento mental que a Cognizant oferece a eles termina no momento em que eles se demitem.

Depoimentos

É uma tensão. Eu não sei o que vou ver. Eu não tenho nenhum problema com a nudez - é para isso que me inscrevi - mas depois há decapitações aleatórias Depoimento de um funcionário à "Bloomberg"

Não posso nem te dizer quantas pessoas eu fumei [maconha]. É tão triste quando penso nisso - isso realmente magoa meu coração. Nós descíamos e ficávamos chapados e voltávamos ao trabalho. Isso não é profissional Depoimento de um funcionário ao "The Verge"

A reportagem do "The Verge" acompanhou o dia de uma funcionária chamada Chloe, que chorou por um tempo na sala de descanso, e depois no banheiro, mas começou a se preocupar que estava faltando ao treinamento. 

Quando ela voltou para a sala de treinamento, um de seus colegas estava discutindo outro vídeo violento. Ela viu que um drone estava atirando nas pessoas do ar. Chloe observou os corpos ficarem moles enquanto morriam. Ela saiu da sala novamente.

Na "Bloomberg", é revelado que muitos revisores tentam prestar tão pouca atenção ao seu trabalho quanto possível, seja ouvindo música ou transmitindo filmes enquanto trabalham.

O que diz o Facebook

Em seu site, a rede social se manifestou sobre as reportagens, dizendo que exigem das empresas terceirizadas:

  • Contratos que exigem boas instalações, intervalos de descanso e apoio à resiliência
  • Visitas regulares da equipe de gerenciamento do Facebook ao local da terceirizada
  • Reuniões de negócios semanais e mensais com essas empresas

Depois de alguns anos de crescimento muito rápido, estamos agora aprimorando ainda mais nosso trabalho nessa área para continuar a operar de maneira eficaz e melhorar nesse tamanho Justin Osofsky , vice-presidente de operações globais do Facebook

À "Bloomberg", um porta-voz do Facebook disse que está analisando como a Accenture forneceu recursos para lidar com o estresse e acrescentou que o uso de drogas e álcool no trabalho viola seus contratos.

Uma porta-voz do Facebook encontrou com o repórter do "The Verge" na sede da Cognizant e disse que as histórias contadas não refletem as experiências do dia-a-dia da maioria de seus contratantes, seja em Phoenix ou em outros locais ao redor do mundo.

Um dia antes do repórter chegar ao escritório da Cognizant, uma fonte contou a ele que novos cartazes motivacionais foram pendurados nas paredes.

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