Brasil suspeita de tanques fakes na fronteira: qual o poderio da Venezuela?
Autoridades do governo federal afirmaram ao UOL suspeitar que ao menos parte dos blindados posicionados pelo governo de Nicolás Maduro na fronteira com o Brasil não tenham condições de funcionar plenamente. Porém isso não significa que a Venezuela não tenha capacidade bélica. Desde uma crise em 2008 que quase fez Caracas declarar guerra à Colômbia, o regime chavista vem adquirindo armamento pesado da Rússia.
Na noite de quinta (21), o governo venezuelano fechou a fronteira sul do país com o estado de Roraima para impedir que seus cidadãos passem para o lado brasileiro a fim de receber comida e medicamentos.
Em paralelo, ao menos cinco "tanques" --dois blindados leves de reconhecimento e dois veículos de transporte de tropas-- foram filmados sendo movimentados sobre carretas na região de fronteira.
Uma autoridade da cúpula das Forças Armadas e outra ligada ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmaram ter recebido informações de inteligência de que parte desses blindados não estariam em plena condição de uso --o que explicaria terem sido vistos apenas sobre carretas de transporte.
Eles teriam sido usados em um exercício militar recente e estariam seguindo para manutenção quando receberam novas ordens para seguir para a fronteira, segundo afirmaram autoridades brasileiras ouvidas pelo UOL.
O objetivo seria tentar criar um efeito psicológico sobre opositores internos do governo venezuelano e nações vizinhas, que pode ser enquadrado no que se chama em manuais militares de "manobra de crise".
Uma dessas manobras é movimentar tropas em ações que funcionariam como ameaça para dissuadir, persuadir ou demonstrar disposição de escalar os esforços bélicos.
Mesmo que estivessem em plenas condições de uso, os blindados venezuelanos que foram vistos na fronteira serviriam mais para dissuadir opositores de Maduro de passarem para o lado brasileiro da fronteira do que para atacar o Brasil, segundo militares ouvidos pelo UOL.
O general da reserva Paul Cruz, ex-comandante das forças da ONU no Haiti, disse que os blindados vistos na fronteira não teriam capacidade para enfrentar tropas brasileiras e devem estar voltados para objetivos internos de segurança da Venezuela.
Porém, ontem (22), um número ainda desconhecido de tropas venezuelanas foi enviado para reforçar a fronteira sul com o Brasil. Esse deslocamento vem sendo atrasado por choques com comunidades indígenas venezuelanas, que querem acesso à ajuda humanitária. Os conflitos já deixaram ao menos duas pessoas mortas.
Qual é o poderio bélico da Venezuela?
Em 2008, a Venezuela e o Equador ameaçaram declarar guerra à Colômbia depois que o governo colombiano atacou guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em território equatoriano sem autorização do país vizinho.
A Venezuela apoiou seu aliado político e ameaçou atacar a Colômbia. Mas um dos motivos para o conflito ter ficado no campo das ameaças é que a Venezuela não possuía poderio bélico suficiente para entrar no país vizinho --especialmente divisões de artilharia de campanha.
Mas, a partir de 2009, Caracas começou a investir na compra de armamentos pesados. Entre eles, está o tanque russo T-72, que pesa cerca de 40 toneladas e possui um canhão de 125 milímetros. Criado na década de 1970 pela então União Soviética, ele vem sendo modernizado e já foi utilizado em diversas guerras --entre elas, a atual guerra da Síria.
Outra aquisição foi o sistema de lançamento de foguetes por saturação Smerch, considerado um avançado sistema de artilharia no qual uma série de mísseis são disparados ao mesmo tempo para atingir alvos em terra.
A Venezuela também comprou em 2009 o sistema de mísseis antiaéreos de fabricação russa S-300. Ele é um dos mais avançados do gênero e serve para abater aviões de caça ou mísseis de cruzeiro. Eles podem ser transportados em comboios de carretas pelas estradas do país. O então presidente Hugo Chávez disse na época da compra que eles serviriam para evitar possíveis agressões dos Estados Unidos e para defender as reservas de petróleo do país.
Os venezuelanos também compraram avançados aviões de caça russos chamados Sukhoi, que são eficientes contra outros caças e também podem atacar alvos em terra e no mar.
Não se sabe, porém, em quais condições de uso estão todos esses equipamentos, pois a Venezuela passa por uma grave crise econômica e recursos de manutenção podem estar contingenciados.
Além disso, militares e diplomatas brasileiros dizem acreditar que a maioria das armas pesadas venezuelanas está concentrada na região de Caracas e na fronteira com a Colômbia. A fronteira sul com o Brasil, onde há muitas regiões de selva e menor poder econômico, é considerada uma área de menor valor estratégico e é menos protegida.
Autoridades da cúpula das Forças Armadas do Brasil afirmaram que a chance de a Venezuela usar essas armas contra o país é mínima. O Exército trata a crise na Venezuela como uma questão humanitária, e não como uma ameaça militar.
Contudo, militares ouvidos pela reportagem se mostraram preocupados que a elevação da tensão na fronteira possa resultar em algum pequeno choque ou troca de tiros entre militares dos dois países, que teria potencial para agravar a crise.
O Brasil consegue defender a fronteira com a Venezuela?
O Exército brasileiro possui em Roraima a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, que mantém em Boa Vista um batalhão de infantaria e um esquadrão de cavalaria formado por tanques leves. A região também recebeu como reforço mais um batalhão formado por forças do Distrito Federal e do Rio de Janeiro para ajudar na crise dos refugiados.
Esses militares operam com armas que vão desde fuzis e granadas a canhões de artilharia, lança-foguetes, metralhadores e blindados de transporte de tropas e reconhecimento. Além de usar armas como fuzis, metralhadoras pesadas e artilharia, essas unidades podem operar com o apoio de helicópteros de ataque e transporte de tropas.
Apesar de estar na região amazônica, a região da fronteira em Pacaraima não tem características de selva. Ela é similar ao relevo e vegetação do cerrado e por isso é propenso ao uso de blindados.
O Brasil não acredita que um conflito possa ocorrer na região, mas há planos de emergência para enviar tropas ao local se for necessário.
O Exército não divulga estudos sobre cenários de conflito, mas se sabe que, em caso de emergência, há quatro unidades de ação rápida que podem chegar a qualquer ponto do país em um curto período de tempo. Elas são a Brigada de Forças Especiais de Goiás, a Brigada Paraquedista do Rio de Janeiro, a Brigada Aeromóvel e o Comando de Aviação do Exército, ambos do interior de São Paulo.
Elas são tropas altamente equipadas que podem ser mobilizadas em questão de horas e transportadas em aviões ou helicópteros para a área da crise. Outras unidades regulares das Forças Armadas levam dias para ser mobilizadas e se deslocarem.