Funcionário é voto vencido dentro da Vale, diz ex-coach
A ex-consultora/coach da Vale Maria Clara Paiva Iziodoro contou em entrevista ao UOL que, durante os cinco anos que atuou dentro da companhia, conheceu muitos "conflitos morais" de funcionários que aprenderam, nas suas formações acadêmicas, a reconhecer o que caracteriza crimes ambientais, mas que no cotidiano de trabalho eram "voto vencido". Ela entrou na Vale em 2012 para atuar como coach dos funcionários na mineradora, e deixou a empresa em 2017 para se dedicar a outros projetos, em uma espécie de ano sabático.
"Na formação dele [do funcionário], ele recebeu muita informação sobre crimes ambientais. Posso te afirmar que dentre os setores da empresa existem muitos debates e muitas vezes funcionário é voto vencido porque a produção quer oferecer um número", conta.
Para Iziodoro, o fato de a Vale deter uma fatia grande do mercado de mineração brasileiro conferia a ela o "direito de ser predatória". "Se você não pactuar com o que a Vale quer, você não tem mercado", conta.
Ontem, a mineradora anunciou interromperá as atividades de mineração em locais próximos a barragens de rejeitos como as de Mariana e Brumadinho.
O diretor-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse que acabará com 19 estruturas como essas - as chamadas "barragens a montante", em um processo que deverá se estender entre três e cinco anos, a depender da localidade. Enquanto isso, as operações de mineração ficarão interrompidas.
Funcionários convivem com sentimento de risco
Durante a entrevista ao UOL, Maria Clara Paiva Iziodoro conta ainda que os funcionários conviviam diariamente com o sentimento de risco em relação à barragem da Mina do Córrego do Feijão, que se rompeu na última sexta-feira (25), e que, na cidade, rondam relatos de que eles viam "trincas" na estrutura dela.
"Tem coisas na barragem, que são trincas, que são visíveis. Existem outras coisas que são não perceptíveis, são até as mais perigosas, que só os técnicos vão saber. Mas eles tinham um sentimento de risco", diz.
Existem muitas dores que estão escondidas nessa história. Nesse caso de Brumadinho, elas estão soterradas
Maria Clara Paiva Iziodoro, ex-coach.
A ex-consultora/coach disse que muitos funcionários se sentem dentro de uma "relação de prostituição" com a empresa. "Eu faço tudo o que eles me pedem e eu recebo por isso, mas eu não dou beijo na boca", diz.
Ontem, dois engenheiros que atestaram a estabilidade da barragem de Brumadinho (MG) e três funcionários da Vale responsáveis pelo local e seu licenciamento foram presos.
Os mandados de prisão temporária, expedidos pela juíza Perla Saliba Brito, da Comarca de Brumadinho da Justiça de Minas Gerais, têm validade de 30 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período.
Horas depois, o diretor jurídico da empresa, Alexandre de Ambrósio, afirmou em vídeo divulgado pela empresa nas redes sociais que a mineradora é "a maior interessada no esclarecimento das causas" do rompimento da barragem de rejeitos de minérios e que abriu sindicância interna para apurar os fatos.