Desaparecido em Brumadinho canta em vídeo com amigos da Vale
O nome de Wilson José da Silva, de 53 anos, está entre os 279 desaparecidos após o rompimento da barragem de rejeitos da Vale, em Brumadinho (MG), que deixou 65 mortos. Na última segunda-feira (28), o rosto de Wilson José passou a ser mais conhecido depois de um vídeo em que aparece cantando uma música religiosa no vestiário da Vale. A publicação viralizou nas redes sociais e causou comoção.
Familiares e amigos do operador de máquinas destacaram o caráter religioso de Wilson. Sobrinho do funcionário da Vale, Carlos Eduardo Silva Braga, de 19 anos, disse que a família espera dar um enterro digno ao tio desaparecido. "É triste, mas nossa família já está preparada para o pior, para receber a notícia que ninguém gostaria de receber. Só queremos dar ao meu tio (Wilson) pelo menos um enterro digno. O enterro que ele merece. Ele sempre foi muito carinhoso com a gente. É a única coisa que podemos proporcionar a ele", disse Carlos Eduardo em entrevista ao UOL.
Casado com Aparecida e sem filhos, Wilson não dá notícias desde a tarde de sexta-feira (25), quando ocorreu o rompimento de uma barragem da Vale. Carlos Eduardo afirma que o Corpo de Bombeiros não informou aos familiares o paradeiro de Wilson no momento do rompimento da barragem, mas colegas que conseguiram escapar contaram que Wilson não conseguiu fugir a tempo. Apesar de estar preparado para o pior, o sobrinho de Wilson afirma que ainda há esperança de que seu tio seja resgatado com vida.
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Falar que não tenho esperança é ser hipócrita. Aquele 1% de esperança todo mundo tem. Liga para qualquer funcionário, qualquer familiar e vê se eles não têm esperança de achar alguém vivo. Mas a gente já está preparado
Carlos Eduardo, sobrinho de Wilson José da Silva, desaparecido após rompimento de barragem
A música "Noites traiçoeiras" foi escolhida por Wilson para ser cantada semanas antes do acidente em Brumadinho. No vídeo, o funcionário da Vale canta a música religiosa para colegas no vestiário da empresa. A família de Wilson não sabe confirmar a data exata da gravação, mas afirma que o vídeo não foi filmado no dia do rompimento da barragem. Carlos Eduardo recebeu a filmagem apenas no último fim de semana.
"É meu tio no vídeo. São os olhos dele. É de semanas anteriores à tragédia. Um amigo mandou pra gente, ele tinha gravado e nos mandou para consolar a família, ver a felicidade dele no trabalho", conta Carlos Eduardo, que diz que "desde que se entende por gente" o tio, evangélico, sempre foi uma pessoa muito religiosa.
Wilson mora na região norte de Pedro Leopoldo, bairro próximo a Brumadinho. Trabalhando há quase dez anos como funcionário da Vale, o operador de máquinas é querido pelos colegas de trabalho, e sempre queria se dedicar mais em seu dia a dia. Na sexta-feira (25), dia do rompimento da barragem, Wilson deveria ter finalizado seu turno às 14h (de Brasília), mas seguiu se dedicando ao trabalho, como fazia todos os dias.
"Ele sempre foi amado por todos. O carinho que ele tinha pelas pessoas era fora do comum. Ele era amado e amava muito o que fazia. Sempre comentou que o sonho dele era trabalhar ali (na Vale). Ele achava pouco o que ele fazia. Queria sempre mais. Falava que aquilo era uma família. Era sua segunda família. Infelizmente teve esse acontecido", diz Carlos Eduardo.
Familiares trabalham na Vale
Alejandro Braga, pai de Carlos Eduardo, também é funcionário da Vale, assim como outros familiares do sobrinho de Wilson. Alejandro trabalhou na noite anterior ao rompimento da barragem, e deixou a Vale na manhã do acontecido, quando trocou de turno com seus companheiros. Eletricista, Alejandro retornou aos trabalhos na segunda-feira (28) e, ao lado de outros sete colegas, ajuda na drenagem da barragem.
"Camarguinho" e "amigo do café" eram apelidos de Wilson na Vale
Companheira de trabalho de Wilson José por três anos, a ex-funcionária da Vale Mirian Amorim, de 36 anos, lembra com carinho do colega religioso e de bom coração. Com a voz embargada, a operadora de equipamentos e caminhões contou ao UOL que o amigo era chamado de "Camarguinho" pelos colegas.
"Lembro muito bem do senhor Camarguinho. Ele andava sempre com uma mochila de um lado só do braço. Cumprimentava todo mundo, cumprimentava todos com as duas mãos e dizia 'Senhor, minha irmã, tudo bem?', quando falava que não estava bem, ele dizia 'Se você está viva, está aqui, então está tudo bem'", recorda Mirian.
Mirian deixou a Vale em outubro de 2018, após se mudar para o Rio de Janeiro. A ex-funcionária diz que nunca trabalhou no mesmo setor de Wilson, mas as salas onde trabalhavam eram próximas e o encontro com o operador de máquinas era quase diário.
"Lá a gente não podia fazer café. Era uma norma de segurança. Ele (Wilson) buscava café para todos. Era o 'amigo do café'. Distribuía café para todos e levava lanches de casa para o pessoal", conta Mirian. Irmãos e cunhados de Mirian estavam na Vale quando a barragem de rejeitos se rompeu, mas conseguiram escapar pois estavam longe do refeitório.