Clique Ciência: O que há de verdade científica nos ditados populares?
Todo mundo sabe que água mole, em pedra dura, tanto bate até que fura. Ou que filho de peixe peixinho é. Onde há fumaça, há fogo. Ditados populares guardam a sabedoria e conselhos através de gerações.
Mas, às vezes, confiamos tanto neles que deixamos a ciência de lado. O UOL conversou com especialistas para descobrir qual é o sentido científico por trás de alguns dos provérbios mais recorrentes.
"Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura"
O ditado faz clara referência ao poder da insistência e da paciência. Ele é facilmente explicado pela ciência, de acordo com José Eduardo Mautone Barros, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais):
Água é um solvente universal e pode dissolver boa parte dos materiais, inclusive os minerais
A velocidade desse processo depende de uma série de fatores, em especial o tempo decorrido e a pressão exercida pela água. Na natureza, um exemplo claro é a formação de cavernas, que pode demorar milhões de anos, conforme o Serviço Nacional de Parques dos EUA.
Aumentando a pressão da água, é possível acelerar o processo e fazer ainda mais.
"Com alta velocidade, a água pode, além de dissolver, quebrar materiais ou pedras por impacto", diz o especialista.
As aplicações são numerosas: "Cortar com água é vantajoso porque não aumenta a temperatura do material cortado. A fibra de vidro, por exemplo, pode quebrar se for cortada por um material que esquenta". "E ainda dá para reaproveitar a água", completa.
"Filho de peixe, peixinho é"
O ditado é usado para explicar algo óbvio: os filhos são parecidos com seus pais e familiares, explica Maria Cátira Bortolini, geneticista responsável pelo Laboratório de Evolução Humana e Molecular da UFGRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
É interessante que os fatores que explicam a semelhança nem sempre foram óbvios.
Acho que o ditado vem dessa observação empírica, que hoje sabemos que está relacionada à informação que é passada pelo DNA
"Antes de Mendel [o pai da genética, que viveu no século 19], se achava que isso era resultado de uma mistura de sangue. Daí vem a expressão 'puxou o sangue do pai'", diz.
Nem Charles Darwin, o pai da Teoria da Evolução e que também viveu no século 19, sabia como se dava a transmissão de genes, conta a especialista.
"Onde há fumaça, há fogo"
Irmã do "eu te avisei", essa frase indica que sinais de alerta sempre precedem situações de risco. Neste caso, a ciência desbanca ligeiramente o ditado.
Isso porque ele fala da fumaça produzida por queima ou combustão, mas há mais definições e interpretações.
A neblina também é um tipo de fumaça, por exemplo. A diferença do fogo é que nele há gás da queima que, por ser mais quente, sobe
José Eduardo Mautone Barros
Então essa é a fumaça característica do fogo: uma coluna que expande e sobe. A parte mais extensa e que pode ser vista à distância é formada por vapor de água.
Já a parte escura próxima das chamas é composta por partículas, como fuligem, e variam conforme o material queimado.
Ou seja, fogo sempre acompanha fumaça, sim. Mas é possível também pensar fumaça como um conceito mais abrangente.
"É melhor prevenir do que remediar"
Esse ditado tem tudo a ver com eficiência e faz sentido para a saúde e para a economia.
"Se a medicina prevenir o câncer em uma pessoa, evita uma doença que talvez nem consigamos remediar no futuro e que pode causar a morte. E isso vale tanto para o indivíduo como para o coletivo", explica Juarez Cunha, pesquisador e médico do Hospital das Clínicas de Porto Alegre.
Exemplo clássico dessa lógica são as vacinas: quando imunizam o paciente, elas previnem a doença no futuro e, portanto, poupam a pessoa de remediar os sintomas depois. Há economia em tratamento, recursos, tempo dos médicos e até leitos.
"A vacina para o HPV [Papilomavírus Humano] dá proteção e, com o tempo, ajuda a prevenir o câncer na área genital", exemplifica.
No caso específico da vacina para o HPV, há um programa nacional de vacinação voltada a adolescentes. A lógica do ditado volta com força quando pensamos na gestão de saúde da população: "Para introduzir a vacina em um programa como esse, sempre é preciso fazer estudo de efetividade. O custo daquela prática [a imunização] tem que ser muito menor do que as consequências".
A medicina preventiva como um todo funciona assim: "Prevenir é mais econômico", diz.
"Quem ama o feio, bonito lhe parece"
Esse provérbio divertido remete à atração romântica, mas também faz parte de uma série de comportamentos que podem ser explicados pela ciência.
"Há uma série de hormônios que atuam no nosso sistema nervoso central e modulam os comportamentos sociais", explica a geneticista Maria Cátira Bortolini.
Na prática, há substâncias no nosso corpo que influenciam como agimos e como tratamos determinados membros de nossos grupos. Alguns exemplos de neuro-hormônios são endorfina, dopamina e oxitocina.
"É a ação deles que faz que as mães e os pais tenham comportamento de cuidar dos filhotes até estes terem sua vida independente. Mesmo que esses filhotes não sejam bonito aos olhos dos outros", diz.
Claro que há uma ressalva necessária: a influência dos genes no comportamento humano existe, mas não é o único fator.
"Na nossa espécie, temos o papel da cultura muito importante, então fica mais difícil ainda dizer o peso exato de cada componente. Ainda assim, é possível ver o papel da genética", diz.
Para que servem os ditados populares?
O pesquisador Hudinilson Urbano, autor do livro "Dicionário Brasileiro de Expressões Idiomáticas e Ditos Populares: Desatando Nós", elenca os provérbios como um tipo de frase feita.
Ele afirma que é impossível traçar linhas claras para o conceito, mas lista algumas características gerais: tendem a ser curtos; empregam linguagem coloquial, em oposição à linguagem formal; apresentam conceitos breves como verdades gerais, universais e atemporais; revelam a sabedoria popular, traduzida em mensagens de censura ou de conselho; abordam muitas vezes temas filosóficos; usam metáforas; contêm rimas.
Os provérbios são uma "verdade anônima e tradicional pronta para usar", brinca Sírio Possenti, professor do Departamento de Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp (Universidade de Campinas). Eles defendem uma ideologia sobre determinado assunto e a apresentam como tradicional e inquestionável.
"Por exemplo, o pai que insiste que o filho deve trabalhar pode dizer a ele: 'Deus ajuda quem cedo madruga'. O mesmo se aplica ao técnico que quer motivar seu time ou o chefe que quer incentivar os funcionários a trabalhar mais", enumera.
Nesse sentido, os provérbios servem como argumentos que podem ser usados por uma figura de autoridade sem maiores justificativas. "Eles passam a ideia de que unem a sabedoria da sociedade e das nações", diz.