O que mudou em 13 meses para anular a sentença que condenou Daniel Alves

Em 22 de fevereiro de 2024, o Tribunal Provincial de Barcelona condenou Daniel Alves a 4 anos e 6 meses de prisão por agressão sexual. Na sexta-feira, 28 de março de 2025, a Seção de Apelações do Superior Tribunal de Justiça da Catalunha (STJC) decidiu, por unanimidade, anular a sentença de primeira instância.
Mas, o que aconteceu nesses 13 meses, para que a decisão fosse diametralmente oposta à que condenava o ex-jogador?
Primeiro, é preciso entender a natureza da sentença divulgada na sexta-feira: para chegar à decisão, a Seção de Apelações recebeu três recursos, que pediam revisão da decisão de primeira instância — um da defesa de Daniel Alves, outro do Ministério Público da Espanha, e um terceiro, da acusação particular (os advogados que representam a denunciante).
O MP pedia um aumento da pena, de 4 anos e 6 meses para nove anos; a acusação particular pedia a pena máxima, de 12 anos de prisão.
Já a advogada de defesa de Daniel Alves, Inês Guardiola, entrou com um pedido de absolvição, alegando que havia 16 pontos em que a primeira sentença descumpria ou violava preceitos básicos como a presunção de inocência.
Foi este recurso que acabou aceito pela Seção de Apelações, na figura de seus quatro juízes — três mulheres e um homem. Havia a possibilidade de pedir um novo julgamento, mas a decisão foi pela anulação da sentença, alegando que a decisão da primeira instância não apresentava elementos suficientes para a condenação.
A principal mudança na interpretação da Seção de Apelações é no peso que o depoimento da denunciante passou a ter no processo. A primeira sentença, de fevereiro de 2024, condenava Daniel Alves com base, sobretudo, nas declarações da mulher que o acusa de agressão sexual.
Todas as testemunhas — da acusação e da defesa — relataram fatos acontecidos antes ou depois do encontro de Daniel Alves e da denunciante no banheiro da discoteca Sutton, na noite de 30 de dezembro de 2022. Como no banheiro não há câmeras, apenas Alves e a mulher puderam dar suas versões dos fatos.
A análise do vídeo
Na sentença publicada na sexta-feira, a Seção de Apelações afirma que a decisão de primeira instância tem "imprecisões, inconsistências e contradições sobre os fatos". O ponto mais citado na nova decisão diz respeito à análise dos vídeos do circuito interno da discoteca Sutton.
Em seu depoimento, a denunciante afirmou que havia um "clima de tensão" entre ela e Daniel Alves nos momentos anteriores ao encontro no banheiro. Depois de observar os vídeos da discoteca, os juízes da Seção de Apelações afirmaram que o relato não coincide com as imagens.
Com base nessa discrepância, a sentença de sexta-feira afirma que "essa inveracidade tem uma influência significativa na confiabilidade das informações dadas pela testemunha, e nos obriga a ter um critério mais rigoroso com o restante do relato".
Este critério mais rigoroso seriam provas e confirmações chamadas de "periféricas", como as coletas de DNA feitas no banheiro da discoteca e o exame de corpo de delito realizado pela denunciante horas depois dos fatos.
No documento publicado na sexta-feira, os juízes da Seção de Apelações consideram as provas periféricas insuficientes para dar mais sustentação à versão da acusação.
Como há contradições entre o depoimento de Daniel Alves e da denunciante, e os exames científicos não corroboram por completo nenhum deles, a sentença conclui que "o relato de agressão sexual fica apoiado unicamente no relato da vítima, evidenciando a escassa e insuficiente força da hipótese acusatória".
Acusação considera retrocesso
A anulação da sentença condenatória pegou de surpresa os advogados da denunciante. "É a primeira vez em mais de 25 anos que vejo um caso assim" afirmou Ester García, representante legal da mulher que acusa Daniel Alves.
Ao UOL, a advogada afirmou que vai recorrer ao Tribunal Supremo da Espanha e disse estar decepcionada com a decisão. "A sentença é um retrocesso em nível social e jurídico em relação à luta contra a violência sexual", afirmou.
"Essa sentença não se ajusta às reformas legislativas que houve nos últimos anos para erradicar a violência sexual e me preocupa, porque pode inibir que muitas mulheres que sofrem ataques a denunciarem", acrescentou Ester García.
Próximos passos
A anulação da condenação de Daniel Alves ainda não significa o fim do caso juridicamente. A partir de agora, tanto a acusação particular quanto o Ministério Público Espanhol ainda podem apresentar recursos ao Tribunal Supremo.
Embora tenha dito ao UOL que recorrerá da decisão, a advogada Ester García afirmou que ainda precisa conversar com sua cliente, para saber se ela pretende "suportar mais esse período de sofrimento".
A acusação calcula que um novo julgamento no Tribunal Supremo poderia demorar entre um ano e 18 meses, mas fontes jurídicas ouvidas pelo UOL apostam em um prazo ainda mais longo.
Devido a atrasos processuais, e pelo fato de o caso já não ser mais urgente (porque Daniel Alves está em liberdade), o trâmite poderia levar muito mais tempo, entre três e quatro anos.